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Nesta subseção trataremos da distinção entre os diversos setores da elite paulista e em particular tentaremos caracterizar e diferenciar o setor capitalista cafeeiro em contraposição ao proprietário agrícola. Nosso intuito é apresentar os diferentes interesses e formas de acumulação de capital e prestígio social que caracterizaria cada um desses setores de forma a permitir estabelecer seus diferentes interesses na esfera educacional.

A distinção entre estes dois grupos permite compreender a diferença entre seus projetos políticos, sociais, culturais e econômicos, bem como as diferentes estratégias adotadas ao longo de suas trajetórias no início do período republicano. Para atingir o fim proposto, procuramos estabelecer o significado das diferentes denominações tradicionalmente utilizadas para identificar esses setores.

De forma geral é tradicionalmente identificado, por meio de uma única categoria, todos os setores que, de uma forma ou de outra, exerciam algum tipo de poder político no período que vai do final do império e início da república no Brasil.

O termo oligarquia, elite cafeeira, barões do café e coronéis, são usados indiscriminadamente e no máximo se faz distinções entre as oligarquias regionais, paulista, mineira, nordestina, mantendo- se, entretanto, a perspectiva de uma homogeneidade que permitiria identificar a todas estas oligarquias como pertencente a uma única oligarquia que teria os mesmos interesses, predominantemente econômicos. Procuraremos nos próximos itens, descrever as características específicas dos setores politicamente dominantes em São Paulo no início do período republicano, procurando estabelecer seus diferentes interesses e as diferentes estratégias adotadas.

É corrente na historiografia brasileira que trata da primeira república, o uso dos conceitos de oligarquia, elite cafeeira, barões do café, coronéis, indiscriminadamente, sem esclarecer o significado ou sentido do uso destes termos. Em geral, os termos são associados às relações de poder vinculadas ao mandonismo familiar e ao poder local em uma estrutura econômica predominantemente agrária, de base latifundiária e escravocrata. No início do período republicano essa concepção foi somada a uma descentralização administrativa que favorecia o poder da família patriarcal por meio do coronelismo.

Iniciaremos com uma breve discussão sobre os conceitos de oligarquia, elites e coronelismo, frequentemente usados para referir-se aos cafeicultores paulistas.

A teoria de elites foi pela primeira vez formulada por Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca no final do século dezenove.

Para Bottomore (1965) o conceito de elite pode ser identificado, aproximadamente, desde o século XVII, como uma categoria social de análise para designar o que existia de melhor em cada classe social.

Segundo o Oxford EnglishDictionary, o termo já seria de uso frequente desde 1823 para designar grupos sociais dominantes (BOTTOMORE, 1965) e, de acordo com Bottomore, passou a ser amplamente empregado no pensamento social e político, por volta do final do século XIX.Seu significado foi estendido para compreensão da composição dos grupos que ocupavam os lugares mais elevados da nobreza, ou seja, a aristocracia social, que por possuir características específicas, dispunham de mais habilidades e poder em relação aos outros.

Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto foram os primeiros autores a conceituar o termo de elite, no sentido de grupos de pessoas que exerciam diretamente o poder político, ou que estavam em condições de influenciar em seu exercício. Ao mesmo tempo, reconheciam que a ‘elite governante’ ou ‘classe política’ compõe, ela mesma, uma elite com especificidades próprias (BOTTOMORE, 1965).

Para Pareto, a sociedade pode ser dividida entre elites governantes e não governantes. As elites não governantes exerceriam uma forma de poder ligada ao seu prestigio político, social ou econômico.

Mosca, outro estudioso das elites, identifica a elite com a classe política, designando aqueles grupos que, por alguma razão, mantêm o domínio de bens materiais e simbólicos que, eventualmente, são predominantes em uma sociedade.

Apesar das dissidências conceituais entre Mosca e Pareto, para Hollanda (2011) existiria entre eles um ponto em comum: ambos reconheceriam que não existe simplesmente uma dominação entre a minoria dirigente e a maioria dominada. Para esses autores, as elites são compostas por uma minoria de grupos sociais distintos que visam deter o domínio do poder político.

