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A primeira parte desta tese apresentou os principais conceitos e debates associados ao objetivo de avaliar a contribuição das empresas multinacionais para o aprofundamento do aprendizado tecnológico da indústria brasileira. Esta segunda parte se volta para os aspectos metodológicos para viabilizar esta análise.

Os desenvolvimentos conceituais e teóricos sobre os processos de mudança e aprendizado tecnológico apresentados na Parte I vêm sendo acompanhados nos últimos quarenta anos por esforços para construção de indicadores de ciência e tecnologia, principalmente nos países desenvolvidos. A mensuração tanto do processo de mudança quanto da capacitação tecnológica não é assunto trivial. A complexidade crescente destes processos tem colocado desafios significativos àqueles voltados para a construção de indicadores para avaliar as diferentes dimensões das questões associadas ao conhecimento tecnológico.

Estes desafios são proporcionais ao papel crescentemente central do conhecimento como base do desenvolvimento capitalista, o qual requer parâmetros para orientar a tomada de decisão de agentes públicos e privados. Na era da economia do conhecimento, medir suas diferentes dimensões é tarefa crucial, particularmente para os países em desenvolvimento

(SIRILLI, 1998).

A dificuldade de mensuração das dimensões dos processos associados ao conhecimento, particularmente no plano nacional, é diretamente proporcional à complexidade destes processos. Em particular, as dificuldades estão associadas a três aspectos. O primeiro é o fato da mudança e do aprendizado tecnológico serem “alvos” móveis ao longo do tempo (INZELT, 1996). Como observado no primeiro capítulo desta tese, tanto a acumulação de conhecimento tecnológico quanto o processo de mudança técnica ocorrem ao longo de trajetórias temporais, nas quais há um hiato implícito entre os esforços e os resultados alcançados nestes processos, o que dificulta relações lineares e diretas. O segundo aspecto está associado à natureza intangível destes processos, principalmente em relação ao aprendizado tecnológico (ARCHIBUGI, 1988).

De particular interesse para esta tese, o terceiro aspecto que dificulta a construção de indicadores para avaliar as diferentes dimensões dos sistemas de aprendizado no âmbito nacional está associado aos novos arranjos interativos que se consolidam na economia do conhecimento,

nos quais os agentes multinacionais jogam um papel de destaque. A carência de indicadores para avaliar estes aspectos é provavelmente uma das razões para o fato dos economistas ainda não terem consolidado um corpo teórico que associe sistematicamente as atividades tecnológicas das multinacionais ao processo de desenvolvimento econômico (VERNON, 1994; NARULA, 1996). Isto implica uma dificuldade considerável para avaliar os impactos das multinacionais para o aprendizado nos sistemas locais dos países em que se instalam. ARCHIBUGI e IAMMARINO (1999: 324)deixam esta dificuldade bastante evidente ao sugerirem que uma forma “ideal” para calcular os efeitos líquidos das atividades tecnológicas globais das multinacionais sobre o aprendizado dos países receptores dos seus investimentos seria definida pela equação: “inovações geradas localmente pelas multinacionais” mais seus “impactos locais” menos o que “teria sido gerado na sua ausência”. Apesar de óbvia, a carência de informações torna este tipo de equação apenas uma especulação teórica, impossível de ser calculada. Em particular, conforme visto no Capítulo 1, a ênfase que o debate vem dando à atuação dos governos dos países em desenvolvimento em termos de conciliar de forma ativa políticas de investimento direto estrangeiro às suas políticas tecnológica e industrial reforça a necessidade de informações sobre atividades e aprendizado tecnológico nestes países.

Todas as dificuldades apontadas acima não têm sido impeditivas à condução de exercícios conceituais e analíticos, especialmente nos países desenvolvidos, para construir indicadores de mudança e, em menor medida, de aprendizado tecnológico. Mensurar o intangível e o móvel parece algo bastante paradoxal. Por esta razão, no caso do aprendizado tecnológico, são desenvolvidos indicadores indiretos, ou proxies deste processo. Na prática, os esforços de mensuração estão voltados, basicamente, para o processo de mudança tecnológica, e os resultados deste processo são utilizados como proxies para o aprendizado.

