• Nenhum resultado encontrado

Nos estudos de história da educação, que tratam da primeira fase republicana brasileira, é comum a afirmação de que a política dos governadores, nome como ficou conhecido o processo político governamental daquele período, seria um reflexo direto de seus interesses econômicos.

A literatura que trata destas questões se apoia, entre outras coisas, na denominada política café com leite, que poderia ser constatada pela presença avassaladoramente majoritária de presidentes, vice-presidentes, ministros paulistas e mineiros. Essa presença, entretanto, não descarta a possibilidade da existência de divergências entre diferentes grupos de interesse entre os paulistas que, apenas em parte, coincidiria com os interesses dos setores fazendeiros.

Esta concepção, que vincula automaticamente o interesse político ao econômico não concebe a política como campo autônomo de poder, e define as relações de poder como um reflexo puro e simples dos interesses econômicos.

Em nosso entendimento, o período apresenta uma complexidade muito maior, que não pode ser explicada por uma concepção mecânica, que coloca o predomínio nas relações de produção, localizadas na infraestrutura econômica, como determinantes das relações apresentadas na superestrutura.

O debate em torno das elites na Primeira República, especialmente a questão que envolve o papel hegemônico exercido pelos fazendeiros de café, e pelas elites paulistas na Primeira República, é tema recorrente nos estudos dedicados a esse período. De acordo com a tese tradicional, a elite política paulista, seria constituída de fazendeiros ligados diretamente à produção do café que dominavam o cenário econômico e político nacional. Daí as denominações usadas para designar esse período: “República do Café”, “República Café com Leite”, “Período dos Barões do Café” etc.

Essa tese teve adeptos das mais variadas tendências e prevaleceu até o início da década de 1997, podendo pode ser encontrada nas obras de diferentes autores como Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Caio Prado Júnior,e Celso Furtado e Edgar Carone, que constituíam as principais fontes para o estudo da educação neste período.

Boa parte da controvérsia em torno do problema da hegemonia política e econômica dos cafeicultores paulistas, decorreu de uma leitura muito em voga nas décadas de 1950 e 1960, que procurava estabelecer o momento em que o Brasil, teria se tornado capitalista e como teria se constituído a burguesia que teria realizado a revolução burguesa. Desta perspectiva, baseada em categorias marxistas como acumulação primitiva de capital, o período de constituição de uma classe de cafeicultores voltados para a comercialização e exportação do café, teria marcado a passagem de

um regime agrário-escravista para um agrário-comercial-exportador. A ênfase na infra-estrutura econômica como definidora da superestrutura política é quase automática.

Em seu clássico de 1945 , História Econômica do Brasil , Caio Prado Júnior apresenta os barões do café paulistas como os responsáveis pela economia e política do primeiro período republicano. Também Celso Furtado em um dos livros mais referenciados sobre o tema, Formação Econômica do Brasil, lançado em 1959, afirma que os cafeicultores teriam total controle sobre a política econômica do governo federal na República Velha.

Como observa Torelli (2004), a partir dos anos de 1970 e 1980, novos estudos questionaram a tese tradicional. Para os autores destes novos estudos, a economia cafeeira passa ser entendida como uma etapa da formação do capitalismo nacional, que passa a ser dividido entre uma fase agrária- mercantil e outra na qual prevaleceria atividades capitalistas, financeiras e industriais. O capital agrário-mercantil da primeira fase da produção cafeeira, seria o elo com a formação de uma etapa capitalista financeira, integrada ao sistema internacional.

Fernandes (1974), Silva (1976), Love (1982), Saes (1986), Fausto (1975), Kugelmas (1986), Cardoso de Mello (1998), Perissinoto (1999),Torelli (2004), Vasselai (2009) apresentam, em seus trabalhos, concepções que divergem da tese tradicional.

Silva (1976) apresenta duas novas categorias para a análise da economia cafeeira; as noções de complexo cafeeiro e capital cafeeiro, que seriam essenciais para a compreensão do processo visto que é na dinâmica deste capital cafeeiro, ao mesmo tempo mercantil, agrário, financeiro e industrial, que se pode estabelecer as bases da constituição de uma economia industrial especificamente capitalista. Segundo Silva, em seu conjunto, a acumulação do capital cafeeiro está em articulação direta com a expansão de suas funções comerciais e financeiras, que teriam levado à constituição de grandes e médios capitais. Os grandes capitais seriam a camada superior da burguesia cafeeira, fundamentalmente comercial e voltada para o mercado financeiro internacional.

