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As últimas décadas foram assinaladas por transformações profundas não só no pensamento, mas, sobretudo, nas formas como os Estados se organizam e atuam. Estas mudanças vêm acontecendo não só dentro dos governos, mas também nas suas relações com a sociedade e o mercado. Desta forma, a governança passa a se relacionar com o conceito de capacidades estatais, na medida em que o relacionamento entre as organizações do setor

público, do setor privado e da sociedade civil passa a ser fundamental para a efetividade do governo, tanto ou mais do que a existência de uma burocracia estatal competente (HALL, 2002; NELISSEN, 2002; OSPINA, 2002; HUERTA, 2008; PEREIRA, 2014; PIRES; GOMIDE, 2016).

O conceito de capacidades estatais foi objeto de pesquisa, com diferentes tratamentos e abordagens, por diversos autores estando associado inicialmente à literatura sobre formação do Estado e desenvolvimento econômico (TILLY, 1975; EVANS; RUESCHEMEYER; SKOCPOL, 1985). A difusão do conceito decorreu da importância e do impacto de outro conceito — o de autonomia relativa do Estado —, desenvolvido no livro seminal “Bringing the State back in” organizado por Evans, Rueschemeyer e Skocpol (1985). A relação entre autonomia relativa e capacidade estatal foi bem descrita por Skocpol (1985:9), que define capacidade estatal como a habilidade do Estado de implementar seus objetivos, particularmente diante da oposição de grupos sociais poderososou em face de circunstâncias socioeconômicas adversas. A autora também trata do conceito de autonomia como sendo relacionado à possibilidade de as burocracias do serviço público formularem e perseguirem políticas públicas que não são simplesmente o reflexo das demandas ou dos interesses de grupos ou classes sociais. Ou seja, o Estado teria autonomia para fixar suas políticas e capacidade para implementá-las.

Todavia vale ressaltar a ponderação de que a autonomia pode variar de acordo com as transformações sofridas pelas instituições e organizações burocráticas, conforme modificações ocorridas tanto internamente quanto nas relações interorganizacionais e com grupos sociais, segundo destaca Skocpol (1985). Essas características de variabilidade também ocorrem com o tempo e de acordo com os arranjos institucionais existentes em cada setor de política pública, conforme salienta a autora. Evans (1995) reforça esta argumentação ao estabelecer que a capacidade do Estado não resulta apenas das características do aparelho do Estado, mas também da relação deste com as estruturas sociais que o envolvem, ou seja, o setor empresarial e a sociedade civil. Isto é, a maior autonomia exclusiva do Estado (sem conexão ou inserção na sociedade) não significa maior capacidade de produção de políticas, pelo contrário, em contextos de transformações estruturais seriam exigidas maiores conexões da burocracia pública com o setor privado e sociedade civil. Desta forma, as capacidades estatais implicariam na existência de organizações que pudessem criar estímulos para seus burocratas perseguirem metas coletivas e assimilarem informações do meio externo, ampliando a inteligência, legitimidade e inserção do Estado, resultando no que Evans (1993; 1995) denominou de

estatal, assim como ressalta a variação da relação entre autonomia, inserção e capacidades a partir de fatores conjunturais e estruturais. Assim, a capacidade é associada não só ao processo de construção institucional de uma burocracia meritocrática e corporativamente coerente, mas também ao apoio político e à habilidade para estabelecer conexões e inserções junto à sociedade (EVANS, 2011).

Outros autores vêm trabalhando o tema das capacidades do Estado para produção de políticas públicas (state policy capacity). Painter e Pierre (2005) salientam que as “capacidades governativas” (governing capacities) estariam associadas às habilidades dos governos para: fazer escolhas e definir estratégias para a alocação de recursos; gerir eficientemente os recursos necessários para a entrega de resultados; e mobilizar apoio e consentimento da sociedade para suas ações. Fukuyama (2013) define a Governança como a capacidade de um governo para fazer e aplicar regras e prestar serviços, independentemente de o governo ser democrático ou não. Este autor, a despeito de usar uma denominação diferente – governança – discute a mensuração da capacidade do poder Executivo e do aparato administrativo do Estado.

