• Nenhum resultado encontrado

O objetivo desta tese foi analisar os arranjos institucionais de coordenação existentes na execução do Programa Água para Todos (APT), e sua relação na construção de capacidades relacionais na produção desta política pública intersetorial em ambiente institucional complexo. Este capítulo procura resgatar as questões e as proposições deste trabalho colocadas no início da investigação, conservando como referência as abordagens teóricas que orientaram a realização dos levantamentos documentais e do trabalho de campo: governança do setor público, arranjos institucionais, capacidades estatais, neoinstitucionalismo e teoria de stakeholders. As evidências encontradas no decorrer da investigação, obtidas com base no referencial teórico e nos dados coletados, foram detalhadas no Capítulo 4.

Em 2011, dentro de uma estratégia de enfrentamento de uma situação de extrema pobreza, por meio do Plano Brasil Sem Miséria (BSM), o governo federal elaborou uma proposta de ação conjunta que viabilizasse a universalização do acesso à água no meio rural do semiárido. Dessa articulação nasceu o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água – Água para Todos (APT), reunindo diferentes arranjos e tecnologias com o objetivo comum de levar água para as famílias nas áreas rurais difusas do semiárido brasileiro.

Este esforço de articulação teve a contribuição da sociedade organizada. Ainda no final da década de 1990, organizações da sociedade civil (OSC) elaboraram propostas de atuação no semiárido brasileiro, cujo foco era garantir o acesso à água para consumo humano das famílias rurais do semiárido por meio do armazenamento da água de chuva, de forma a permitir sua utilização mesmo durante períodos de estiagem ou seca. A experiência resultou na criação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e na concepção do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido - Um Milhão de Cisternas (P1MC).

O desafio de coordenação na execução das políticas públicas, buscando tornar o Estado mais flexível às demandas, mobilizações e participações dos diversos atores não estatais já vinha sendo indicado pela literatura internacional a respeito de mudanças no contexto de produção de políticas públicas que geraram processos mais complexos e variados de tomada de decisão com construção de arranjos institucionais complexos, e diferentes mecanismos de coordenação e estruturação de governança por meio de hierarquia, mercado e redes.

No entanto, a literatura nacional sobre o tema da coordenação aponta que a análise da experiência nacional dos últimos vinte anos ainda apresenta lacunas. Os avanços se deram de forma determinante, porém segmentada, ao olhar de maneira isolada dimensões analíticas como

intersetorialidade, relações federativas, participação social, aspectos territoriais e relação com órgãos de controle.

Além disso, pouco se tem discutido a respeito do próprio Estado e dos fatores que contribuam para a construção de capacidades de executar essas políticas, sobretudo em um contexto de vigência de instituições democráticas. Isto requer das burocracias governamentais, além de capacidade técnica-administrativa, altas capacidades político-relacionais para a articulação, coordenação e execução a fim de alcançar os objetivos pretendidos.

De forma a suprir estas lacunas, nesta pesquisa considerou-se que a análise dessas dimensões de forma integrada confere maior clareza no entendimento do funcionamento do arranjo institucional e da construção de capacidades relacionais na produção da política pública, tendo como estudo de caso o Programa Água para Todos (APT).

A escolha do Água para Todos se justificou por ter sido um dos programas prioritários de enfrentamento da situação de miséria no Brasil, recentemente, e requerer a articulação de diversas ações intersetoriais com o envolvimento de várias organizações e diferentes políticas. Assim como exigiu a articulação federativa e o envolvimento de atores da sociedade civil no Semiárido brasileiro.

A pesquisa é de natureza qualitativa e se inseriu numa proposta de analisar o cenário no qual foi desenhado e implementado o Programa Água para Todos (APT), procurando extrair os elementos de análise para explicar as relações que podem se estabelecer entre os arranjos institucionais de coordenação existentes na execução do Programa Água para Todos e a construção de capacidades relacionais. Os dados utilizados foram obtidos em fontes documentais, entrevistas semiestruturadas e notas taquigráficas, analisadas mediante a técnica da análise de conteúdo.

A presente pesquisa utilizou um conjunto de três grupos de fontes de dados: 1) Levantamento bibliográfico e documental, que consistiu na análise de documentos oficiais (dados secundários), artigos científicos, livros, teses, dissertações e documentos jornalísticos (dados secundários); 2) Notas Taquigráficas (dados secundários) e 3) Documentos derivados das transcrições das Entrevistas (dados primários).

Os critérios utilizados para assegurar a validade e confiabilidade desta pesquisa encontram-se inscritos numa metodologia denominada de triangulação. A triangulação é um modo de institucionalização de perspectivas e métodos teóricos, buscando reduzir as inconsistências e contradições de uma pesquisa. A técnica contribui tanto por meio de validade quanto de confiabilidade, compondo um quadro mais evidente do fenômeno por meio da convergência. Os dados obtidos após o levantamento bibliográfico e documental foram objeto

de triangulação com as informações obtidas mediante análise das notas taquigráficas e com as entrevistas semiestruturadas realizando-se a confrontação e triangulação dos resultados obtidos das diferentes fontes. Os conteúdos foram novamente confrontados às questões da pesquisa, permitindo que fossem elaborados as conclusões e o desfecho da investigação, buscando evidências causais consistentes e congruentes relacionadas com o objeto de pesquisa. Ressalta- se a preocupação com a validação dos dados das entrevistas pelos próprios entrevistados e com a confiabilidade desses dados por meio de sua categorização e associação com referenciais bibliográficos e documentais.

