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3.2 CAPIM DOURADO E TRABALHO: EXTRATIVISMO, ARTESANATO,

3.2.2 Produção do artesanato

A produção do artesanato na Comunidade Mumbuca é uma atividade comum tendo em vista que o povoado está inserido em um ambiente natural e o comportamento das famílias corresponde a uma prática tradicional onde a relação homem/natureza se faz de forma harmoniosa.

As mulheres da comunidade que estão hoje na faixa dos 45 aos 50 anos de idade nos contam que na infância as meninas e moças andavam descalças, mas sempre queriam ir ao baile de sandália. Um dia uma delas resolveu fazer sandálias de palha de coco piaçava e depois de desenhar o pé de sua irmã em cima da palha trançada, riscando com carvão, ela queimou o buraco com o ferro que o pai dela usava para marcar o boi. Depois do pai da garota ter ralhado por ela ter usado o seu instrumento de trabalho, a sandália passou a ser utilizada por todos no povoado. Essa história sempre é contada quando as pessoas querem fazer comparações entre o passado e o presente. Elas dizem que sua mãe era acostumada a viver com sandália de palha piaçava e nós entendemos o quanto a comunidade sabe produzir os meios de subsistência com aquilo que é encontrado na natureza.

Nessa relação de harmonia com o meio, as casas são construídas de uma forma artesanal onde as paredes são construídas de tijolo de adobe. O telhado é feito com a palha de piaçava e as portas e janelas são feitas com a tala do buriti.

FOTOGRAFIA 13 - TELHADO FEITO COM A PALHA DE PIAÇAVA

FONTE: Fotografia feita pela autora. Set. 2010.

No interior das casas também encontramos alguns móveis construídos de forma artesanal utilizando o tronco da madeira comum e também o tronco do buriti. Existe uma marcenaria na comunidade onde podemos encontrar objetos feitos de madeira como cadeiras, bancos, mesas, pilões e tantos outros que são produzidos a partir de encomendas feitas pelos moradores da comunidade e também pelos turistas que visitam o povoado.

FOTOGRAFIA 14 - PILÃO PRODUZIDO NA COMUNIDADE MUMBUCA

FONTE: Fotografia feita pela autora. Set. 2010.

No espaço próximo ao galpão em que são realizadas as reuniões da comunidade, existe uma loja da Associação dos Artesãos e Extrativistas do Povoado de Mumbuca, onde as artesãs e os artesãos associados expõem e vendem os seus produtos. Nesse caso, 10% (dez por cento) do valor total da venda são revertidos para a associação.

A comunidade também conta com dois artistas: Maurício Ribeiro e Arnon Tavares. A dupla faz apresentação musical utilizando a viola de buriti, produto artesanal que é confeccionado pelos próprios artistas.

O artesanato do capim dourado, que é a marca principal da comunidade, é uma atividade de geração de emprego e renda, que consiste no uso do capim dourado para a confecção de peças e objetos como colares, brincos, potes, chapéus, jarros, chaveiros, porta-joias e tantos outros. A arte consiste no trançado das hastes do capim dourado que dão forma ao objeto e na costura que se faz com a seda do buriti.

A escolha do objeto a ser produzido, o trançado, a costura e o acabamento das peças é que vão dar maior ou menor destaque ao artesão ou artesã que são

pessoas de diversas idades e que desenvolvem a técnica a partir do aprendizado, da observação e da dedicação pessoal.

FOTOGRAFIA 15 - JOVEM ARTESÃ PRODUZINDO UMA CESTA

FONTE: Fotografia feita pela autora. Jul. 2011.

O capim dourado e a seda do buriti94 são obtidos pelos artesãos através da colheita ou da compra. No mês de julho de 2011, o valor do quilo do capim dourado era de R$ 30,00 (trinta reais). Este valor varia ao longo do ano, sendo mais caro no mês de julho, agosto e setembro, período em que o estoque está acabando.