Wu, Ramesh e Howlett (2015) procuram definir o conceito de “capacidades para produção de políticas públicas” (policy capacity)como um conjunto de competências e recursos necessários para a execução de funções de políticas públicas. De acordo com os autores, as principais habilidades ou competências que compreendem a capacidade de produzir políticas públicas podem ser categorizadas em três tipos: analítica, operacional e política. Cada uma dessas três competências envolve recursos em três níveis diferentes - individual, organizacional e sistêmico - gerando nove tipos básicos de capacidades relevantes para políticas públicas. Desta forma, as competências analíticas permitiriam que as políticas públicas fossem tecnicamente consistentes; as competências operacionais possibilitariam o ajustamento dos recursos disponíveis com as atividades e projetos, para que possam ser implementadas; e as competências políticas contribuiriam na obtenção e sustentação de apoio político para as ações governamentais. Do mesmo modo, o nível sistêmico compreenderia o apoio e confiança que uma organização estatal possa usufruir tanto dos políticos quanto da sociedade em geral; o nível organizacional envolveria a disponibilidade e a eficácia dos sistemas de informação e de gestão de recursos humanos e financeiros; e o nível individual trataria do conhecimento técnico- político dos burocratas, gestores públicos e analistas de políticas.

Estes autores salientam que o conceito vai além do governo na compreensão da capacidade, reconhecendo que uma ampla gama de organizações, como partidos políticos, ONGs, empresas privadas e organizações internacionais, bem como múltiplas agências governamentais, estão envolvidas em processos políticos e assim suas capacidades afetam a

capacidade do próprio governo de desempenhar suas atividades. Ou seja, as habilidades e os recursos dos governos têm contrapartidas nas organizações não-governamentais orientadas por políticas públicas e precisam existir ou serem formadas para que qualquer um desses atores seja eficaz em suas funções políticas. Portanto, enquanto a capacidade de produção de política pública de um governo desempenha o papel principal na determinação de resultados de políticas públicas, o modelo reconhece que a capacidade de outras partes interessadas (stakeholders) na formulação de políticas é um aspecto importante da capacidade de produção de políticas públicas que também necessita ser considerado na análise (WU; RAMESH; HOWLETT, 2015).

A literatura sobre as capacidades do Estado é caracterizada por uma preocupação com as habilidades e competências do Estado de estabelecer seus objetivos e realizá-los. O conceito de capacidades estatais decorreu dos estudos das ciências sociais acerca do papel do Estado na promoção do desenvolvimento econômico. Atualmente, o conceito vem adquirindo centralidade nas análises sobre a efetividade do Estado ou “boa governança” (MATTHEWS, 2012; GRIN, 2012; CINGOLANI, 2013; GOMIDE, 2016).

De acordo com revisão de literatura realizada por Cingolani (2013) as definições encontradas variam conforme as afinidades teóricas dos autores e as suas perspectivas normativas sobre o papel do Estado. O conceito de capacidades estatais pode ser disposto sob a forma de dimensões associadas às atividades exercidas pelo Estado. Conforme menciona a autora, o termo “capacidade estatal” se refere a uma ou a combinação das seguintes dimensões do poder do Estado: a) coercitivo e militar; b) fiscal; c) administrativo e de implementação; d) transformativo e de industrialização; e) relacional e de cobertura territorial; f) legal e g) político. O trabalho de Cingolani (2013) detalha cada uma das dimensões do conceito de capacidade estatal a seguir.

A capacidade coercitiva refere-se à função clássica da formação e manutenção do Estado de manter a ordem pública e a defesa do território pelo poder da força. Esta dimensão é frequentemente utilizada nos estudos sobre fragilidade do Estado em países caracterizados pelo fraco poder ou legitimidade para proteger seus cidadãos, deixando-os vulneráveis a eventos de risco, conflitos internos, violência, e proteção das fronteiras da invasão externa.

A dimensão fiscal, financeira ou de financiamento enfatiza a capacidade do Estado para extrair recursos da sociedade, principalmente sob a forma de impostos. Ocasionalmente, também se refere à eficiência dos gastos do governo. Está associada de forma mais geral à provisão de serviços e bens públicos.

A capacidade administrativa ou de implementação, também considerada como

à existência de uma burocracia profissional. Refere-se ao potencial de implementação das políticas públicas, tendo como condição necessária para essa tarefa a existência de um corpo administrativo profissional e dotado dos recursos e dos instrumentos necessários. De acordo com Gomide (2016) esta é uma das dimensões destacadas nos estudos sobre os Estados desenvolvimentistas (EVANS; RAUCH, 1999). Esta dimensão da capacidade estatal é talvez a mais amplamente referida na literatura, e muitas vezes intimamente relacionada com a boa governança (FUKUYAMA, 2013; CINGOLANI, 2013).

