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METODOLOGIA PARA CONSTRUÇÃO DOS INDICADORES DE CAPACIDADE TECNOLÓGICA

“Algumas capacidades são mais difíceis de serem medidas que outras, e tentativas de colocá-las em uma “escala métrica” podem às vezes mais escondê-las que revelá-las”. Esta observação de SEN (1999), referindo-se a capacidades das pessoas e sociedades de uma maneira

ampla, em termos das possibilidades de desenvolvimento, dá conta da dificuldade para construir indicadores de aprendizado tecnológico. Como visto no capítulo anterior, os esforços de construção de indicadores tecnológicos estão concentrados na busca por medidas de mudança técnica, mais especificamente “inovação”, e não do processo de aprendizado propriamente dito. A carência de indicadores de capacitação tecnológica é contornada em muitos estudos empíricos pela utilização das medidas de mudança técnica, seus inputs e outputs, como medidas indiretas do nível de aprendizado atingido (ALBALADEJO e ROMIJN, 2000; ROMIJN, 2001). Isto é, normalmente são medidos a mudança tecnológica e os mecanismos de acumular capacidades tecnológicas, não as capacidades propriamente ditas. Esta é a alternativa viável para medir o intangível, e não representa um problema propriamente dito.

Diante desta limitação, LEE e LIM (2001) sugerem mensurar capacidade tecnológica segundo os estágios de mudança tecnológica atingidos: imitação duplicativa, imitação criativa e inovação (stricto sensu). Opção esta também adotada nesta tese, conforme descrito neste quarto capítulo. Este capítulo apresenta a metodologia seguida para o desenvolvimento dos indicadores de capacidade tecnológica, com o objetivo de operacionalizar a classificação proposta no Capítulo 2, de modo que os indicadores reflitam diferentes níveis de complexidade e profundidade dos conhecimentos acumulados, permitindo assim analisar a contribuição das subsidiárias estrangeiras para o aprendizado tecnológico da indústria brasileira, especialmente em termos de geração local de tecnologia78.

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A metodologia apresentada neste capítulo é resultado de intenso trabalho de tratamento das informações e discussão conceitual, conduzido com base em publicações e artigos em conferências internacionais. Esta é a quinta e última versão dos índices, a qual também consta em COSTA e QUEIROZ (2002). As demais versões estão em: COSTA e QUEIROZ (1999); COSTA e QUEIROZ (2000); COSTA (2001); COSTA e QUEIROZ (2001).

A construção de indicadores segundo níveis de complexidade e profundidade é possível uma vez que a classificação das capacidades, proposta no Capítulo 2 partiu de uma definição de inovação stricto sensu. Para refletir as capacidades mais associadas ao uso de tecnologias (i.e. imitação duplicativa), e portanto menos complexas e profundas, é composto um indicador de capacidade de operação. O desenvolvimento deste indicador é baseado em informações da PAEP sobre inovações incrementais e de processo, sob a hipótese de que se referem à mudança técnica do tipo imitação duplicativa. A consideração desta hipótese está associada à diferença em termos da definição de inovação adotada nesta tese e a seguida na formulação do questionário da pesquisa de inovação da PAEP, conforme discutido nos Capítulos 2 e 3. Em relação às capacidades mais complexas e profundas, isto é, às capacidades de geração e de melhoria, é construído um indicador a partir de informações sobre funcionários alocados em atividades de P&D, as quais representam esforços tecnológicos mais sistemáticos. Além destes indicadores das capacidades funcionais, associados portanto ao nível de complexidade e profundidade, são desenvolvidos dois indicadores de metacapacidades, mais especificamente, da capacidade de interação. Para compor estes indicadores foram utilizadas informações sobre a importância para a firma de diferentes fontes externas de conhecimento tecnológico.

O cálculo destes indicadores é realizado a partir de dados da pesquisa de inovação da PAEP, agregados por setor a dois dígitos da CNAE, e por duas categorias de firmas segundo origem do capital (doméstica e multinacional), com mais de 250 empregados. Isto significa que não foram acessados os microdados da base, dado o compromisso de sigilo estabelecido pelo Seade junto às empresas que responderam à pesquisa. Outro ponto a ser observado em relação à PAEP, é o fato da pesquisa de inovação cobrir apenas a indústria manufatureira paulista (Capítulo 3). No entanto, dada a importância de São Paulo na produção industrial do país, os índices podem ser tomados como indicadores das capacidades tecnológicas da indústria brasileira como um todo79. Além disto, parcela considerável do investimento direto estrangeiro no país é direcionado para São Paulo. Segundo o Censo de Capitais Estrangeiros realizado pelo Banco Central do Brasil, 65% do IDE no Brasil em 1995 foram direcionados para São Paulo. Isto ajuda a explicar por que este Estado concentra em torno de 69% do total do emprego e 70% das vendas operacionais líquidas das empresas estrangeiras instaladas no país. A composição dos índices

