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CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA E MULTINACIONAIS NO BRASIL

Esta terceira e última parte, composta pelo Capítulo 5, desenvolve a análise proposta nesta tese acerca da contribuição das subsidiárias de multinacionais estrangeiras para o aprendizado tecnológico da indústria brasileira, particularmente em termos das possibilidades de aprofundamento deste processo. Esta análise é conduzida com base nos indicadores de capacidades tecnológicas acumuladas por empresas estrangeiras e domésticas no plano setorial, agregados a dois dígitos da CNAE. É importante ressaltar que o fato dos indicadores apresentarem um “retrato” das capacidades tecnológicas acumuladas para o período 1994-96, não implica ignorar a importância da dimensão temporal do processo de aprendizado. Neste sentido, é importante que a análise da contribuição das multinacionais estrangeiras para este processo, a partir dos indicadores de capacidade tecnológica, tenha como pano de fundo aspectos históricos da participação destas empresas na indústria brasileira.

As multinacionais estrangeiras passam a desempenhar papel de destaque na indústria brasileira a partir de meados da década de cinqüenta. Vale ressaltar que é justamente esta década que marca o grande avanço da multinacionalização das atividades produtivas, no âmbito da economia mundial. O momento em que as corporações multinacionais dos países mais desenvolvidos entram em cena coincidiu com a aceleração do processo de industrialização de muitos países periféricos, particularmente os latino-americanos. No caso brasileiro, é no âmbito do avanço da industrialização por substituição de importações a partir da década de cinqüenta, que são lançados os elementos que caracterizam os aspectos estruturais da participação das multinacionais estrangeiras na economia do país, e, particularmente no sistema de aprendizado tecnológico local.

Os projetos desenvolvimentistas seguidos pelo país a partir da segunda metade da década de cinqüenta, particularmente o Plano de Metas (1956-62), tinham como objetivo

promover a industrialização e alcançar crescimento rápido90 (FURTADO, 1994). O acesso à

tecnologia estrangeira, assim como ao capital, era necessário para viabilizar os objetivos

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desenvolvimentistas91. As empresas multinacionais estrangeiras foram centrais nas estratégias de avanço da industrialização brasileira, pois representavam a principal forma de acesso à tecnologia e ao capital industrial internacional (VIOTTI, 1997; CASSIOLATO et al., 2001). Deste modo, o Brasil

adotou uma postura liberal em termos da regulação dos fluxos de investimento direto estrangeiro92, caracterizando o que muitos autores denominam de políticas de “portas abertas”

(ROBINSON, 1976;FURTADO, 1994; CASSIOLATO et al., 2001).

O papel central das multinacionais é refletido pela forte aliança formada pelo Estado, pelo capital privado nacional e pelo capital estrangeiro – definida por EVANS (1979) como a “tríplice aliança”. Esta aliança implicava uma divisão de tarefas, cabendo às multinacionais estrangeiras, principalmente, a função de trazer tecnologia industrial para o país (EVANS, 1979, CASSIOLATO et al., 2001, MORTIMORE, et al., 2001). A divisão de tarefas reflete o caráter complementar entre empresas domésticas e estrangeiras que se configura ao longo do processo de industrialização brasileira (FURTADO, 1994; SERRA, 1998; POSSAS, 1998).

O Brasil não foi o único a seguir esta postura “integracionista” em relação ao capital industrial estrangeiro. Conforme discutido no primeiro capítulo, as empresas multinacionais estrangeiras foram centrais nos países que adotaram estratégias de industrialização por

substituição de importação, caracterizando o que AMSDEM (2001) definiu como um modelo de

“integração” com multinacionais estrangeiras.