A dimensão transformativa e de industrialização refere-se a vertente que analisa a capacidade do Estado de intervir em um sistema produtivo e moldar a economia. Daqui provém a maior parte da literatura sobre "Estados desenvolvimentistas" que aborda a capacidade de industrialização. Algumas dessas obras também são leais a uma abordagem weberiana alegando que uma combinação equilibrada de quadros profissionais na burocracia, níveis adequados de coordenação de agências intraestatais e certo grau de inserção ("embeddedness") do Estado na estrutura produtiva são a chave para capacidade transformativa (EVANS, 1995). De forma semelhante, outros autores não se referem apenas à capacidade de transformação, mas também à capacidade distributiva e inovadora (CINGOLANI, 2013).

A capacidade relacional e de cobertura territorial busca capturar até que ponto o

Estado realmente permeia a sociedade e é capaz de internalizar interações sociais dentro de suas ações. É uma dimensão que trata das habilidades das burocracias do Estado de se conectar com os diferentes grupos da sociedade. Desta dimensão adviria a capacidade dos governos de mobilizar recursos políticos, prestar contas e internalizar informações necessárias para a efetividade de suas ações. Gomide (2016) ressalta que esta dimensão vem sendo privilegiada nos estudos sobre governança, uma vez que o Estado por si só não seria capaz de orientar e implementar as políticas necessárias ao desenvolvimento socioeconômico, sendo necessária a participação de outras partes interessadas, tais como associações empresariais, sindicatos de trabalhadores e demais organizações da sociedade civil. Nesta dimensão, inclui-se também a capacidade dos governos centrais em articular políticas nacionais em Estados federativos, nos quais as unidades subnacionais detêm alguma autonomia. De acordo com Cingolani (2013), a capacidade relacional muitas vezes engloba várias das outras dimensões devido à sua abrangência.

A dimensão legal (jurídica) ou regulatória confere especial atenção à limitação da intervenção do Estado por meio da regulação da atividade econômica, da garantia dos direitos de propriedade e do respeito ao cumprimento de contratos. Trata da definição e garantia das “regras do jogo” que vão normatizar as interações dos atores.

Por fim, a capacidade política ou de condução (steering capacity) refere-se ao poder de agenda ou à possibilidade de os governos eleitos fazerem valer suas prioridades. Enfoca, assim, tanto as competências de planejamento estratégico e fixação de objetivos de longo prazo quanto o poder de veto de atores político-institucionais sobre as decisões do Poder Executivo. Muitas vezes se refere ao nível de acumulação de poder pelos líderes eleitos para reforçar suas prioridades políticas entre os diferentes atores institucionais (partidos, congresso etc.) (CINGOLANI, 2013; GOMIDE, 2016).

Anteriormente, Grindle (1996), de forma mais concisa, destacou que o conceito possui quatro dimensões: a) capacidade administrativa: estrutura organizacional para executar funções essenciais e a prestação de serviços públicos; b) capacidade técnica: habilidades para formular e gerenciar políticas; c) capacidade institucional: definição de “regras do jogo” relativas à regulação econômica e comportamento político dos atores sociais; d) capacidade política: estabelecimento de canais legítimos e eficazes para lidar com demandas sociais.

Para Gestel, Voets e Verhoest (2012), a capacidade do Estado para produção de políticas públicas é uma função de fatores internos — como infraestrutura organizacional, recursos (humanos e financeiros) e sistemas de gestão — e externos, incluindo apoio social, qualidade dos relacionamentos entre Estado e sociedade e acesso a informações.

Grin et al. (2018) ressaltam que dentre as dimensões citadas por Grindle (1996) merecem destaque especial a Capacidade política e institucional e a capacidade administrativa e técnica na medida em que definem as possibilidades de “poder infraestrutural” descritas inicialmente por Michael Mann em 1984. Este autor considera que, para além do poder político clássico, exercido pelo governo numa situação de comando-obediência, existe uma espécie de poder infraestrutural, a capacidade de penetrar a sociedade e de organizar as relações sociais no território (MANN, 1984, 1993, 2008). Estas dimensões têm apresentado maior conexão com o conceito de governança (MANN, 2008; MATTHEWS, 2012; CINGOLANI, 2013).