Na análise em questão foram considerados também os eventos que antecederam o Programa Água para Todos (APT). Inicialmente, na seção 4.1 do capítulo 4, foram abordados os aspectos das políticas de oferta de água no semiárido, seja pelo paradigma do combate à seca, seja pela ótica da convivência com o semiárido. Sob a perspectiva do neoinstitucionalismo histórico verificou-se que o momento de inflexão para transição, incompleta porém, entre os dois paradigmas, ocorreu com a reação do governo federal face a crise da seca de 1958, no governo de Juscelino Kubitschek e a criação da SUDENE, sob a inspiração de Celso Furtado. Todavia os dois paradigmas ainda coexistiram, na medida em que a SUDENE se enfraquecia e a outra organização que representava as práticas “de combate à seca”, o DNOCS, resistia ainda dentro do antigo paradigma, agravado pela captura de práticas clientelistas que não tardaram por se infiltrarem também na SUDENE posteriormente.

Esta perspectiva de análise do neoinstitucionalismo histórico neste período, traz subsídios para compreender a retomada da emergência do paradigma da convivência com o semiárido de forma mais incisiva, somente após a redemocratização, nos anos 1990 com as Organizações da Sociedade Civil, por meio da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e a concepção do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido - Um Milhão de Cisternas (P1MC). Este programa foi conquistando parcerias com o governo federal ainda de forma fragmentada com cada órgão do governo (MDS, MI, MMA, Funasa) de forma isolada. Somente em 2011, com a priorização política do enfrentamento da pobreza, surge a perspectiva da coordenação de um programa integrado de oferta de água por meio da implementação de cisternas.

Desta forma, na seção 4.2, sob a perspectiva teórica da governança pública, foram analisados os mecanismos de coordenação utilizados na formação e implementação do arranjo institucional do Programa Água para Todos. Verificou-se que foram utilizados os três mecanismos de coordenação considerados para a promoção da governança: hierarquia, mercado e redes.

Estes processos de coordenação ocorreram não apenas de formas diferentes, mas também em graus distintos em função justamente das capacidades de estabelecer articulações entre diferentes atores. No Programa Água para Todos (APT) o mecanismo de coordenação hierárquico se instituiu por meio do Decreto nº 7.535 de julho de 2011, de criação do programa, que estabeleceu formalmente mecanismos de coordenação e articulação por meio de um Comitê Gestor e de um Comitê Operacional. Apesar da coordenação formal ter ficado a cargo do Ministério da Integração Nacional, verificou-se, por meio das entrevistas e documentos que a coordenação de fato, ao longo do processo, passou a ser comandada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sobretudo exercida na fase de monitoramento, por intermédio das salas de situação, criadas no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria (BSM). Mesmo não sendo um órgão de nível de coordenação hierárquica superior aos demais Ministérios, como seriam os órgãos do Núcleo Central do Governo (Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento), no caso do Plano Brasil Sem Miséria, assim como no APT, o MDS exerceu autoridade. Autoridade hierárquica no Plano Brasil Sem Miséria, conferida pelo Decreto de sua criação, e “Autoridade Prática” no Programa Água para Todos.

Os mecanismos de mercado são baseados em coordenação pelas trocas entre atores com interesses específicos, em trocas auto interessadas que se organizam em relações contratuais, as quais poderiam ser aplicadas às atividades de governo (licitação para aquisição de materiais, fornecimento de serviços, compras governamentais). No Programa Água para Todos este mecanismo de coordenação se configurou por meio de licitação para contratação de empresas fornecedoras de cisternas de polietileno. De acordo com as entrevistas e documentos técnicos, a decisão de incluir as cisternas fabricadas com polietileno, teve como fundamento a necessidade de garantir maior agilidade na implementação e possibilitar, assim, o atendimento imediato das famílias e, portanto, o cumprimento da meta de 750 mil cisternas de água para consumo até 2014.

Todavia, as Organizações da Sociedade Civil (OSC) criticaram a medida por entenderem que a instalação de cisternas de polietileno não trazia o benefício do processo social de aprendizado, gerado pela construção de cisternas de placa, com aplicação e apropriação pela comunidade. De acordo com o argumento das OSC, no processo de construção de cisternas de placa a mão de obra geralmente é local, sendo que os próprios beneficiários são treinados para a construção da estrutura, ao contrário da sistemática de instalação das cisternas de polietileno, no qual se contratavam empresas, em um processo de pouca participação social. Aqui percebe- se a relação conflituosa dos dois paradigmas, em nova forma de representação, o paradigma do