No mês de julho de 2011, o valor do olho do buriti, utilizado para retirar a seda, era de R$ 15,00. Normalmente são os homens que fazem a extração do olho do buriti, porque eles têm que subir no alto da palmeira, respeitando todo o procedimento de preservação e reprodução da espécie. Diferente do capim dourado,

94 “O que as populações locais chamam de ‘seda’ do buriti, usada na costura das hastes de capim dourado, obtém-se pela extração da fibra encontrada no interior do ‘olho’ ou ‘folha flecha’, como também é conhecida, em função de seu formato. Trata-se do talo de uma folha jovem, ainda fechada, encontrada em buritis novos, de quatro a 10 metros de altura”. In: Revista da Sala do Artista Popular. Museu do Folclore Edison Carneiro, vol.145. Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular; Iphan/ Ministério da Cultura: Brasília, 2011, p. 19.

a extração do olho do buriti não tem um período determinado para ser feito. Na figura abaixo podemos observar como o artesão faz a retirada da seda:

FOTOGRAFIA 16 JOVEM ARTESÃO RETIRANDO A SEDA DO BURITI



FONTE: Fotografia feita pela autora. Jul. 2011.

Os artesãos guardam os maços de capim dourado no teto de suas casas e levam consigo apenas as agulhas e a seda do buriti junto com as peças que estão em fase de confecção para as casas e os locais onde estão concentrados os seus companheiros de produção.

Quando eles terminam uma peça, estejam eles onde estiverem, levam direto para a associação, lá é colada uma etiqueta com o nome do artesão e o preço da peça para exposição e venda.

A produção do artesanato do capim dourado é uma atividade muito dinâmica que é feita em grupos de afinidade. As pessoas costuram, conversam, discutem, produzem em roda, no interior de suas casas, nas varandas, em local aberto ou fechado, dependendo do grupo, do horário, e também do interesse da própria pessoa.

O trabalho é individual: quando está frio, trançam o capim dourado em volta da fogueira; quando é dia, escolhem um local mais fresco; quando é noite, escolhem um local onde tenha luz. Os mais jovens preferem costurar no coletivo. As mulheres trançam o capim em locais onde as crianças possam brincar em sua volta. Os maridos preparam algo para comer ou beber (café, laranja, biju, melancia, gergelim) e colocam as crianças para dormir quando a produção avança a madrugada.

A produção do artesanato é feita o ano inteiro, mas a venda é mais intensa no mês de julho, porque no Tocantins o mês de julho é a estação da seca, é o mês das férias e do aumento do turismo local.

Porque o nosso capim dourado, a gente pega ele uma vez por ano, e trabalha o ano inteiro. Tem meses que a gente traz o capim dourado e coloca na lojinha, quando não é época de férias e não vende, né. Em julho, né. Por causa das férias, vem muita gente. (Liderança 3, 32 anos).

Existe uma estabilidade na produção que é anual e uma instabilidade na venda que é maior no mês de julho, por isso a maior parte das famílias entrevistadas não sabe o quanto lucra com a venda das peças do capim dourado. Até porque, nesse período muitas pessoas que fazem parte das famílias mumbuquenses, mas moram e trabalham na cidade, vêm para a comunidade trançar o capim e vender as suas peças no mês de julho, não permitindo aos moradores locais saber exatamente qual o valor real da sua produção e venda. Nesse sentido, eles comparam o valor da venda das peças do capim dourado com o valor da bolsa família, que é a única renda fixa que a maior parte das famílias da comunidade possui.

O capim dourado dá uma fonte de renda assim, maior do que o Bolsa Família. Agora assim, não é que todo mês você vende aquela quantidade. Às vez a gente não faz nenhum centavo. Mas ás vez você faz mil reais, às vez faz duzentos, faz trezentos, quinhentos, sabe? Não é assim, uma coisa, assim. Uma coisa certa, porque se não vender, não tem. Mas assim, capim dourado às vez dá muito dinheiro. O que dá mais dinheiro pra família, no Jalapão, é o capim dourado. (Colaborador 3, 45 anos).

