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3 TURBOCAPITALISMO FINANCEIRIZADO

3.3 CAPITALISMO E REPRODUÇÃO FINANCEIRA

Como já foi apontado, o capitalismo contemporâneo tem sido marcado pela velocidade extraordinária com que os capitais se reproduzem e se deslocam pelos mercados financeiros, extrapolando os limites da economia real e alcançando valores que não encontram correspondente na história econômica. A auto- reprodução do capital na circulação é, também, uma clara demonstração da crise sistêmica. Esse tipo de comportamento tem conseguido influenciar, negativamente, vários países e sociedades.

A busca desenfreada pelas rendas proporcionadas pela liberalização e integração dos mercados financeiros com a colaboração das novas tecnologias de informática, na diminuição das distâncias entre tais mercados, impõe, principalmente

principalmente, nos EUA e Inglaterra. A necessidade de expansão dessa corrente contribuiu para eleger Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margareth Thatcher, na Inglaterra. Instaurada a era

reaganomics de forte viés monetarista, as políticas econômicas foram difundidas, como se poderia

esperar, levando-se em conta o poder de influência dos EUA nessas questões. Assim, inaugurava- se um período negro para os países do terceiro mundo no que diz respeito às políticas econômicas e para aqueles governos cujos programas de desenvolvimento tinham por trás o Estado como principal agente propulsor.

às sociedades periféricas, a perda dos raios de autonomia e soberania no manejo de políticas estatais e de construção do futuro em bases menos instáveis.

Pode-se dizer que boa parte do crescimento da pobreza mundial e da desintegração do tecido social, em vários países, se deve às transferências de riquezas via pagamento de serviços de dívidas e políticas macroeconômicas que são colocadas em prática sob a influência decisiva e, mesmo, a coordenação de representantes dos mercados financeiros. (CHOSSUDOVSKY, 1999). Portanto, sem dúvida, a financeirização da riqueza pode ser considerada, também, uma força destrutiva da sociedade industrial, como o próprio Marx tinha observado, já no século XIX.

O sistema de crédito dá a essa classe de parasitas [prestamistas e usurários] imenso poder para dizimar periodicamente os capitalistas industriais e ainda para intervir da maneira mais perigosa na produção real – e essa horda nada entende de produção e nada tem que ver com ela. As leis de 1844 e 1845 [leis promulgadas pelo Banco da Inglaterra desregulamentando o mercado de dinheiro, por exemplo] demonstram o poder crescente desses ladrões, aos quais se juntam os grandes operadores e os especuladores de bolsa. (1991, p. 626).

Vários agentes surgem e participam da financeirização global. Trata-se dos principais veículos deste movimento de acumulação, os gigantescos conglomerados de capitais financeiros, agora institucionalizados como fundos de pensão por capitalização; fundos mútuos – os grandes fundos privados de aplicação coletiva; os grupos de seguros, especialmente os engajados na “indústria” de pensões privadas; e, enfim, os bancos multinacionais monopolistas – embora a posição deles tenha declinado na hierarquia mundial em termos de gestão de ativos financeiros. (CHESNAIS, 1998, p. 32).

De acordo com Braga (1997, p. 206), essas instituições financeiras são as condutoras dos movimentos de securitização de títulos financeiros que dominam, hoje em dia, as relações de débito e crédito, na sociedade. A gestão desses investidores procura adotar estratégias mais sofisticadas de aplicação que possam reduzir o tempo médio de manutenção das posições em ativos financeiros, em função dos ganhos mais imediatos. Também, se destaca, entre suas atividades, a

internacionalização de suas estratégias de diversificação do portfólio, alimentando, crescentemente, os mercados de derivativos.26

Esses agentes são os responsáveis pela dinâmica de acumulação contemporânea, também, no setor real da economia. Nesta dimensão, destacam-se a capacidade de alocação desses investidores institucionais e de financiamento dos processos de concentração e centralização de capitais. Por exemplo, as fusões ou associações empresariais estratégicas, nos setores de tecnologia “dura”, como a indústria bélica e da aviação, e nos setores de tecnologia “de ponta”, como o de telecomunicação e o de informática.27

A concentração e a centralização de capitais facilitam a localização convergente de capitais patrimoniais e financeiros no núcleo de poder internacional. Este movimento promove a sujeição e o direcionamento dos fluxos de capitais financeiros a uma lógica de poder mais autônoma, em termos de disponibilidades de créditos e de liquidez. As fixações de parâmetros e de distribuição de riscos, nos diversos mercados financeiros globais, estão sujeitas ao poder hegemônico das classes rentistas que extrapolam a capacidade de alguns Estados nacionais de regular essas atividades.

