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Meu capim, meu capim dourado Que nasceu no campo

Sem ser semeado Foi meu amor Que me disse assim Que a flor do campo É o meu capim. (Meu capim, meu capim dourado)79

O capim dourado é uma planta do tipo sempre-viva que possui uma haste dourada.

FOTOGRAFIA 12 O CAPIM DOURADO NO CAMPO 

FONTE: Fotografia feita pela autora. Set. 2010



O nome científico do capim dourado é Syngonanthus Nitens, que em latim significa “que brilha”. É uma planta típica dos campos úmidos das veredas encontradas na região do cerrado, que floresce naturalmente.

79 Música adaptada pelo cantor Genésio Tocantins e pela Comunidade Mumbuca a partir do canto Alecrim Dourado.

O capim dourado era chamado capim de veredas e tornou-se matéria prima para o artesanato, quando a Comunidade Mumbuca aprendeu a coletar e trançar as suas hastes para produzir peças de uso doméstico. Segundo Sampaio et al. (2010), a técnica do trançado do capim dourado foi herdada dos índios Xerente, há mais de 80 anos.

Segundo o depoimento do Seu Diolino, a arte e a técnica de manuseio do capim dourado foram passadas de geração em geração:

O capim dourado era assim, a mãe dela80 é que trabalhava nesse

serviço desde quando eu entendi. Porque a mãe da mãe dela é que trabalhava nesse serviço. Quando a gente ia pra esse lugar que eu já falei pra senhora, a gente levava a arte que ela fazia, né? O chapéu, fazia o balaiinho. Continuou. E a mãe da mãe dela morreu, ficou a mãe dela. Mais quando veio mesmo valorizá, que vinheram conhecer do valor do dourado eu num sei informá, mais ou menos a data quando foi. (Diolino, 86 anos).

O Seu Diolino conviveu com três gerações de mulheres que aprenderam a trabalhar com o capim dourado: Laurina Pereira Matos, mãe da D. Guilhermina Matos (D. Miúda), mãe da nora do Seu Diolino, artesã a quem ele se refere em seu discurso. Atualmente as suas netas também trabalham com o capim dourado, por isso podemos dizer que há quatro gerações essa arte perpassa a vida da comunidade.

Na memória do Seu Diolino há o relato de que ele levava o conhecimento do povoado para as cidades da região do antigo Goiás, da Bahia e do Piauí. Agora ele acrescenta as peças de artesanato do capim dourado, ao grupo dos produtos que foram comercializados em pequena escala (o chapéu, o balainho). O comércio tornou o artesanato do capim dourado em mercadoria, deixando de ser apenas um objeto de uso na comunidade.

No período em que o Seu Diolino levava para as cidades vizinhas algumas peças para vender, o artesanato não era a principal fonte de renda da Comunidade Mumbuca e a planta com as hastes douradas continuava a ser conhecida como capim de veredas, era um produto do mato, fruto do extrativismo local.

80 O Seu Diolino se refere à sua nora que é filha de D. Guilhermina Matos, conhecida como D. Miúda, que estava presenciando a entrevista ao lado dele.

O reconhecimento da planta como “capim dourado” e do artesanato produzido por essa planta como uma marca da Comunidade Mumbuca aconteceu na década de 1990, por ocasião de uma exposição feita em uma feira de artesanato realizada na cidade de Palmas/TO. Isso aconteceu no ano de 1993, por ocasião da FECOARTE - Feira de Folclore, Comidas Típicas e Artesanato do Estado do Tocantins.

A FECOARTE é uma feira de abrangência estadual e a comunidade foi incentivada pela primeira dama de Mateiros81 a produzir peças em quantidade maior com o intuito de expor e vender nesta feira. No momento de enviar o material, a comunidade entendeu que o nome “capim de veredas” não era tão atrativo e então começou a discutir qual o nome que daria maior visibilidade ao produto. Uns entendiam que deveriam chamar de “capim de ouro” e outros pensavam que se assim fosse, as pessoas poderiam pensar que havia ouro na comunidade, então eles decidiram que o capim seria chamado de “capim dourado” e assim foi batizada a matéria prima principal do artesanato que é produzido pela Comunidade Mumbuca.82

Diante do sucesso alcançado, o capim dourado passou a ser reconhecido também em âmbito nacional, à medida que o então governador Siqueira Campos,83 passou a presentear governadores e deputados de outros estados com as peças de capim dourado produzidas pela Comunidade Mumbuca: “Foi no tempo que o Siqueira Campos governava. Governava, né?. Pois é, isso já deve faze uns vinte ano.” (Diolino, 86 anos). Na linha do tempo, isso pode ter ocorrido no segundo mandato do governador José Wilson Siqueira Campos (1º de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 1998).