Nesse sentido, o capim dourado é uma fonte de renda que demanda certa paciência daquele que o produz. Muitas vezes a produção é feita em parceria, porque nem sempre a pessoa que costura é aquela que vai ao campo fazer a colheita. Isso acontece porque a pessoa tem outra atividade a desempenhar, ou ela não pode ir ao campo colher, conforme nos relata a liderança 3: “Eu mesmo, eu vou, meu marido vai, pego o capim. Quando a gente dá na meia, tem um que trabalha. Quando não tem, a gente que costura ele, o ano inteiro.” (Liderança 3, 32 anos). Essa produção em parceria na comunidade (colheita/produção artesanal), muitas vezes é feita entre um homem e uma mulher da mesma família, mesmo que eles não sejam cônjuges:

O homem foi a campo buscar o capim. Quem é que vai ajuda ele a trabalhar com o capim dourado? A filha dele, a nora dele. É assim o procedimento do capim dourado, né? Cada um que colhe, às vezes dá de ameio pra fazer. Dificilmente o homem vai fazer o artesanato, mas ele é que vai buscar no campo, que é pior, né? Depois do período da colheita, o homem mexe com o gado, mexe com roça de toco, criação.(Liderança 3, 32 anos).

Na concepção dessa liderança existe uma divisão do trabalho por gênero, como já havia sido expresso no discurso da liderança 4: os homens vão a campo, procuram o melhor lugar para fazer a colheita, trazem o capim para a comunidade, extraem o olho do buriti e desenvolvem outras atividades ligadas ao extrativismo, à agricultura e à pecuária. Algumas mulheres (principalmente as mais jovens) vão para a colheita, costuram o capim, vendem suas peças e se dedicam aos afazeres domésticos. Mas é importante dizer que existem muitos homens que costuram o capim, mas normalmente são os homens mais jovens.

Essa produção em parceria no seio da família e no interior da comunidade faz parte da cultura local e tem sido intensificada à medida que aumenta o comércio dos produtos artesanais feitos com o capim dourado.

Mesmo que as famílias trabalhem com o capim dourado, também desenvolvem e se ocupam com outras atividades, por isso não sabem exatamente o quanto o recurso do capim dourado contribui para a renda familiar, conforme podemos verificar no discurso de uma das poucas moradoras da comunidade que afirmou que a renda familiar chega a R$ 1.000,00 (mil reais):

Eu preciso trabalhar no meu serviço, porque eu trabalho como assistente administrativo na prefeitura, tenho que costurar. E agora recente coloquei esse lanche aqui, pra oferecer pros turistas. E também os meus filhos tem que trabalhar também. Eles trabalham em lojas, né. Diárias. Às vezes precisa encher um caminhão, às vezes as pessoas pedem eles vão. E também vai coletar o capim dourado, vende parte desse capim dourado. Então a renda... vendemos leite também, produção de leite, pouquinho, mas a gente vende como complemento aqui. Então, a gente tem gado. Tem, a gente tem. Então quando complementa um pouquinho da roça, com um pouquinho do serviço que eu trabalho, um pouquinho do artesão, um pouquinho dos filhos que trabalha. Aí, completa uma renda dessa de mil reais.(Colaborador 6, 44 anos).

A família dessa moradora é composta por seis pessoas: o casal e quatro filhos (duas meninas e dois meninos). A família tem uma casa na cidade de Mateiros onde a mãe e os filhos ficam durante a semana para estudar e trabalhar. O pai permanece no povoado o tempo todo trabalhando na terra, na criação de gado e na venda dos derivados de alguns produtos como a melancia e a coalhada. No mês de julho quando são as férias escolares é que toda a família fica na Comunidade Mumbuca desenvolvendo todas essas atividades que são descritas pela mãe.