Para se ter uma idéia do crescimento do poder desses novos investidores institucionais, nos Estados Unidos, o crescimento dos ativos financeiros, na forma de fundos de pensão e fundos mútuos, aumentaram o movimento de suas operações, juntamente, de US$ 977 bilhões, em 1980, para US$ 6,3 trilhões, até o terceiro trimestre de 1994. Sendo que, deste último montant e, os fundos de pensão participaram com US$ 4,5 trilhões. Já os bancos, principais agentes financeiros do final do século XIX, em 1980, detinham, em ativos financeiros, o volume de US$ 342 bilhões, passando para US$ 1,2 trilhão, no terceiro trimestre de 1994. (CHESNAIS, 1996, p. 292).

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Securitização significa converter empréstimos bancários ou outro ativo em títulos (securities) para serem colocados à venda para diversos tipos de investidores. Então, quanto mais diversificados forem os títulos ou valores que um investidor (pessoa física ou jurídica) tiver em posse, mais esse investidor tem uma carteira diversificada de aplicações, ou seja, um conjunto de títulos ou valores financeiros diversos. Já os derivativos são operações financeiras cujo valor de negociação deriva de outros ativos, denominados ativo-objeto, com a finalidade de assumir, limitar ou transferir riscos.

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O excelente texto de Mampaey e Serfati (2005) é esclarecedor sobre as relações dos mercados financeiros e os grupos armamentistas nos Estados Unidos. Os autores demonstram, entre outras coisas, a presença marcante das instituições financeiras, na posse de títulos de propriedade dos grandes conglomerados da indústria bélica norte-americana. Além disto, também mostram que, neste setor, o processo de concentração e centralização só foi possível com a contribuição marcante dos mercados financeiros. Cf., também, Medeiros (2004).

Nesse capitalismo monopolista, os grandes grupos econômicos buscam ampliar seus espaços de acumulação e reprodução diante de dois fatores essenciais: a queda da taxa geral de lucro, propiciada pelos avanços tecnológicos, que causa desemprego em massa, com efeitos substanciais sobre a distribuição de riqueza e a redução do poder de compra dos mercados; e o acirramento da concorrência intercapitalista (capital vs. capital estatal e produtivo) engendrada, também, pela redução da taxa de lucros.

No Gráfico 1, observa-se uma queda acentuada das taxas de lucro, entre 1965 e o início da década de 1980, nos Estados Unidos e Europa. Entretanto, a partir de 1985, ela se recupera, o que pode ser atribuído a três razões básicas: uma recuperação econômica propiciada, justamente, pela ofensiva neoliberal e pelas contra-reformas conservadoras que retiram direitos sociais dos trabalhadores e promovem a flexibilização das leis que regem os mercados de trabalho; b) a incorporação de novos padrões tecnológicos e arranjos organizacionais, nas principais empresas; e c) o próprio desenvolvimento das atividades financeiras, com destaque para as operações especulativas.

Gráfico 1 – Taxa de lucro (%): “Europa” e Estados Unidos – Economia privada.

Fonte: NIPA (BEA); Fixed Assets Tables (BEA); OCDE; Comptes Nationaux Français (INSEE) apud Duménil e Lévy (2005, p. 90).

Nota: “Europa” refere-se a três países: Alemanha, França e Reino Unido. A taxa de lucro é a relação entre uma medida ampla da taxa de lucro (produção total líquida menos o custo total do trabalho) e o estoque de capital fixo, líquido da depreciação. Dessa maneira, os impostos (indiretos e sobre os lucros), os juros e os dividendos estão contabilizados nos lucros.

Por exemplo, a própria queda da taxa de lucro e a subutilização de capitais produtivos imobilizados exigem das organizações econômicas novas reestruturações que engendram avanços tecnológicos. A lógica é buscar, ao máximo, reduzir custos, ampliar a participação nos mercados e aniquilar a concorrência ou fundir-se a ela. Os recursos envolvidos nessas operações têm aumentado, abruptamente, porque depois da desregulamentação dos mercados e do crescimento da interdependência entre eles, a corrida concorrencial expandiu-se, largamente, para o plano mundial. Desta maneira, as grandes corporações alcançam maior capacidade de atuar em diversos espaços mundiais.

