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A capacidade das partes

No documento Direito do trabalho: notas sumárias (páginas 70-73)

2. Requisitos materiais de validade do contrato de trabalho

2.1. A capacidade das partes

Nos termos da lei portuguesa (artº 3º da LCT), “a capacidade para celebrar contratos de trabalho regula-se nos termos gerais de direito”.

Devemos, porém, distinguir entre o que tradicionalmente se desig- na por incapacidade de gozo de direitos que é insuprível e cuja falta determina, em regra, a nulidade do acto e a incapacidade de exercício

de direitos a que, normalmente, se liga o efeito da anulabilidade do acto.

Esta última é suprida, como se sabe, pelo poder paternal e, subsidiaria- mente, pela tutela.

Entre nós a incapacidade por menoridade termina ou pelo decurso do tempo (quando o menor perfizer 18 anos – artº 130º do Cód. Civil) ou pela emancipação por casamento (artº 132º do Cód. Civil)70.

69 Vide MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina,

1966, p. 34 e ss; MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 262 e ss.

70 Redacção do Dec.-Lei nº 496/77. Este diploma revogou as normas dos arts. 134º,

135º, 136º e 137º relativas à emancipação por concessão dos pais ou do conselho de fa- mília, à emancipação resultante de decisão judicial, à emancipação restrita e aos efeitos da emancipação, respectivamente.

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A lei prevê, porém, algumas excepções à incapacidade por menori- dade, nomeadamente as do artº 127º do Cód. Civ. Nestas não inclui a de poder concluir um contrato de trabalho, pelo que se poderá dizer que o artº 124º da LCT alarga o quadro de excepções previstas no referido artº 127º do Código Civil.

Na verdade, nos termos do artº 124º da LCT, os menores com mais de 14 anos podem concluir, por si, validamente, um contrato de trabalho desde que seja “desconhecido o paradeiro do seu legal representante” (nº 2 do cit. artº).

Neste caso, pode dizer-se que o menor não emancipado tem a ca- pacidade para adquirir direitos e obrigações por via de um contrato de trabalho por si concluído71.

Naturalmente, os casos de incapacidade não se restringem à inca- pacidade por menoridade sendo necessário referir ainda o que se passa, neste domínio, com os interditos e os inabilitados e tecer algumas consi- derações sobre a capacidade (legitimidade) da mulher casada.

Como se sabe, o interdito “é equiparado ao menor, sendo-lhes apli- cáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal” (artº 139º do Cód. Civil). O interdito está, pois ferido de incapacidades de exercício de direitos e não pode concluir, por si, um contrato de trabalho.

Já o mesmo se não passa, ou se não passa necessariamente, rela- tivamente ao inabilitado. De facto, este é assistido por um curador “a cuja autorização estão sujeitos os actos de disposição de bens entre vivos e

todos os que, em atenção às circunstâncias de cada caso, forem espe- cificados na sentença” (artº 153º do Cód. Civil). Significa isto que têm ca-

pacidade para concluir por si um contrato de trabalho os inabilitados em cuja sentença, atendendo às circunstâncias do caso, se não especifique que tal acto carece de autorização.

Pode assim dizer-se que não há, no domínio do contrato de traba- lho, quaisquer excepções ao modo como a lei civil regula a incapacidade dos interditos e dos inabilitados.

Já um pouco mais de atenção deve merecer o caso da mulher casada. Também neste domínio se materializava, de algum modo, a ideia da supremacia jurídica do marido na chamada sociedade conjugal.

71 À luz das novas disposições do Código Civil sobre capacidade introduzida pelo De-

Na verdade, o DL nº 47  032, de 27/5/66, não se referia expressa- mente à capacidade da mulher casada para concluir, por si, um contrato de trabalho mas referia-se à sua capacidade para receber a retribuição, o que constitui um afloramento do direito de a mulher casada administrar os pro- ventos do seu trabalho ou indústria. Por sua vez o Código Civil de 1966, no seu artº 1676º, nº 2, antes das alterações introduzidas pelo DL 496/77, não fazia depender do consentimento do marido o exercício de actividades lucra- tivas mediante contrato com terceiro. Porém, considerava lícito que o marido denunciasse, a todo o tempo, o contrato sem que por esse facto pudesse ser compelido qualquer dos cônjuges a uma indemnização. O citado artigo ressalvava apenas os casos em que o consentimento houvesse sido judi- cialmente suprido ou em que vigorasse o regime da separação de bens.

Por fim, o artº 117º da LCT reconhece à mulher casada capacidade (legitimidade) para concluir directamente um contrato de trabalho, mas dá ao marido não separado judicialmente ou de facto o direito de se opor à sua celebração ou manutenção, desde que alegue razões ponderosas.

Hoje, o Código Civil estabelece que “cada um dos cônjuges pode exercer qualquer profissão ou actividade sem o consentimento do ou- tro”72, devendo, por isso, considerar-se revogadas as normas dos nos 2 e

3 do artº 117º da LCT.

O problema da capacidade ficaria lacunosamente tratado se se não fizesse referência a situações que determinam incapacidade de gozo ou cujos efeitos são equivalentes. É o que se passa, nomeadamente, com a exigência de idade mínima de admissão, com a escolaridade obrigatória e com a carteira profissional.

A não satisfação do requisito da idade mínima (14 anos, como regra, mas pode ser superior para determinadas modalidades de trabalho – artº 123º, nos 1 e 2 da LCT) determina claramente uma incapacidade de gozo.

Já é mais duvidoso que devam configurar-se como de incapacida- de os casos em que o menor com mais de 14 anos não possui as habili- tações exigidas (artº 123º, nº 1, parte final da LCT) ou os casos em que o trabalhador conclui um contrato para exercer uma actividade legalmente condicionada à posse de carteira profissional sem que alguma vez a haja possuído ou lhe tenha sido retirada (artº 4º da LCT). Trata-se, em nossa

72 Artº 1677º-D, redacção do DL 496/77. Esta e outras alterações ao Código Civil

resultaram do imperativo constitucional (nº 3 do artº 36º) segundo o qual “os cônjuges têm

iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação

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opinião, de casos afins aos de incapacidade mas de suporte diferente e, por isso mesmo, não devem ser tratados como casos de incapacidade. No fundo, o que se verifica em ambos os casos é a falta de elementos do suporte fáctico de validade de certos actos73.

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