Os médios capitais definiam, sobretudo uma classe de proprietários de terra diretamente ligados aos interesses agrários. A ideia fundamental dessa argumentação, é a de que a elite ligada aos negócios do café, não é a mesma que a elite agrária. O grande capital cafeeiro teria sido formado por homens que, muito além da produção agrícola do café, teriam negócios diversificados pelas atividades do complexo cafeeiro articulados diretamente com o capital internacional.

Para Florestan Fernandes (1974), com a expansão cafeeira, a tradicional ordem social monárquica, baseada em uma aristocracia agrária, abriu espaço para uma nova dinâmica econômica, de natureza capitalista, reconfigurando o comportamento dos agentes envolvidos. O predomínio na economia cafeeira não seria do fazendeiro latifundiário tradicional, mas do homem de negócios, já

Também Torelli (2004) observa que embora permanecessem existindo fazendeiros tradicionais dedicados apenas à lavoura do café, a elite paulista deste período, seria constituída essencialmente pelo grande capital cafeeiro cujos empreendimentos eram voltados principalmente para a exportação e para o mercado internacional.

Perissinotto (1999), por sua vez, aponta a existência de interesses diferentes entre os representantes dos setores econômicos, sejam grandes, médios ou pequenos capitais que levariam a diferentes necessidades de preservação de uma ordem pública republicana. Não se poderia, assim, vincular automaticamente os interesses das oligarquias às ações políticas do governo central. Nesta mesma direção está Love (1982) que argumenta na defesa da ideia de que as ações dos presidentes paulistas constituiriam ações voltadas para o estabelecimento de uma ordem estatal burocrática e autônoma em relação aos estados, o que muitas vezes teria se chocado com os interesses dos fazendeiros tradicionais.

Para Kugelmas (1986) a ascensão política da elite paulista não teria sido um reflexo mecânico e inevitável de seu poder econômico. Em sua opinião, a luta de boa parte dos políticos paulistas, era inicialmente garantir à independência política de São Paulo, frente à monarquia e no período republicano a defesa do federalismo, que permitiria a São Paulo seguir sem amarras rumo a modernização. A defesa do autogoverno de São Paulo teria assim, norteado as concepções políticas dos diferentes setores da economia que criaram, para a defesa destes princípios, o Partido Republicano Paulista (PRP) durante a República Velha, partido praticamente único em São Paulo.

Vasselai (2009) critica a concepção de que as elites políticas tinham como objetivo direto, mecânico e imediato os interesses da elite econômica. Para ela, esta seria uma simplificação pouco promissora.

É bastante questionável falar em interesses monolíticos “da elite econômica”, ou “da elite política”, como se existissem tais atores coletivos sem nuances ou divergências internas, como se tivessem uma quase mágica coordenação e desprendimento coletivo de interesses. (VASSELAI, 2009, 09)

Vasselai (2009) observa ainda que a análise tradicional apresenta outro grande problema ao ignorar a relação entre conflitos estaduais e a política nacional. A lógica federativa impunha ao governo central a formação de uma maioria no Congresso Nacional capaz de apoiar suas ações políticas. A ausência do Poder Moderador, que garantiu a auto-suficiência do poder imperial, exigia do executivo o estabelecimento de um novo mecanismo para produzir maiorias legislativas. Os primeiros presidentes republicanos, se esforçaram para construir a maioria num jogo que passava por intervenções estaduais e constantes trocas de governadores. Os conflitos em torno da política

econômica repercutiram nos estados e as lutas em torno da autonomia estadual refletiam na forma de resistência às intervenções do poder central.

A produção de estudos abordando novos ângulos da política estatal desenvolvida na primeira república, e o questionamento levado a cabo por diversos autores sobre a hegemonia da oligarquia cafeeira no controle político nacional, além da divisão da oligarquia cafeeira em diversos setores com interesses distintos, obrigou a uma reavaliação do papel da educação e de sua relação com a oligarquia paulista, uma vez que não se pode mais deduzir imediatamente que os interesses são coincidentes.

A seguir apresentaremos alguns aspectos da política e economia que caracterizaram o período com o propósito de descrever a situação em que se desenvolveu a constituição das escolas normais.