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A partir de 1830, o plantio do café começou a se constituir como uma das principais atividades econômicas de São Paulo. No vale do Paraíba carioca as plantações de café já vinham substituindo os engenhos de açúcar ainda no início dos anos de 1800. Com a elevação dos preços do café, ocorreu uma expansão das plantações e a descoberta da terra roxa no interior de São Paulo, demonstrou a melhor adaptação ao cultivo do café com a elevação da produção. O interior de São Paulo tornou-se o principal campo de cultivo de café, e as primeiras grandes fazendas caracterizadas como imensos latifúndios, substituíram os antigos engenhos.

Essa expansão se caracterizava, inicialmente, apenas como uma substituição do produto cultivado, mantendo-se as características de Casa Grande e Senzala do latifúndio açucareiro, que tinha como sua principal mão de obra os escravos. Gradualmente, ocorreu uma mudança na forma de constituição das propriedades produtoras de café, uma vez que esse produto apresentava características distintas de plantio, colheita, secagem, ensacamento e venda. No mercado internacional eram as grandes empresas que monopolizavam a venda do café, a qual tornava-se uma das principais commodities2 no mercado mundial. Isso determinou sérias alterações na forma de produção e negociação do café. Além de garantir a produção, os fazendeiros de café deveriam também cuidar do processo de negociação e cotação nas bolsas de valores internacionais.

Em 1831, a repressão inglesa ao tráfico negreiro para o Brasil levou o governo imperial brasileiro a estabelecer uma lei proibindo e reprimindo o tráfico de escravos, provocando

      

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Commodity é o termo inglês para mercadoria e no mercado financeiro internacional designa a mercadoria cujo valor é determinado em função de seu papel no mercado internacional. As commodities são negociadas em bolsas de valores e isto

imediatamente o encarecimento do preço da mão-de-obra. Em 1850, o tráfico foi legalmente proibido tendo, entretanto sobrevivido através do contrabando até meados de 1856.

As dificuldades em conseguir mão-de-obra era um problema não só para as fazendas existentes como para as novas. O aumento de produtividade levou à ocupação de novas terras e as ferrovias paulistas, dirigindo-se para áreas cada vez mais a oeste, tornaram acessíveis as regiões ainda inexploradas. A opção para o problema da mão-de-obra, foi o incentivo a imigração e a partir da década de 1560 as fazendas do interior de São Paulo são tomadas por grandes contingentes de trabalhadores europeus, principalmente italianos, portugueses, espanhóis e alemães.

A transição para o trabalho assalariado implicou em uma elevação da demanda de bens de consumo, ampliando as oportunidades de expansão urbana, comercial e industrial.

A situação se agravava com o fato das fazendas tradicionais dedicarem-se exclusivamente ao plantio de café, precisando, portanto, comprar de fornecedores os meios necessários à sua subsistência como alimentos, equipamentos, ração e insumos agrícolas. Decorreu dessa situação uma elevação geral dos preços e os comerciantes foram os maiores beneficiários da situação. Por outro lado, a maior parte da lucratividade do café ia para os setores de comércio e exportação, apenas uma parte retornando aos fazendeiros.

Originalmente o financiamento da cafeicultura era realizado pelos comissários e comerciantes que intermediavam as compras de escravos, implementos agrícolas, alimentos e roupas, que eram financiadas pelas Casas Bancárias e que deveriam ser pagos no momento da venda do café. Controlavam o crédito e recebiam comissões sobre as compras e vendas dos fazendeiros. Este mecanismo reduziu a necessidade do uso de dinheiros nas transações comerciais.

Segundo Fernandes (1974), a produção do café engendrou uma nova concepção econômica. Os proprietários rurais se aburguesaram na medida em que, seus negócios tornaram-se cada vez mais urbanos. A tradicional ordem social monárquica, baseada em uma aristocracia agrária, gradualmente abriu espaço para novos personagens, como os negociantes, funcionários públicos, banqueiros e industriais nascentes. A economia cafeeira imprimiu uma nova dinamização de natureza capitalista no país e impôs à arcaica ordem social um novo padrão de relações econômicas reconfigurando o comportamento dos agentes envolvidos sob moldes capitalistas.

O fazendeiro do café não era mais um senhor de terras que residia no latifúndio que dirigia e que controlava pessoalmente toda a produção local. Ele era agora um homem de negócios internacionalizado cujo status social não dependia mais da sua condição de proprietário senhorial, mas, de sua capacidade de racionalização econômica e de acumulação de capital. (FERNANDES, 1974).

Segundo a historiografia econômica, a economia cafeeira paulista e, em especial, a economia do oeste paulista, teria gestado um diferenciado padrão de acumulação, marcado pela diversificação dos investimentos e negócios. Como observa Ribeiro (2010), os cafeicultores investiram numa ampla gama de atividades produtivas tais como abertura de novas fazendas, construção de ferrovias, casas comissárias, bancos e empresas industriais de sacaria, de tecidos, de bens de capital entre outros.