No Brasil, uma das razões para esta associação é relacionada a limitações e interesses do capital privado doméstico. Isto é, a debilidade da burguesia industrial local, somada aos seus interesses de rentabilidade no curto prazo, implicava assumir, no âmbito da “tríplice aliança”,

papel complementar às multinacionais estrangeiras (EVANS, 1979; FAJNZYLBER, 1980b;

FAJNZYLBER, 1983; FURTADO, 1994; CHAN e CLARK, 1995). A este respeito, FURTADO (1994: 2)

observa que a associação entre as multinacionais estrangeiras e as empresas domésticas foi o caso mais freqüente ao longo do processo de industrialização brasileira, uma vez que as “empresas nacionais substituíram a disputa das posições mais dinâmicas e nobres pela disputa das

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Da perspectiva dependentista, este é um traço central da industrialização periférica, conforme discutido no Capítulo 1 (EVANS, 1979, SAGASTI, 1986).

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A este respeito é importante observar as considerações feitas por ROBINSON (1976), com base em um estudo comparativo das políticas de investimento direto estrangeiro de treze países em processo de industrialização. Segundo este autor, o Brasil era o que apresentava as menores restrições ao capital estrangeiro, à medida que não definia um sistema de controle de entrada, mas apenas as condições sob as quais lucros e capitais poderiam ser remetidos ao exterior, conforme a Lei 4131/62 e a emenda 4930/64.

associações mais sólidas, com atores mais fortes”. Deste modo, no caso da indústria brasileira, coube às multinacionais ocupar papel de destaque e liderança nos setores em que as barreiras tecnológicas dificultavam a entrada, ou não permitiam taxas de retorno razoáveis ao capital doméstico. As subsidiárias estrangeiras ocuparam assim a liderança dos setores tecnologicamente mais dinâmicos (WILLMORE, 1987; MOREIRA, 1998; AMANN, 2002).

Em termos do aprendizado tecnológico da indústria brasileira, a adoção deste modelo - caracterizado pela opção de “importar” tecnologia estrangeira (via IDE), ao invés de desenvolver capacidade de geração local de conhecimento tecnológico - foi também sujeita às limitações discutidas no Capítulo 1, implicando a construção de um sistema de aprendizado tecnológico não articulado e pouco profundo.

A década de noventa representa um segundo marco da participação das multinacionais na indústria brasileira. Uma forte intensificação da entrada de IDE no país, depois de uma década com fluxos modestos, reforça a liderança destas empresas na indústria local, particularmente nos setores tecnologicamente mais dinâmicos93 (AMANN, 2002). As multinacionais vêm definindo o ritmo do amplo e profundo processo de modernização da estrutura industrial do país, trazendo novas tecnologias e competência gerencial, injetando capital e ampliando a integração da indústria brasileira à economia mundial. Novamente, assim como na década de cinqüenta, este movimento acompanha o contexto internacional de mudanças, no âmbito do qual as multinacionais estão redefinindo suas estratégias globais. Em linha com este contexto, o Brasil remove as barreiras restantes à livre movimentação dos fluxos de IDE, dentre outros, reduzindo os impostos para remessa de lucros e dividendos, e eliminando as restrições à participação estrangeira em alguns setores, como serviços e bancos, a partir de controversa emenda constitucional de 1995 (MATESCO e TAFNER, 1996; SUZIGAN e VILLELA, 1997; AMANN e BAER, 1998; CBS, 1999). Intensifica-se, deste modo, a política de “portas abertas” iniciada nos cinqüenta, com

ângulos de abertura ainda mais acentuados.

Este contexto de intensificação da participação da multinacionais estrangeiras na indústria brasileira reforça a importância de melhor entender a contribuição das multinacionais estrangeiras para o aprofundamento tecnológico da indústria brasileira. O Capítulo 5 traz alguns

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Segundo dados apresentados por GOLDSTEIN e SCHNEIDER (2000: 19), em 1998 as firmas estrangeiras respondiam por 40% do faturamento das 100 maiores empresas não financeiras operando no Brasil, o que representa um aumento de participação de 14% em relação ao observado em 1990.

aportes para esta questão, ao apresentar os indicadores de capacidade tecnológica segundo origem do capital, os quais refletem um “retrato” do processo de aprendizado para o período 1994-96.

CAPÍTULO 5