Desde a década de cinqüenta, a partir da identificação da tecnologia como um fator “residual” importante na determinação do crescimento econômico, o interesse por quantificar a mudança técnica ganha fôlego nos países desenvolvidos (ACS e AUDRETSCH, 1993;HANSEN, 2001; SIRILLI, 1998). Em princípio, este interesse era orientado pela noção linear do processo de “inovação”, entendido como uma seqüência invenção-inovação-difusão. Na década de cinqüenta aparecem os primeiros esforços para medir os inputs deste processo, entendidos como atividades de P&D. Em 1963, a OECD lança o Manual Frascati, justamente para orientar a coleta e análise

HAGEDOORN, 1995). Os esforços para medir os inputs são complementados, ainda segundo uma

visão linear, por exercícios para medir os outputs do processo de mudança técnica, consolidados pelos dados de patentes e pelos indicadores bibliométricos.

A partir da década de oitenta, o reconhecimento crescente da mudança tecnológica como resultado de um processo de aprendizado interativo e não-linear trouxe uma complexidade maior aos esforços para medir as diferentes dimensões deste processo (ARCHIBUGI e PIANTA, 1996; DAHL, 2001). O principal desenvolvimento teórico neste sentido vem da literatura evolucionista, seguida pela discussão sistêmica do processo de inovação consolidado pela abordagem dos sistemas nacionais de inovação. Captar as interações e sinergias que caracterizam o processo de mudança tecnológica como sistêmico implicou uma análise crítica dos indicadores desenvolvidos até então, aliada à busca de novas formas para medir aspectos ligados ao conhecimento tecnológico.

É neste contexto que foi desenvolvido pela OECD, em conjunto com a Eurostat (Comunidade Européia) e DG-XIII do European Innovations Monitoring System, o Manual de Oslo em 1992 (revisado posteriormente em 1996), com o objetivo de harmonizar a coleta e análises de surveys de inovação na Europa baseado no principal sujeito do processo inovativo: a firma (UIS, 2002). O desenvolvimento deste manual (e seu aperfeiçoamento) leva em consideração questões levantadas pela teoria acerca da natureza de direções da mudança tecnológica nos países europeus58(ARUNDEL et al., 1998).

A consideração de questões de políticas econômicas nacionais é o que orienta o desenvolvimento de metodologias de coleta e análise de dados de maneira geral, não apenas o Manual de Oslo. A evolução simultânea do corpo teórico sobre mudança e aprendizado tecnológico e os indicadores para medir as diferentes dimensões deste processo acompanham, portanto, questões de política econômica relevantes ao contexto tomado como referência

(ARUNDEL et al., 1998). As hipóteses e argumentos teóricos orientam a preocupação em termos de políticas públicas, e o desenvolvimento efetivo destas políticas requer indicadores. O círculo teoria-políticas-indicadores se fecha à medida que os desenvolvimentos teóricos sugerem novos indicadores e formas de interpretá-los (ARUNDEL et al., 1998).

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Dentre estas questões, ARUNDEL et al. (1998) destacam: 1) em termos de criação de tecnologia: qual o papel dos institutos de pesquisa pública? qual o papel da colaboração? qual o papel das barreiras financeiras, particularmente para as pequenas e médias empresas? qual o

O desenvolvimento de indicadores de mudança tecnológica nos últimos quarenta anos tem sido parte deste círculo, uma vez que a preocupação dos governos orienta e destina fundos para o desenvolvimento de indicadores segundo as hipóteses teóricas. Os esforços para construir estes indicadores acompanham os desenvolvimentos teóricos concentrados nos e sobre os países desenvolvidos (UIS, 2002). As preocupações em termos de política econômica são definidas a partir da estrutura produtiva e da natureza da mudança e do aprendizado tecnológico nestes países. Aqui uma questão importante se coloca para os países em desenvolvimento: os indicadores construídos para os países desenvolvidos dão conta de captar as especificidades da mudança tecnológica naqueles em desenvolvimento?

Esta questão surge no âmbito desta tese de forma bastante natural. Na busca por analisar como as empresas multinacionais estrangeiras podem contribuir para o aprofundamento do aprendizado tecnológico na indústria brasileira, optou-se por construir indicadores de capacidades tecnológicas, conforme classificação proposta no Capítulo 2, a partir da pesquisa de inovação da PAEP, conduzida para o Estado de São Paulo, cobrindo o período de 1994-96. Esta pesquisa acompanha os esforços internacionais para construir novos indicadores sobre o processo de inovação das firmas, orientando-se pelo Manual de Oslo. Dado o fato deste manual ter sido desenvolvido segundo questões de política econômica pertinentes ao contexto de países desenvolvidos, países em desenvolvimento, como o Brasil, que se orientam por este manual, correm o risco de não considerar questões importantes para a tomada de decisão em termos de política econômica.