Percepção semelhante, sobre as dimensões mais importantes, é compartilhada por Pires e Gomide (2016) quando ressaltam que a fim de conciliar as abordagens tradicionais sobre as capacidades estatais (dimensão administrativa) com as noções contemporâneas de governança é necessário acrescentar a nova dimensão (relacional) dedicada à inclusão e interações entre os múltiplos atores nos processos de políticas públicas, de tal forma que as capacidades do Estado podem ser analisadas sob duas dimensões: i) técnico-administrativa, que envolve as capacidades derivadas da existência e funcionamento de burocracias competentes e profissionalizadas, dotadas dos recursos organizacionais, financeiros e tecnológicos necessários para conduzir as ações de governo de forma coordenada; ii) político-relacional, associadas às

habilidades de inclusão dos múltiplos atores (sociais, econômicos e políticos) de forma articulada nos processos de políticas públicas, visando à construção de consensos mínimos e coalizões de suporte aos planos, programas e projetos governamentais. Enquanto a primeira dimensão pode ser associada às noções de eficiência e eficácia, a segunda está relacionada com as ideias de legitimidade, aprendizagem e inovação nas ações dos governos, segundo os autores.

Gomide e Pereira (2018), por sua vez, seguindo o raciocínio inicialmente estabelecido por Mann (1984, 1993, 2008), também consideram o conceito de capacidades estatais em duas dimensões principais. A primeira dimensão do conceito, denominada burocrática, está associada aos critérios de eficiência e coerência nas ações governamentais, sendo operacionalizada pelas seguintes categorias: profissionalização; autonomia; e coordenação. A segunda dimensão, denominada relacional, está associada aos critérios de legitimidade e transparência, sendo operacionalizada pelas seguintes categorias:

 relação das burocracias do Executivo com os grupos sociais locais;

 articulação com os representantes dos entes subnacionais; e

 diálogo com órgãos de controle.

De acordo com Gomide e Pereira (2018), a capacidade relacional - referente ao processo de interação qualificada entre os múltiplos atores interessados (stakeholders), se refere às habilidades das burocracias em mobilizar o apoio político e social para a realização dos objetivos estabelecidos e obter novas informações e conhecimentos para aumentar a qualidade e a efetividade dos bens e serviços a serem oferecidos. Deste modo, o diálogo das burocracias com atores sociais locais e órgãos de controle pode apresentar efeitos positivos no cumprimento de requisitos legais e garantir os direitos das minorias e grupos sociais vulneráveis. Lotta e Favareto (2016) reforçam que a articulação interfederativa, por sua vez, permite a realização de uma gestão territorial mais acertada, canalizando as demandas e interesses dos atores dos territórios sob intervenção para que os empreendimentos deixem um legado de desenvolvimento regional e local.

Daí a importância de arranjos institucionais mais participativos que possam expressar maior comprometimento com a legitimidade democrática, em termos de maior representatividade de interesses e de qualidade das decisões possibilitando o aperfeiçoamento da política pública (LOUREIRO, TEIXEIRA, FERREIRA, 2014). Ressalta-se também o desenvolvimento de capacidades estatais que agreguem a articulação de atores da sociedade civil de forma a buscar ampliar a legitimidade da política pública e diminuir possíveis entraves à sua implementação, conforme explicitam Loureiro, Teixeira e Ferreira (2014).

Quanto ao diálogo com órgãos de controles vale destacar as diferentes formas de

accountability democrática e a diferença de papeis entre os controles internos e externos. De acordo com Arantes, Loureiro, Couto e Teixeira (2010), o controle deve ser entendido como uma das exigências normativas associadas ao funcionamento da democracia representativa e de sua burocracia pública. Destacam as diferentes formas de accountability democrática, isto é, a existência de um aparato institucional que garanta a responsabilização política do poder público diante da sociedade. A primeira forma de accountability diz respeito ao processo eleitoral, de tal maneira que os eleitores possam punir ou reconhecer seus representantes. A segunda forma refere-se ao conjunto de instituições de controle intraestatal (checks and balances ou pesos e contrapesos) que utilizam os instrumentos de fiscalização permanente dos representantes eleitos e da alta burocracia com responsabilidade decisória. E a terceira forma trata de regras estatais intertemporais, que limita o escopo de atuação do poder governamental, de maneira a garantir os direitos individuais e coletivos que poderiam ser suprimidos ou alterados pelo governo de ocasião.