Esses autores compartilham a ideia de que toda forma política produz distinção entre uma minoria dirigente e a maioria dirigida. (HOLLANDA, 2011). Entretanto, não se trata de uma dominação mecânica, reflexo da dominação econômica. Suas características apontariam para uma complexidade das relações sociais, impondo um estudo mais aprofundado da dominação política, que não pode ser reduzida imediatamente à dominação econômica.

Segundo Bottomore (1965), Mosca e Pareto desenvolveram seus estudos no sentido de compreender a estrutura e a formação de grupos minoritários que detêm o poder político, nas sociedades democráticas modernas:

Assim o esquema conceitual transmitido por Mosca e Pareto compreende as seguintes noções comuns a ambos: em toda sociedade existe, e não pode deixar de existir, uma minoria que controla o restante da mesma. Esta minoria – “a classe política” ou “elite governante” composta dos que ocupam cargos de comando político e, mais vagamente, dos que podem influir diretamente nas decisões políticas – sofre mudanças na sua composição dentro de certo período de tempo, em geral através do recrutamento individual de novos membros nos estratos inferiores da sociedade, por vezes pela incorporação de novos grupos sociais e ocasionalmente pela substituição total da elite estabelecida por uma “contra-elite”, como ocorre nas revoluções (BOTTOMORE, 1965, p.13)

Nesta perspectiva, as elites não se organizariam em classes fechadas e estáveis, marcadas pelo antagonismo econômico entre aqueles que exercem o domínio econômico e aqueles que são explorados economicamente. As elites podem ser identificadas como minorias que, mesmo sem possuir o poder econômico dominante, ainda assim exercem um domínio social, por meio de uma circulação de relações de poder basicamente simbólica, social e cultural.

Segundo Michells, outro importante teórico do conceito de elite, podemos definir a elite como um grupo minoritário que em um determinado momento, em uma estrutura social determinada, dispõe de privilégios políticos, sociais, econômicos ou culturais decorrentes da posse de qualidades valorizadas socialmente. O grupo pode ser identificado pela raça, sangue, cultura, méritos, aptidões, etc.

Já Wright Mills, em seus estudos sobre as classes médias americanas, define a elite do poder como um conjunto de homens, cuja posição lhes permite transcender o ambiente cotidiano dos homens comuns. Ocupam os postos de comando estratégico na estrutura social, centralizando os meios efetivos do poder, riqueza e celebridade.

Segundo Mills (1985) a elite pode ser identificada como um grupo coeso e homogêneo que ocupa posições institucionais estratégicas, que estão no topo das principais hierarquias e organizações da sociedade moderna. Essas posições estratégicas podem ser política, econômica, social, militar etc. A elite pode ser reconhecida como os notáveis de uma sociedade.

Heinz (2006), seguindo a definição de Mills afirma que:

as elites são definidas pela detenção de um certo poder ou então como produto de uma seleção social ou intelectual, e o estudo das elites seria um meio para determinar quais os espaços e mecanismos do poder nos diferentes tipos de sociedade ou os princípios empregados para o acesso às posições dominantes. (HEINZ, 2006, p. 8).

De acordo com Heinz (2006), a teoria da elite possibilitaria uma análise mais refinada e detalhada das características dos grupos sociais, que se encontram no topo da hierarquia social, permitindo a apreensão da complexidade de suas relações e de seus laços materiais e objetivos com os demais setores da sociedade. (HEINZ, 2006, p. 8).

Em nosso estudo, adotaremos as concepções de elite como referência aos grupos sociais que, em uma determinada estrutura social, são reconhecidos pelos membros desta estrutura como aqueles que estão no topo da hierarquia social, em virtude do poder político, social e simbólico que possuem. Podem ser reconhecidos por ocuparem as posições estratégicas e pelos privilégios que usufruem.

O conceito de elite é sociologicamente e politicamente distinto do conceito de oligarquia, e refere-se a fenômenos sociais distintos.