Estes riscos são explicitamente apontados em documento elaborado a partir de um encontro internacional sobre indicadores de ciência e tecnologia promovido pelo instituto de estatística da Unesco em abril de 2002 (UIS, 2002). O documento ressalta que as metodologias de

mensuração de C&T vêm sendo desenvolvidas a partir de uma perspectiva internacional, porém fortemente baseadas em questões pertinentes para os países desenvolvidos, uma vez que estes concentram os principais esforços para desenvolvimento de indicadores. Deste modo, a adoção destas metodologias pelos países em desenvolvimento representa um risco de adotar modelos apropriados somente a realidades particulares do “Primeiro Mundo” (UIS, 2002: 9). O documento reforça que atualmente “(...) muitas destas metodologias são desenvolvidas de acordo com os

papel das condições de apropriabilidade?; 2) em relação à difusão, são destacadas questões associadas ao uso da pesquisa pública pelas firmas, canais de obtenção de novos conhecimentos, veículos de transmissão de novos conhecimentos e as condições de apropriabilidade.

problemas científicos e tecnológicos dos países industrializados, e algumas vezes não respondem às preocupações em termos de políticas econômicas dos países em desenvolvimento” (UIS, 2002: 9).

De particular interesse para esta tese está a questão associada à participação das empresas multinacionais nas estruturas industriais dos países em desenvolvimento. Como visto na Parte I, estes agentes são criaturas que surgem principalmente nos países desenvolvidos. É nestes países, onde estão seus sistemas de aprendizado de origem, que as multinacionais concentram suas atividades tecnológicas mais complexas e sofisticadas, onde ocorrem, portanto, avanços mais significativos em termos de seu aprendizado tecnológico corporativo. A participação destas empresas nos sistemas de aprendizado dos países em desenvolvimento traz implícita, portanto, certa limitação. Uma questão importante para a política econômica nestes países é identificar como e até que ponto estes agentes contribuem para o aprendizado local, e como induzi-los a contribuir mais. O entendimento desta questão requer indicadores específicos, para os quais o Manual de Oslo não traz muita contribuição. Esta foi a dificuldade central identificada nesta tese para utilizar os dados da pesquisa de inovação da PAEP, uma vez que esta se orienta pelo Manual de Oslo. Relatar esta dificuldade emergiu como um segundo objetivo, mas também importante, neste estudo. Esta segunda parte da tese caminha no sentido de desenvolver este objetivo, à medida que realiza uma análise crítica ao survey de inovação da PAEP.

É importante enfatizar que esta análise crítica não resulta na negação da importância deste tipo de esforço. Ao contrário, o objetivo é justamente contribuir para a construção de indicadores de atividade tecnológica que dêem conta de captar as especificidades dos processos de mudança e aprendizado tecnológico na indústria brasileira, de forma mais ambiciosa, dos países em desenvolvimento. Neste ponto a experiência dos países desenvolvidos é bastante rica. É justamente a partir da utilização crítica dos dados dos surveys de inovação na Europa, e em outros países desenvolvidos como o Canadá e a Austrália, que a metodologia de coleta e análise de indicadores tecnológicos vem sendo aperfeiçoada, como refletem as revisões que o Manual de Oslo vêm passando nos últimos anos, acompanhando os Community Innovation Surveys (CIS) conduzidos na Europa, atualmente em sua terceira versão.

O próximo capítulo relata este exercício de discussão das metodologias de mensuração da dimensão tecnológica da atividade econômica, particularmente a partir do Manual de Oslo e dos CIS. Discussão é guiada pelo debate teórico sobre os processos de mudança e aprendizado

tecnológico e pela importância de desenvolver indicadores para orientar os governos quanto ao desenvolvimento de políticas tecnológicas e industriais. Ainda no Capítulo 3 é realizada a análise crítica da adoção do Manual de Oslo como orientação conceitual para a pesquisa de inovação da PAEP, uma vez que esta é a principal fonte de informação adotada nesta tese para construção de indicadores de capacidades tecnológicas. A seguir, o Capítulo 4 apresenta a metodologia adotada para construção destes indicadores, relatando como foram contornadas as dificuldades encontradas para o desenvolvimento de medidas de capacidade tecnológica, principalmente segundo o critério “origem do capital”.

CAPÍTULO 3