Olivieri (2010) acrescenta que o controle interno governamental é não apenas um conjunto de atividades de auditoria e fiscalização da gestão pública, mas também um dos instrumentos de prestação de contas dos governantes e burocratas perante os governados, ao lado do controle externo realizado pelo Congresso, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo sistema de Justiça. O controle interno é um controle exercido “internamente”, isto é, cada poder monitora sua própria gestão, a exemplo da Controladoria Geral da União (CGU) vinculada ao poder executivo. Ao contrário do controle externo, que é aquele realizado entre os poderes, dentro da sistemática de pesos e contrapesos, pela qual o Judiciário (Tribunais e Ministério Público da União - MPU) controla a legalidade dos atos do Executivo e do Legislativo, e o Congresso controla o Executivo através das comissões parlamentares e de instituições de auditoria como o TCU, a serviço do poder legislativo (OLIVIERI, 2010; ARANTES; LOUREIRO; COUTO; TEIXEIRA, 2010; LOUREIRO et al, 2010).

A capacidade de articulação interfederativa apresenta variações conforme o desenho institucional de cada política setorial tenha construído canais institucionalizados de diálogo federativo, seja por meio de sistemas ou não (LICIO et al., 2011; JACCOUD, 2019). O modelo de federalismo cooperativo se aproxima do proposto para a gestão das políticas sociais no texto constitucional, que define em seu art. 23 competências comuns para União, estados e municípios em importantes áreas como da saúde, assistência social, educação e combate à pobreza, entre outras (FRANZECE; ABRUCIO, 2009). Para atender aos pressupostos constitucionais cada área de política pública precisou desenvolver mecanismos e arranjos

institucionais que possibilitem a coordenação e cooperação intergovernamental. Todavia, observou-se um processo heterogêneo de gestão compartilhada, influenciado pela importância da temática na agenda governamental, pelo desenho de cada política específica e pela distribuição prévia de competências e do controle sobre os recursos entre as esferas de governo (CAVALCANTE, 2011; ARRETCHE, 2004, 2012).

A abordagem relacional surge como uma crítica e um complemento à perspectiva interna, que, segundo Weiss (1998), é pautada por uma visão de soma zero das relações de poder, negligenciando os efeitos dos conflitos e das negociações assim como as possibilidades de construção de capacidades estatais a partir da colaboração com atores de fora do Estado. Essa perspectiva se alinha com a dimensão de capacidade “externa” elaborada por Gestel, Voets e Verhoest (2012), que enfatiza o apoio social, a qualidade dos relacionamentos e os processos de articulação. Conforme Evans (2011), o Estado deve buscar sinergias com a sociedade civil para produzir políticas públicas de forma mais efetiva. O relacionamento com a sociedade civil seria fundamental não só para obter informações acuradas acerca dos problemas a serem enfrentados, aumentando a inteligência do Estado e o aprendizado social, mas também para conquistar o engajamento da população beneficiária na implementação dos programas (EVANS, 2011; GOMIDE; PEREIRA, 2018).

O significado de capacidade política e institucional, conforme Grin et al. (2018) ou capacidade político-relacional, de acordo com Pires e Gomide (2016), assim como capacidade relacional, conforme Gomide e Pereira (2018), coloca ênfase sobre a abordagem relacional visando compreender as conexões dentro do Estado Federativo e entre Estado e atores sociais, e, por essa razão, são chamadas de “capacidades geradoras de arranjos societais” (KJAER et al., 2002, P.21). O caráter relacional transcende as capacidades administrativas e burocráticas (WEISS, 1998; EVANS, 1995, 2011; GESTEL ET AL, 2012; CINGOLANI, 2013). No quadro 2 apresenta-se um resumo da capacidade relacional e suas categorias de análise.

Quadro 2 - Capacidade Relacional: Categorias de Análise Dimensão Critérios Categorias Resultados

intermediários

Resultados finais

Relacional Legitimidade

Transparência

Relação com grupos sociais

Articulação com entes subnacionais

Diálogo com órgãos de controle Apoio político Aprendizado social Serviços públicos de qualidade e com os benefícios esperados

Fonte: Elaborado a partir de Gomide e Pereira (2018).

De acordo com Evans (2011), na literatura que aborda capacidades estatais, o aspecto político que envolve processos de negociações e de diálogo entre burocracias e grupos sociais, só começou a ser elaborado na literatura da década de 1990. O trabalho de Evans (1993) sobre