Oligarquia é uma palavra de origem grega "oligarkhía" que significa “governo de poucos”. Segundo Bobbio (1997), o termo oligarquia não designaria um regime ou uma forma específica de governo. O autor chama a atenção para a diferença entre o significado de oligarquia para os antigos e para os modernos. Para os antigos a oligarquia era a forma degenerada da aristocracia, que era considerada uma forma legítima de governo de poucos, porque estes seriam os virtuosos da sociedade. Para Aristóteles, a oligarquia seria oposta a aristocracia. No período moderno, a oligarquia se contrapõe à democracia. Numa oligarquia, o voto é dirigido pela força carismática dos chefes ou pelo uso da força e não se reconhece o direito à oposição, que é perseguida, assim como não existe liberdade de expressão. A oligarquia designaria, portanto, uma forma de exercício de poder concentrado em um pequeno grupo, com vínculos partidários, econômicos ou familiares.

Segundo Carone (1972), teria sido Sílvio Romero um dos primeiros responsáveis pela designação de oligarquia para os grupos preponderantes na política nacional da primeira fase republicana brasileira. Em uma tentativa de classificar sociologicamente os fenômenos dos grupos dominantes nacionalmente provenientes de São Paulo, do Norte e do castilhismo, Silvio Romero, em uma conferência feita em 1908, teria realizado uma das primeiras sistematizações sobre o fenômeno das oligarquias no Brasil. O autor teria usado o termo oligarquia para mostrar a situação real do País e dos grupos que o dominam:

os que governam, mandam, oprimem e dispõem para si e seus amigos ou apaniguados de todos os cargos,empregos e proventos das rendas públicas direta ou indiretamente, caracterizam-se pela "implacável política-meio-de-vida", "empregomania” e pendor para o gênero fácil e cômodo de vida das carreiras oficiais", pelas"obras públicas, quase tôdas de índole suntuária", pelos "seus empréstimos repetidamente solicitados ao estrangeiro", pelas "suas roubalheiras crônicas na administração", pela "sua falsificação das eleições", pelo "desmantelo de todos os serviços públicos", etc. (CARONE,1972,p.81,82)

Carone (1972) observa que a classificação de Silvio Romero, como vemos, é marcada por fatores subjetivos e por conceitos ambíguos. Para Carone, mais complexa seria a posição de Valente de Andrade, apresentada no livro Evolução política: a queda das oligarquias publicado em 1913. Para Valente de Andrade, a oligarquia se caracterizaria por:

formações de grupos mais ou menos impermeáveis; lealdade para com os chefes, companheiros e o partido; em certo grau, culto pela palavra empenhada;domínio sobre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; emprego de familiares e adeptos para melhor controle e segurança; a não-aceitação de neutralidade,obrigando todos a se definirem contra ou a favor. (CARONE, 1972, p.83)

Carone (1972) ainda observa que quase nada se tinha escrito sobre o problema das oligarquias, a não ser obras esporádicas e dedicadas a casos particulares.1

O termo oligarquia no Brasil, é comumente utilizado por economistas, historiadores, cientistas políticos e sociais em diferentes acepções. Em geral, pretende-se com seu uso designar o monopólio do sistema político pelos grandes proprietários de terra.

Neste sentido a designação de “oligarquias rurais” usada para caracterizar os setores que detinham o poder econômico e político no Brasil durante a primeira república seria redundante. Entre outras coisas, a imprecisão reside no uso do termo para designar ora um sistema político, ora uma classe social, ora uma elite.