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Contribuição do Estado de São Paulo para o PIB total brasileiro: 35,5% (1995); 34,9% (1996); 35,5 % (1997); e 35,5% (1998). São Paulo responde por 55% do PIB industrial brasileiro e por 42% do total do emprego na indústria manufatureira no país.

com base na PAEP fornece, portanto, subsídios importantes para o estudo do papel destas empresas no aprendizado tecnológico da indústria brasileira.

Este capítulo metodológico está organizado em três seções. Na Seção 4.1 são detalhadas as categorias de análise segundo setor e origem do capital, apresentando os principais argumentos incorporados na sua definição. Na Seção 4.2 são apresentadas as variáveis da pesquisa de inovação da PAEP e o método adotado para a incorporação destas variáveis no desenvolvimento dos indicadores. Na Seção 4.3 são descritas as etapas e hipóteses para construção de cada um dos indicadores de capacidade tecnológica.

4.1 CATEGORIAS DE ANÁLISE: SETOR, PORTE E ORIGEM DO CAPITAL

Dada a preocupação central desta tese com a contribuição das subsidiárias estrangeiras para o aprofundamento do aprendizado tecnológico na indústria brasileira, a origem do capital é o principal critério para a definição das categorias de análise. Segundo este critério, os índices são construídos tanto para empresas domésticas, quanto para subsidiárias de multinacionais estrangeiras.

Empresas domésticas são as que informaram que, no final de 1996, seu capital era totalmente de controle local. Na categoria subsidiárias de multinacionais estrangeiras são consideradas tanto empresas com capital controlado totalmente por estrangeiros, quanto empresas com capital misto, isto é doméstico e estrangeiro80. A inclusão de firmas de capital misto na categoria estrangeira baseia-se no argumento de que nestes casos, independente da composição entre capital doméstico e estrangeiro, este último tende a determinar a dinâmica tecnológica da firma. Isto é, a trajetória de aprendizado tecnológico local é definida pelo parceiro estrangeiro.

A opção por duas categorias de origem do capital é útil para comparar a contribuição das subsidiárias estrangeiras em relação às firmas domésticas em termos do aprendizado tecnológico local. A opção pela análise comparativa entre subsidiárias estrangeiras e empresas

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Conforme o dicionário de variáveis da PAEP, a origem do capital controlador da empresas em 31/dez/1996 corresponde à origem (nacionalidade) do(s) sócio(s) controlador(es). A origem do capital é nacional, quando o controle efetivo está em caráter permanente sob titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país, ou por empresas brasileiras de capital nacional, inclusive entidades de direito público interno. A origem do capital é estrangeira, quando o controle efetivo está em caráter permanente sob titularidade direta ou indireta de pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas fora do país. É nacional e estrangeira, quando houver mais de um controlador por força de acordo de acionistas, sendo que pelo menos um deles é estrangeiro.

domésticas é motivada por três aspectos. O primeiro está associado aos dados utilizados para a construção dos indicadores, uma vez que a pesquisa de inovação da PAEP não incluiu questões específicas para empresas de capital de origem estrangeira, conforme discutido no capítulo anterior. O segundo aspecto também está associado aos dados da pesquisa de inovação da PAEP. O fato destes dados se referirem apenas ao período base de 1994-96 impossibilita a construção de uma série histórica, inviabilizando, portanto, uma perspectiva temporal na análise da trajetória de aprendizado das subsidiárias estrangeiras no país. Sem o parâmetro temporal para esta análise, a comparação estrangeiras-domésticas em um ponto específico do tempo, é a alternativa metodológica mais adequada para buscar elementos que ajudem a compreender a contribuição das subsidiárias estrangeiras para o aprendizado tecnológico local.