O grande capital advindo da economia cafeeira, ia muito além da produção de café propriamente dita diversificando e criando atividades econômicas que se articularam determinando um complexo composto por diferentes elementos: setores mercantis de alimentos e matérias-primas; implantação e desenvolvimento de sistemas ferroviários; expansão do sistema bancário; atividades criadoras de infraestrutura; indústria e um núcleo embrionário de bens de produção. Essas atividades, entretanto, subordinavam-se ao comércio de exportação, fazendo com que mais do que capital agrícola, o capital cafeeiro se constituísse como capital mercantil com profundas articulações com o sistema capitalista mundial. Para Fernandes (1974), não se podia falar simplesmente de fazendas de café, mas de um complexo cafeeiro e de uma elite de negócios internacionais.

A nova lógica de produção do café engendra uma nova realidade que reconstrói o cenário político, econômico, social e cultural brasileiro. Fernandes (1974) anota que em São Paulo, teria surgido um tipo de fazendeiro de café que se distanciou da visão tradicional porque teria constatado que apenas o plantio do café resultaria em pequenos ganhos, mas, que estes ganhos poderiam ser ampliados de forma sem precedentes com a diversificação da produção, comercialização e industrialização.

Isso explicaria:

o estado de espírito de alguns fazendeiros preocupados com a modernização e a racionalização da produção agrária, segundo um estilo bem diferente do que prevaleceu no Vale do Paraíba, empenhando-se desde os meados do século XIX em sucessivas experiências com a introdução e a utilização do trabalho livre ou com os custos marginais da produtividade das técnicas agrícolas (FERNANDES, 1974, p.120).

A potência do capital cafeeiro levou os grandes fazendeiros de café à diversificação econômica de forma a aproveitar os efeitos da circulação desse capital na economia. Foram acrescentadas a produção do café, novas atividades articuladas ao processo de produção e venda, agricultura e comércio de insumos, matérias-primas, alimentos; implantação de um sistema ferroviário; expansão do sistema bancário; implementação de infraestrutura urbana e industrial; início de um efetivo processo de industrialização.

Segundo Torelli (2004), o capitalista cafeeiro e não o fazendeiro do café, constituiria a mais poderosa elite política da Primeira República. Torelli (2004) observa que a elite paulista do século

XIX e início do século XX era um setor que atuava nas diversas etapas da produção do capital cafeeiro, e que tinha articulação direta com o sistema internacional por meio do negócio de exportação do café. Paralelamente permaneciam existindo fazendeiros tradicionais dedicados apenas à lavoura do café. A elite paulista deste período seria constituída essencialmente pelo grande capital cafeeiro cujos empreendimentos eram voltados principalmente para a exportação e para o mercado internacional.

À medida que a economia paulista ligada ao café vai se desenvolvendo, formam-se claramente dois grupos distintos: o médio capital, ligado apenas à produção de café propriamente dita – a lavoura; e o grande capital, aquele que espalhou seus tentáculos pelas diversas etapas de realização do capital cafeeiro que é predominantemente mercantil – o grande capital cafeeiro. A elite paulista refere-se a este segundo grupo, já que é esta que dirige o processo de formação do Estado republicano. (TORELLI, 2004, 04)

Os fazendeiros dedicados exclusivamente a produção agrícola, foram empurrados para a periferia da economia. Tornando-se dependentes do grande capital cafeeiro para os processos de ensacamento, escoamento, distribuição, comercialização e exportação de sua produção e sem poder determinar o valor de seu produto, e sem influência também nos demais setores da cadeia produtiva, constituíram um setor enfraquecido política e economicamente.

Uma das questões que separavam drasticamente as posições do grande capital cafeeiro dos produtores era o problema do câmbio. Os presidentes da república provenientes de São Paulo defendiam uma política liberal, de não intervenção do estado na determinação do valor da moeda, o que fazia o seu valor se elevar durante as crises. Os produtores diretamente dedicados à lavoura cafeeira eram os que enfrentavam a maior dificuldade diante da política de preços estatal. Enquanto para os cafeicultores da lavoura, a elevação da moeda aumentava o seu endividamento e dificultava a venda do produto, do lado do setor comercial, a elevação da moeda elevava o padrão de acumulação comercial e bancária. Questões como esta demonstram a diversidade de posições presentes entre os membros do setor cafeeiro paulista. É possível distinguir de um lado, um movimento que defendia que o Estado deveria intervir diretamente na questão do café, de outro, um setor liberal que defendia a adoção de uma política de livre mercado e livre concorrência, excluindo assim a interferência do Estado. Essas diferentes posições geraram uma crise dentro do próprio partido representativo dos interesses da elite cafeeira paulista, o PRP.

Segundo Perissinotto, (1999) as insatisfações dos lavradores em relação à política econômica do governo vinham desde 1899 quando foi proposta de criação de um Partido da Lavoura, que defenderia:

(...) os interesses dos fazendeiros do interior contra aqueles que, além da própria fazenda, tinham interesses urbanos: o grande capital cafeeiro. Portanto, o Partido da Lavoura revela claramente uma cisão entre a lavoura, o Estado (leia-se o PRP – Partido Republicano Paulista) e os interesses urbanos do grande capital. (PERISSINOTO, 1994, p. 50)

O agravamento da crise econômica levou a necessidade de intervenção estatal na determinação do valor cambial, mas sua ação não foi no sentido de atender diretamente aos interesses dos fazendeiros de café. O estabelecimento da chamada “política dos governadores” teria sido, antes de tudo, um movimento na direção da estabilidade econômica e política, com o intuito de impedir que os diferentes interesses oligárquicos interferissem na estabilidade de república.