Pode-se, também, considerar que as grandes organizações industriais que partiram para um regime flexível de produção realizaram um upgrade tecnológico, em virtude da necessidade de ampliar mercados. Isto, levando em conta o contexto de acirramento da concorrência intercapitalista e, principalmente, o nível de concentração do capital financeiro que permite o acesso às vultosas poupanças em mãos dos mercados financeiros, disponíveis para empreendimentos daquela natureza.

Analisando o setor de manufaturas e de serviços, Chesnais afirma que, para as grandes empresas, “a estreita imbricação entre as dimensões produtiva e financeira do capital representam, hoje, um elemento inerente ao seu funcionamento cotidiano” (1996, p. 275). Basta observar que, no setor automobilístico, cada empresa importante da área de montagem de veículos conta com seu próprio banco, responsável por várias atividades rentáveis como vendas de seguros, financiamentos de veículos e autopeças, consórcios etc.

A participação do capital financeiro em empreendimentos industriais e de serviços não é nenhuma novidade, quando se trata de explicar a formação e a atuação dos grandes conglomerados monopolistas. Por exemplo, Hilferding ([1910]1985) foi um dos primeiros teóricos a expor que a formação de grandes empresas, com atuações produtivas no plano internacional e com capacidade de transformação da base produtiva, deveu-se, em grande medida, à concentração do capital bancário com participação crescente nos empreendimentos industriais.

A constatação de Hilferding foi que, da relação intrínseca entre o capital bancário e o capital industrial, surgiu o capital financeiro, a “forma mais elevada e abstrata” de representação do próprio capital ([1910] 1985, p. 27). O mérito desse

autor foi anunciar as implicações que essa relação traria para o futuro capitalismo monopolista. No entanto, na análise de Hilferding não se encontram referências de que o capital financeiro viesse a predominar sobre as frações do capital industrial. Suas análises estavam centradas nas particularidades do capitalismo austro- húngaro do século XIX. Brunhoff por exemplo, admite limitações no conceito de capital financeiro em Hilferding.

[...] não nos parece possível admitir a noção de capital financeiro, tal como ela é apresentada por Hilferding, qual seja, como um estágio particular do capitalismo, não mais levando em conta os elementos críticos e dialéticos ligados à noção de capital financeiro em Marx [...] Sem absolutamente negligenciar as diferenças históricas reais que levam a mudanças de formas, pensamos que há na noção de Hilferding uma insuficiência analítica que a deforma. (1978, p. 111).

Para a autora, a concepção de capital financeiro, em Hilferding, é limitada porque ela se restringe, apenas, à fusão entre capitalistas financeiros e industriais, que tinha, realmente, um papel essencial na concentração e centralização dos meios de produção dispostos à reprodução do capital, principalmente, na Alemanha do final do século XIX. Por outro lado, ele não deu ênfase à possibilidade de que pudesse haver um movimento na direção do descolamento das atividades financeiras da produção de valor na indústria.

Chesnais (1996; 2005) procura avançar sob a perspectiva de Hilferding e demonstrar que o capital financeiro não participa, somente, como um braço auxiliar do progresso industrial. Ele, agora, é, também, o responsável direto por conduzir o processo decisório nas grandes corporações e, na maioria dos casos, possui a propriedade dos ativos tangíveis das empresas. Além disso, o grau de concentração e centralização chegou a um nível tão extraordinário de acumulação de capital que os capitalistas financeiros buscam gerar riqueza, apenas, na circulação, extraindo, ao mesmo tempo, valores, das atividades industriais na forma de juros, da exploração de trabalhadores endividados e garantindo o acesso privilegiado aos orçamentos estatais, via dívida pública.

Esse processo de construção da hegemonia do capital financeiro foi lento e gradual. Da passagem da figura do empresário capitalista, do século XIX, para as chamadas sociedades anônimas, o capitalismo sofreu transformações que o próprio Marx só percebia através das leis da dinâ mica do capital. As sociedades por ações

desataram funções tradicionais de gestão e propriedade e deram impulso ao mercado acionário. Ao aglutinarem capitais de diversas fontes, produziram o avanço correspondente à capacidade de mobilizar grandes massas de capital. (BRAGA, 1997).

Isto significa dizer que, no capitalismo monopolista, os grandes grupos têm um caráter duplo de acumulação. Por um lado, tornaram-se organizações cujos interesses estão subordinados aos dos investidores institucionais28 e, por outro, continuam sendo locais de valorização do capital produtivo, sob forma industrial. (CHESNAIS, 1996, p. 276).