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Desde o início dos anos 1990, tem-se verificado um crescimento de estudos enfocando o capital social como dispositivo teórico para explicar e impulsionar o desenvolvimento econômico e social (GOMES et al, 2002). O capital social é abordado a partir de diferentes aspectos de acordo com a formação teórica de cada autor, mas pode ser entendido a partir da ideia central de que as relações sociais interferem e constituem um ativo para melhorar o desenvolvimento econômico, o bem-estar-social e a participação cidadã, uma vez que promove a cooperação entre atores locais com objetivos comuns, possibilitando-lhes a obtenção de recursos, que não poderiam alcançar como agentes individuais (FERREIRA; PESSÔA, 2012).

Putnam (2000) aponta que o primeiro a usar a expressão “capital social” foi Lyda Judson Hanifan em 1916, em estudos que descreveram os centros comunitários no entorno de escola rurais, destacando a importância do envolvimento da comunidade para a construção de escolas bem-sucedidas. Segundo Hanifan (1916

apud Putnam 2000, p. 19):

As substâncias tangíveis que mais compõem a vida cotidiana das pessoas são a boa vontade, a comunhão, a simpatia e o convívio social entre os indivíduos e as famílias que compõem uma unidade social. O indivíduo é impotente socialmente, se deixado para si mesmo. Se entrar em contato com seu vizinho e com outros vizinhos, haverá uma acumulação de capital social que poderá satisfazer imediatamente suas necessidades sociais e que pode ter uma potencialidade social suficiente para a melhoria substancial das condições de vida em toda a comunidade. A comunidade como um todo se beneficiará da cooperação de todas as suas partes, enquanto o indivíduo encontrará em suas associações as vantagens da ajuda, da simpatia e da comunhão de seus vizinhos.

Apesar das primeiras observações sobre capital social terem surgido no início do século XX foi a partir dos anos 1980 que o tema adquiriu notoriedade, especialmente a partir dos trabalhos de Pierre Bourdieu (1980, 1983), James Coleman (1988, 1990) e Robert Putnam (1996). Estes autores se tornaram os mais importantes estudiosos do tema, enfatizando elementos como confiança, redes sociais, cooperação, engajamento cívico e coesão social para trabalhar com o conceito de capital social (SANTOS, 2003).

Santos (2003, p. 77) destaca que existem pelo menos quatro principais correntes de pensamento sobre capital social: a visão conhecida como culturalista que é atribuída à Robert Putnam, onde a ênfase se dá nas relações entre os habitantes da comunidade, as instituições locais e a cultura da região; a corrente atribuída a James Coleman, onde o capital social aparece como um conceito mais econômico e com um papel de destaque para a criação de capital humano; uma terceira corrente atribuída a Pierre Bourdieu, onde o capital social aparece como um bem individual e não coletivo, mas tendo um papel importante para potencializar os demais tipos de capital (capital econômico, cultural e simbólico) detidos por todos os “nós” da teia de relações do indivíduo; e por último, a visão da economia institucional liderada por Douglass North, onde as instituições formais têm um papel fundamental, não só na criação de capital social, mas também para promover o crescimento econômico.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu iniciou seu trabalho sobre capital social a partir do estudo sobre a teoria da ação, com a chamada teoria do senso prático, onde destaca que o homem não faz escolhas refletidas, mas age de acordo com as exigências da vida prática que demandam por ações urgentes, e segundo o seu

habitus; isto é, estruturas de ação que são assimiladas em parte à estrutura social e

em parte são respostas pessoais dos próprios sujeitos a situações ocorridas ao longo de sua vida (SILVA; SANTOS, 2008).

Bourdieu usou o termo capital social pela primeira vez em 1980 (ALBAGLI; MACIEL, 2002) para se referir as vantagens de como indivíduos inseridos em uma rede de relações sociais estável, podem se beneficiar de sua posição ou gerar externalidades positivas para seus membros. Segundo Bourdieu (1980, p. 2) capital social pode ser definido como (...) “o agregado de recursos atuais ou potenciais, que estão ligados à participação em uma rede durável de relações de familiaridade e reconhecimento mais ou menos institucionalizada”.

De acordo com essa concepção o capital social é constituído pelas redes de relações sociais, que permitem aos indivíduos ter acesso aos recursos dos membros do grupo ou da rede. Os ganhos obtidos pelos indivíduos em decorrência de sua participação em grupos, permite apropriar-se dos benefícios materiais e simbólicos que circulam entre os membros da rede (BOURDIEU, 1980). Assim, o volume de capital social de um indivíduo depende, tanto da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar, como do volume dos diferentes tipos de capital (econômico, cultural ou simbólico) que é propriedade exclusiva de cada um dos

agentes a quem o indivíduo está ligado (BOURDIEU, 1983). Para Bourdieu (1983) mesmo que o capital social seja totalmente distinto ele não é completamente independente do capital econômico e cultural possuído por um indivíduo ou pelo grupo a quem está ligado.