Couto (1912) observa que o termo oligarquia teria perdido “boa parte de sua utilidade analítica em virtude de seu uso pouco rigoroso na literatura de ciência política e de disciplinas afins, tornando- se mais um adjetivo de aplicação subjetiva e normativamente orientado que um conceito instrumentalizável para a pesquisa empírica e a reflexão teórica” (COUTO, 2012, p.58)

Couto (1912) observa que para Michels o conceito de oligarquia teria grande valor analítico porque possibilitaria a identificação de processos políticos, mediante os quais certos grupos apoderam-se do poder organizacional onde se entrincheiram tornando-se impermeável a poderes democráticos ou meritocráticos. (COUTO, 2012)

Para Couto, (2012) o termo oligarquia pode, de forma geral, ser compreendido das seguintes formas:

“Oligarquia” como termo para designar grupos políticos

tradicionais que dominam determinadas regiões, ou, por derivação, seu governo. “Oligarquia” como termo tomado na sua acepção

clássica, platônica e aristotélica, de governo dos ricos ou, por derivação, como o grupo dos ricos. “Oligarquia” como um grupo minoritário dotado de grande poder dentro de organizações, principalmente (mas não só) as de caráter representativo, ou o seu

governo. (COUTO, 2012, p. 49)

Couto (2012) observa que a falta de rigor no uso do termo, leva à sua identificação com os conceitos de “classe política” ou “elite governante”, ponto que deve ser esclarecido porque embora nem toda elite seja uma oligarquia, toda oligarquia é uma elite:

(...) muito embora toda oligarquia seja necessariamente uma elite – e uma elite dirigente ou governante – no sentido de que se compõe de um grupo minoritário que ocupa uma posição distinguida e politicamente vantajosa em relação aos demais membros de uma coletividade. (COUTO, 2012, p.51)

      

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Isto significa que o conceito de oligarquia é de natureza política, porque designa uma forma específica de relações de poder e dominação, no qual um grupo específico se “assenhora” do poder organizacional. Para a identificação de uma oligarquia é necessário que ela tenha posse do poder político. Já a elite não é definida em função de relações políticas ou de mando, mas em função dos privilégios políticos, sociais, econômicos, culturais de que um grupo dispõe. Assim, as oligarquias podem ser consideradas elites, mas nem toda elite é uma oligarquia porque nem sempre seus privilégios estão associados ao poder político.

No início do período republicano as oligarquias foram associadas ao coronelismo, fazendo com que frequentemente se use um termo como sinônimo do outro. O coronelismo, entretanto, é um fenômeno tipicamente brasileiro e resultado de relações de poder específicas que engendrarão um tipo de relação política entre as lideranças políticas locais e os governantes estaduais e nacionais.

A estrutura coronelista, para Queiroz (1997), teria tido origem nos grupos de parentela, formado por várias famílias ligadas por parentesco de sangue. Além dos laços sanguíneos, os grupos podem estar associados por alianças matrimoniais, ou laços de compadrio. Em comum, possuem os mesmos interesses socioeconômicos e políticos. O coronel seria o chefe da parentela e de seus agregados, que lhes devem lealdade econômica e política.

LEAL (1975) anota que o termo coronelismo foi introduzido como referência ao posto de coronel, atribuído aos senhores locais que comandavam milícias privadas que foram incorporadas à guarda nacional. O termo passou a ser aplicado a todo chefe político local. Os coronéis como chefes locais, verdadeiros potentados que, em função da forma como caracterizado o regime representativo no início da republica, estabeleceram um compromisso eleitoral que garantia o voto e a permanência do governante estadual em troca da manutenção dos privilégios de poder no domínio local.

Barões do café é, ainda, outra forma de designação que se pode encontrar como referência aos grupos que, enriquecidos com a expansão da economia cafeeira, passaram a se dedicar ao exercício do poder político. O termo originou-se das comendas e títulos distribuídos por D. Pedro II no final do império em uma tentativa de cooptar e impedir o progresso das ideias republicanas entre os grandes cafeicultores.

Todas essas designações apresentam um problema em comum – generalizam e homogeneízam o grupo de cafeicultores, atribuindo a todos características que podem ser adequadas a alguns deles, em determinadas circunstancias, mas que, nem sempre podem ser atribuídas a todo o conjunto dos cafeicultores. As divergências entre os grupos de cafeicultores eram constante e não consistam de simples divergências de opinião, mas correspondiam a pontos de vista de grupos sociais, políticos e culturalmente distintos. O próximo item do estudo será dedicado a diferenciação destes grupos.