A memória do Seu Diolino está atrelada ao período em que o capim dourado deixou de ser apenas um produto artesanal e passou a ser a principal atividade econômica da comunidade, tornando-se referência para as melhorias recebidas na comunidade.

81 Eleuza Costa, esposa do ex-prefeito do Município de Mateiros, Ribamar Costa (gestão 1993-1996).

82 As peças são produzidas com o capim dourado e costuradas com a seda do buriti.

83 É preciso lembrar que José Wilson Siqueira Campos é o atual governador do Estado do Tocantins e ocupa essa posição pela quarta vez: (1989 a 1991; 1995 a 1998; 1999 a 2003; 2011 a 2014).

Quando entrou o capim dourado melhorou muito, demais. Aí melhorou tudo. Ce sabe quando entrou o valor do capim dourado? O valor porque o valor que tem miorado o lugar? Foi o tempo de Renato84 lembra? De Rosana85. Daquele tempo prá cá. Que foi, que

vieram a dá conhecimento, depois daquela supema86, não foi? Não

foi depois daquela supema que andaram por aqui? Aí foi crescendo o valor... foram conhecendo o valor do capim dourado. E depois conheceu o valor do capim dourado, aí as coisa melhorou tudo. Aí ficou melhor, tudo, tudo, tudo. Aí melhorou tudo, tudo. A senhora já chega ali e vê uma corrutelazinha87, já vê tudo mais desenvolvido.

Mais, depois do capim dourado pra cá. (Diolino, 86 anos).

Essa lembrança do Seu Diolino nos remete à ação de algumas pessoas e instituições que foram importantes para a consolidação do capim dourado como um produto artesanal apto ao comércio.

As pessoas citadas pelo Seu Diolino (Renato e Rosana) eram respectivamente, o designer e a técnica da Fundação Cultural que atuaram na comunidade na década de 1990, em parceria com o SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, no sentido de oferecer cursos às artesãs da comunidade. Esses cursos tinham três finalidades: a primeira era fazer com que as artesãs utilizassem menos capim dourado na confecção dos chapéus para que ficassem mais leves; a segunda era aperfeiçoar o acabamento das peças para a sua melhor aceitação no mercado e a terceira era aumentar a variedade dos produtos oferecidos pela comunidade. Foi nessa época que a comunidade passou a produzir peças como a mandala, a bolsa redonda e a bolsa oval:

A gente reproduzia o que tinha, por exemplo, o bule, as coisas que estavam na nossa frente, o que tinha, fora o colar, o brinco. Então foi muito importante esse contato da comunidade com o designer. E esse Renato é um designer carioca que foi trazido pela Fundação Cultural do governo, em parceria com o SEBRAE. O governo veio, ensinou o acabamento e como o acabamento foi 10, veio muita gente comprar. (Liderança 4, 23 anos).

84 Renato Embroim, designer da Fundação Cultural, que atuou na comunidade em parceria com o SEBRAE na gestão da Cátia Rocha.

85 Renata, técnica da Fundação Cultural que acompanhava o designer.

86 Supema quer dizer acontecimento. O Seu Diolino está se referindo à criação do Parque Estadual do Jalapão, acontecimento que abalou a comunidade de uma forma geral e a saúde do Seu Diolino de uma forma particular, porque desde a criação do Parque em 2001 que ele sofre de depressão e não atua na comunidade como atuava antes.

87 Corrutelazinha são as casas das famílias que hoje estão concentradas na entrada do povoado. Antes do capim dourado se tornar um produto do comércio local, as famílias viviam em seus ranchos e a comunidade era dispersa. Hoje a comunidade está concentrada na corrutela, próximo de suas terras.