O sociólogo norte-americano James Coleman, considerado um dos autores que mais contribuiu com o desenvolvimento do conceito de capital social realizou estudos que marcaram o contexto social da educação, atrelando a importância do capital social à criação de capital humano, entendido por ele como as habilidades e conhecimentos adquiridos por um indivíduo (ALBAGLI; MACIEL, 2002).

Em um artigo intitulado “Social Capital in the Creation of Human Capital”, Coleman faz uma análise relacionando o efeito da falta de capital social sobre o abandono escolar antes da graduação, estabelecendo um vínculo claro entre capital social e acesso a recursos (COLEMAN, 1988). Nesse trabalho Coleman (1988) destaca três formas de capital social: obrigações e expectativas, canais de informação e normas sociais. A primeira forma abrange o nível de confiança e a real extensão das obrigações existentes em um ambiente social, destacando que o capital social é elevado onde as pessoas confiam umas nas outras e onde essa confiança é exercida pela aceitação mútua de obrigações. A segunda forma corresponde a existência de canais de troca de informações e ideias entre as pessoas. E, a terceira forma de capital social diz respeito às normas e sanções existente e a forma com que elas encorajam os indivíduos a trabalharem em torno do bem comum.

Coleman (1988, p.98) destaca que

(...) como outras formas de capital, o capital social é produtivo, possibilitando a realização de certos fins que, em sua ausência, não seriam possíveis. Assim como o capital físico e o capital humano, o capital social não é completamente tangível, mas pode ser específico de certas atividades.

Em outro trabalho intitulado “Foundations of Social Theory” Coleman (1990, p.304) define capital social como [...] “o conjunto das relações sociais em que um indivíduo se encontra inserido e que o ajudam a atingir objetivos que, sem tais relações, seriam inalcançáveis ou somente alcançáveis a um custo mais elevado”.

A partir dessa definição é possível compreender que para Coleman (1990) as relações sociais, favoráveis à ação coletiva organizada, existentes entre os membros de um grupo de pessoas, permitem que estas consigam satisfazer alguns de seus

interesses agindo conjuntamente. Na concepção de Coleman o capital social é entendido em termos funcionais e está relacionado aos fundamentos normativos capazes de produzir integração social; ou seja, capital social compreende todos aqueles elementos de uma estrutura social que cumprem a função de servir como recursos para que atores atinjam suas metas e satisfaçam seus interesses (HIGGINS, 2005). Para Coleman, capital social é importante porque, através do grau de confiança existente em determinadas estruturas sociais, promove a formação de arranjos institucionais capazes de gerar o desenvolvimento econômico e social (SILVA; SANTOS, 2008).

Abu-El-Haj (1999) destaca que Coleman levantou a hipótese de que existe uma complementação entre capital físico-econômico (insumos, infraestrutura e financiamento), capital humano (educação e preparação técnica) e capital social (relações de confiança).

A otimização do capital físico-econômico e do capital humano é alcançada na medida em que as relações de confiança e reciprocidade aumentam na comunidade. Em outras palavras, em duas ou mais comunidades em que o nível educacional das pessoas e os recursos materiais oferecidos são constantes, o que distingue o desempenho de seus membros é a confiança estabelecida, que permite mobilização coletiva e maximização dos recursos individuais existentes. A capacidade de ação é ampliada em situações em que a confiança permeia uma coletividade (ou associação), facilitando a otimização do uso de recursos socioeconômicos e humanos disponíveis (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 68).

Ao contrário de Bourdieu (1980), que aborda o capital social como um bem individual, Coleman (1988) argumenta que o capital social não é um atributo dos indivíduos, mas um aspecto dependente do contexto e da estrutura social, isto é, é inerente à estrutura das relações entre dois ou vários indivíduos (CAZELLI, 2005) sendo, portanto, um bem coletivo.

Outro importante pesquisador é o cientista político Robert Putnam, considerado hoje a principal referência teórica sobre o tema, tendo sua obra influenciada por Coleman (HIGGINS, 2005). O trabalho de Putnam “Making

democracy work: civic traditions in modern Italy” (1993), traduzido no Brasil em 1996

com o título “Comunidade e Democracia: a experiência da Itália Moderna”, analisa as mudanças administrativas e a reforma governamental ocorridas no início dos anos 1970 na Itália, abordando em seu último capítulo a teoria de que o capital social

promove cooperação social e que esta reflete no desempenho das instituições e no desenvolvimento econômico das sociedades.

Para Putnam (1996, p. 177) “capital social diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”. Em seu estudo Putnam (1996) procura explicar as diferenças de engajamento cívico entre as regiões Norte e Sul da Itália, concluindo que os governos regionais do Norte tiveram um desempenho melhor que os do Sul, devido a existência de uma comunidade cívica, caracterizada por um número expressivo de organizações da sociedade civil, vinculadas à natureza do associativismo.