O terceiro aspecto que justificativa o estabelecimento da comparação doméstica- estrangeira é de origem teórica. O fato é que o estabelecimento desta comparação é freqüentemente realizado no âmbito do debate acerca do papel das subsidiárias estrangeiras no aprendizado tecnológico dos países receptores de seus investimentos, em particular daqueles em desenvolvimento. Sobre este aspecto, conforme discutido no Capítulo 1, há argumentos (e contra- argumentos) de que firmas domésticas tendem a realizar esforços tecnológicos mais significativos e em bases mais sistemáticas que as subsidiárias estrangeiras; e de que uma forte presença de multinacionais estrangeiras pode afetar negativamente o aprofundamento do processo de capacitação tecnológica das firmas domésticas. Além disto, no âmbito do debate sobre subsidiárias estrangeiras no Brasil, é argumentado que estas empresas tendem a operar plantas mais modernas que as firmas domésticas, dado que possuem melhor acesso aos mercados de capital e tecnologia. A comparação entre empresas estrangeiras e domésticas pode se orientar pela análise quantitativa destes argumentos apresentados pela literatura nacional e internacional.

Outros dois critérios são utilizados para definir as categorias de análise: o tamanho das empresas e o setor de atividade. Uma razão geral para introduzir estas duas dimensões está associada a dificuldades para se isolar os efeitos da propriedade do capital de outros aspectos associados às firmas (DUNNING, 1993). Isto é, no caso do aprendizado tecnológico, conforme discutido no Capítulo 2, a origem do capital é apenas um dos vários determinantes da acumulação tecnológica. Considerá-lo de forma totalmente agregada poderia, portanto, gerar uma distorção significativa na análise. Ele também se justifica pela abordagem genérica da pesquisa de inovação da PAEP.

Em particular, a consideração da dimensão tamanho na construção dos indicadores é importante para reduzir distorções associadas à agregação de firmas pequenas e grandes. Apesar dos debates teórico e empírico estarem longe de um consenso quanto as implicações do tamanho sobre o comportamento tecnológico, há um certo consenso de que firmas maiores apresentam uma maior propensão a realizar atividades tecnológicas em bases mais sistemáticas e formais. Este consenso encontra fundamentos nas hipóteses de Schumpeter quanto ao impacto positivo do poder de mercado e das grandes firmas sobre os níveis de “inovatividade”. Considerando que a maioria das subsidiárias estrangeiras no Brasil são em geral de grande porte, e que há um grande número de empresas domésticas de pequeno e médio porte, um viés na comparação a partir de dados agregados de porte seria inevitável.

Cruzando os critérios de tamanho e origem do capital são definidas quatro categorias de firmas:

a) pequena e média empresa doméstica: grupo de firmas com menos de 250 empregados, e com capital 100% local;

b) pequena e média subsidiária estrangeira: grupo de firmas empregando menos de 250 pessoas, e com alguma participação estrangeira no seu capital;

c) grande empresa doméstica: grupo de firmas com 250 ou mais empregados e com capital 100% local;

d) grande subsidiária estrangeira: grupo de firmas empregando 250 ou mais pessoas, e com alguma participação estrangeira no seu capital.

Os indicadores foram, em princípio, desenvolvidos para estas quatro categorias de empresas. A análise preliminar dos dados para os dois primeiros grupos de empresas revelou algumas dificuldades81. A principal delas, a qual implicou a exclusão destes dois grupos de empresas da análise conduzida nesta tese, está associada à grande diferença em termos do número de empresas que compões estes dois grupos. Segundo dados da amostra expandida, são 38.647 pequenas e médias empresas domésticas contra apenas 578 pequenas e médias subsidiárias estrangeiras. Uma segunda razão para a exclusão destas duas categorias de empresas decorreu do fato da análise preliminar ter indicado, de maneira geral, que as empresas menores apresentam

nível de capacitação tecnológica inferior às empresas maiores. Não desconsiderando a importância desta constatação, o fato é que a análise comparativa preliminar entre empresas estrangeiras e domésticas com menos de 250 empregados, além de distorcida em função da ampla diferença das amostras, não acrescentou elementos novos aos observados na comparação entre empresas estrangeiras e domésticas com mais de 250 empregados.

Em relação à dimensão setorial, conforme observado no Capítulo 2, uma série de elementos associados aos setores - tais como regime tecnológico, intensidade tecnológica, concorrência, regulação, estrutura industrial – implicam o padrão de acumulação e a dinâmica tecnológica das firmas. Dados estes fatores setor-específicos, o capital estrangeiro tende a se distribuir de forma heterogênea entre os setores, focando-se, em geral, nos setores tecnologicamente mais dinâmicos e sofisticados. Isto implica diferenças setoriais em termos do comportamento tecnológico das subsidiárias estrangeiras, e portanto da contribuição para o aprendizado tecnológico local.