A liderança 4 nos mostra que a comunidade confeccionava peças de uso local, mais precisamente de uso doméstico, como o bule. Ela cita “as coisas que estavam a nossa frente”, demonstrando que outras coisas que eram de uso externo, como o colar e o brinco foram sugestões do designer. Essa parceria Comunidade Mumbuca/Fundação Cultural/SEBRAE, constituiu-se em um marco para a comunidade porque houve uma abertura para o mundo externo e a intervenção foi em mão dupla porque enquanto o SEBRAE ensinava a comunidade a fazer o acabamento, a comunidade ensinava o SEBRAE a trançar o capim dourado e a partir daí o SEBRAE passou a ensinar essa técnica para as comunidades que estão nos arredores de Mumbuca e que também vivem da extração do capim dourado.

Quando o Seu Diolino nos fala sobre a supema (acontecimento): “Daquele tempo prá cá. Que foi, que vieram a dá conhecimento, depois daquela supema, não foi? Não foi depois daquela supema que andaram por aqui?”, temos também que nos remeter ao 3º mandato do então governador Siqueira Campos, que ocorreu de 1º de janeiro de 1999 a 1º de janeiro de 2003, período em que a Comunidade Mumbuca foi pega de surpresa com a criação do Parque Estadual do Jalapão e foi incentivada a investir na atividade artesanal como uma das alternativas de geração de renda tradicionalmente sustentável.

A ênfase do depoimento do Seu Diolino é na transformação do capim de veredas - um produto do mato, para o capim dourado – um produto de geração de emprego e renda para a comunidade. Até a década de 1980, a produção era feita no interior da comunidade e vendida para outros municípios em quantidade menor e qualidade diferenciada. A valorização veio de fora para dentro como uma necessidade de substituição da atividade agropecuária para a atividade extrativista e artesanal. A materialização da venda é que provocou a mudança interna na comunidade que, segundo o relato do Seu Diolino, é visível pelas melhorias que foram chegando à comunidade: “Aí foi crescendo o valor ... foram conhecendo o valor do capim dourado. E depois conheceu o valor do capim dourado, aí as coisa melhorou tudo. Aí ficou melhor, tudo, tudo, tudo. Aí melhorou tudo, tudo.” Essa ideia é corrente na comunidade e está presente nos discursos das quatro lideranças entrevistadas.

Olha, a melhoria eu acho que ela ta, ta bom. Quem ta lá no bom, vem prá cá, ainda vê dificulidade. Pra quem mora aqui, nasceu na dificulidade, por tudo, por tudo, melhorou muito. Telefone melhorou, capim dourado tem condições de comprar, melhorou. Mais não é que ta completo, tem que melhorar mais. Mas prá nóis... (Liderança 2, 45 anos).

O interessante no discurso é que eles têm noção de que ainda não conquistaram todos os direitos, mas comparam a realidade atual com a realidade passada e acabam concluindo que está bom.

O destaque que é dado para algumas pessoas que atuaram na comunidade durante esse processo de lapidação da produção artesanal, está relacionado ao papel que essas pessoas públicas desempenharam no processo de reorientação socioeconômica da comunidade. Esse papel foi desempenhado junto às lideranças locais, como podemos perceber através do depoimento da liderança 2:

Vamos melhorá a produção do capim dourado, né, vem curso. Um representante chega até nós. Vale tanto. Prá vocês é de graça! Fundação Cultural de Palmas para melhoramento da comunidade. Tem governo federal, tem governo estadual. Pra ajudá a comunidade vende o capim dourado. (Liderança 2, 45 anos).

Nesse discurso da liderança 2, percebemos que “a produção do capim dourado” implicou na mudança da técnica empregada pela comunidade tanto na prática de manejo do capim dourado no campo, quanto na prática da produção artesanal. Muitos cursos foram oferecidos pelo governo estadual (Fundação Cultural) e pelo governo federal (Ministério do Meio Ambiente) para que a técnica do artesanato fosse aperfeiçoada pela comunidade. Para que a venda do artesanato alcançasse uma esfera nacional, incentivando o turismo local, sem provocar a depredação do meio ambiente: “A gente foi levar capim dourado lá. Lá num evento bacana lá, no Ministério do Meio Ambiente” (liderança 1, 57 anos). Esse relato demonstra que o processo alcançou uma amplitude maior que o esperado pela comunidade e essa mudança está sendo processada nos dias de hoje através da concepção do capim dourado como um instrumento fundamental nas relações de trabalho que se estabelecem na comunidade.

3.2 CAPIM DOURADO E TRABALHO: EXTRATIVISMO, ARTESANATO,