A ideia central defendida por Putnam (1996) é que a qualidade e eficiência dos governos democráticos dependem fundamentalmente da participação dos cidadãos em associações cívicas e em atividades comunitárias (engajamento cívico), sendo estas últimas o resultado de um longo processo de amadurecimento dos laços de confiança e da disponibilidade para a cooperação por parte dos indivíduos (GOMES

et al, 2002).

A teoria de Putnam, adota uma vertente cultural na explanação das fontes de confiança (ABU-EL-HAJ, 1999), pois para Putnam a cultura política e a história local determinam a existência ou inexistência do associativismo horizontal, considerado por ele a base do engajamento cívico. O associativismo horizontal, aglutina membros de igual status e poder, sendo fruto de confiança, normas e redes de solidariedade; já o vertical reúne sujeitos desiguais, numa relação assimétrica de hierarquia e dependência, sendo caracterizado pela desconfiança e ausência de normas transparentes, gerando a obstrução da ação coletiva (ABU-ELHAJ, 1999).

Conforme destaca Higgins (2005, p. 67)

A análise de Putnam sobre capital social enquanto fator explicativo da comunidade cívica, que por sua vez constitui o contexto do bom desempenho institucional, concluí com a ideia de que os estoques de confiança, normas e sistemas de participação tendem a ser cumulativos e a se reforçar mutuamente. Criam-se círculos virtuosos que redundam em equilíbrios sociais com elevados níveis de cooperação, reciprocidade, civismo e bem-estar coletivo, características que definem a comunidade cívica.

Nos anos 1990 uma quarta corrente teórico-analítica trouxe um enfoque na abordagem considerada institucionalista, principalmente com o trabalho de Douglas North. Essa corrente, aborda a importância das instituições para solucionar o

problema da cooperação, enfatizando que para que ocorra a cooperação ou ação coletiva em torno de objetivos comuns é preciso existir um ambiente institucional propício (GOMES et al, 2002). Para North (1990) as instituições, sejam elas formais ou informais, possuem um papel determinante na formação de capital social.

As instituições podem ser entendidas como as regras formais e informais da sociedade que, através de convenções, códigos de conduta, normas de comportamento, leis e contratos, regulam as interações humanas e limitam o conjunto de escolhas dos indivíduos (NORTH, 1990).

A eficiência das instituições é diretamente proporcional ao estoque de capital social presente na sociedade, pois o acúmulo de capital social facilita as ações coordenadas, estimula a cooperação espontânea, e inibe os comportamentos oportunistas.Estes fatores estão, por sua vez diretamente associados a um conjunto de características tais como laços de confiança entre os atores, normas de comportamento e grau de interação nas relações sociais. É esse conjunto de características que constitui o Capital Social dessa sociedade (GOMES et al, 2002, p.14).

Destaca-se ainda o trabalho de Peter Evans (1995) que com base na análise de casos de políticas realizadas por países em desenvolvimento, sustenta que as instituições possuem um papel central na formação do capital social, através de uma sinergia na relação entre Estado e sociedade civil, quando da implementação de programas de desenvolvimento (SANTOS; SILVA, 2008). O autor define capital social como vínculos sociais baseados em confiança e enraizamento nas interações do dia a dia, que se desenvolve através da sinergia Estado-sociedade (SANTOS; SILVA, 2008).

Higgins (2005) esclarece que a ideia de sinergia defendida no trabalho de Evans, em termos práticos, convida a ativar o potencial de capital social que está latente na sociedade, assim como a construí-lo de uma nova forma, entendida em termos de confiança e normas que promovam a cooperação, na linha divisória entre o público-estatal e o privado.

Diante das diferentes conceituações e discussões apresentadas é possível concluir que: a) o capital social envolve um conjunto subjetivo de bens sociais como confiança, relações de solidariedade e reciprocidade e também recursos estruturais como a existência de redes de cooperação e ação coletiva; b) o capital social é um bem coletivo, que consiste em recursos sociais mobilizados através das redes de interação e relações dos indivíduos; c) o capital social é cumulativo, sendo que seu

“uso" aumenta seu “estoque” ou disponibilidade por meio de ações que incentivam sua criação, reprodução e mobilização; d) quanto maior a disponibilidade de capital social, maior é o empoderamento social, a cidadania, a cooperação, que facilitam a obtenção de recursos e meios indispensáveis ao desenvolvimento de estratégias que possam melhorar a qualidade de vida das comunidades locais.

A partir das diferentes linhas de conceituação destacamos que o capital social constitui um recurso social, formado pelas redes sociais, instituições, atitudes e valores que permeiam as interações entre as pessoas e que viabiliza as ações coletivas e cooperativas que contribuem para o desenvolvimento social e econômico. O atributo chave do capital é que ele é um estoque acumulado a partir do qual um fluxo de benefícios flui. A visão de que o capital social é um ativo, ou seja, que representa um verdadeiro capital significa que é mais do que apenas um conjunto de organizações sociais ou valores sociais (GROOTAERT; BASTELAER, 2001).