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O caráter motivacional do topônimo

No documento GEOMORFOTOPÔNIMOS HISTÓRICOS (páginas 35-38)

Mapa 10 – Geomorfotopônimos que nomeiam capelas e paróquias representados no mapa

1.5 O caráter motivacional do topônimo

Torna-se necessário, para contemplar os aspectos motivacionais do topônimo, es- clarecer a diferença entre signo linguístico e signo toponímico.

O século XX foi marcado pela teoria linguística estruturalista de Saussure (1857- 1913) que compreendia a língua como um sistema organizado de maneira estruturada e autô- noma e que não contemplava fatores históricos diferenciando-se, assim, da linguística histórico- comparativa do século XIX, conforme apresentam Coelho et al. (2015):

No início do século XX, Saussure, marco da corrente linguística denominada estrutu- ralismo, rompe com a tradição de estudos históricos e comparativos vigente no século anterior e delimita, como objeto de estudo da Linguística, a língua (langue) tomada em si mesma, vista como um sistema de signos que estabelecem relações entre si for- mando uma estrutura autônoma, desvinculada de fatores externos sociais e históricos. (COELHO et al., 2015, p.56)

Segundo os conceitos apresentados pelo filósofo suíço, Saussure, contempla-se a delimitação do signo linguístico considerando a relação arbitrária entre significante e signifi- cado, como é explicitado por França, Ferrari e Maia (2016):

Saussure propôs uma relação arbitrária entre significante e significado, de tal maneira que a associação de uma imagem acústica (significante) a um determinado conceito (significado) passa a ser concebida como imotivada. Portanto, descarta-se uma vincu- lação necessária entre ambos. (FRANÇA, FERRARI, MAIA. 2016, p.168)

Seguir a noção de signo linguístico permite afirmar que o ato denominativo com- preenderia um caráter arbitrário, tendo em vista que o nomeador poderia conceder um nome arbitrário ao referente. Essa noção, todavia, torna-se contrária à ideia de signo toponímico, dado que a Toponímia atribui caráter motivado aos signos. O que os diferencia, consoante ao que apresenta Andrade (2017, p.587), “é a função significativa quando a Toponímia os transforma em seu objeto de estudo”. Dick (1990a, p.37) não ignora o conceito de arbitrariedade do signo proposto por Saussure, mas se afasta dessa noção por considerar que o signo perde o caráter

20 GUERRA, A.T.; GUERRA, A. José T. Novo Dicionário geológico-geomorfológico. 6 ed. Rio de Janeiro: Ber-

arbitrário ao batizar um lugar, já que inclui a necessária motivação para que se conclua o pro- cesso de nomeação:

Muito embora seja o topônimo, em sua estrutura, como já se acentuou, uma fórmula de língua, ou um significante animado por uma substância de conteúdo, da mesma maneira que todo e qualquer outro elemento do código em questão, a funcionalidade de seu emprego adquire uma dimensão maior, marcando-o duplamente: o que era ar- bitrário, em termos de língua, transforma-se no ato do batismo de um lugar, em es- sencialmente motivado, não sendo exagero afirmar ser essa umas das principais ca- racterísticas do topônimo. (DICK, 1990a, p.38)

Ainda de acordo com a estudiosa (DICK, 1990a, p.39), o duplo aspecto da motiva- ção toponímica compreende dois momentos: a intencionalidade que anima o denominador (ao selecionar determinado nome para o acidente geográfico) e na própria origem semântica da denominação, “no significado que revela, de modo transparente ou opaco, e que pode envolver procedências as mais diversas”.

Essa característica motivacional compreendida nos topônimos permitiu estabelecer taxonomias21 que pudessem sistematizá-los segundo os principais fatores motivacionais.

Tratando-se do vínculo entre o topônimo e o lugar nomeado, seguindo-se os con- ceitos de natureza física e antropocultural considerados por Sapir22, definiu-se as 27 taxonomias que compreendem um procedimento metodológico proposto por Dick (1990b, p.31-34):

Taxonomias de natureza física:

1- Astrotopônimos: Topônimos relacionados aos corpos celestes em geral. Ex.: Estrela (AH BA); rio da Estrela (ES).

2- Cardinotopônimos: Topônimos relacionados às posições geográficas em geral. Ex.:

praia do Leste (PR); serra do Norte (MT).

3- Cromotopônimos: Topônimos relacionados à escala cromática. Ex.: rio Branco (AM);

rio Negro (AM).

4- Dimensiotopônimos: Topônimos relacionados às características dimensionais de aci- dentes geográficos. Ex.: ilha Comprida (AM); serra Curta (BA).

5- Fitotopônimos: Topônimos de índole vegetal. Ex.: morro da Mata (MT); Caatinga (AH, RJ).

6- Geomorfotopônimos: Topônimos relacionados à forma topográfica. Ex.: Montanhas (AH, RN); Monte Alto (AH, SP).

21 Neste estudo usamos o termo “taxonomia”, como consta dicionarizado no Dicionário Houaiss da Língua Por-

tuguesa (2099, p.1820), dado que a forma “taxionomia”, segundo o dicionarista (HOUAISS, 2009, p.1819), deve

ser evitada.

7- Hidrotopônimos: Topônimos resultantes de acidentes hidrográficos. Ex.: serra das

águas (GO), Água Boa (AH, MG).

8- Litotopônimos: Topônimos de índole mineral. Ex.: lagoa do Barro (BA); córrego do

Barreiro (AM).

9- Meteorotopônimos: Topônimos relacionados a fenômenos atmosféricos. Ex.: serra do

Vento (PB); cachoeira da Chuva (RO).

10- Morfotopônimos: Topônimos relacionados a formas geométricas. Ex.: Curva Grande (AH, AM); ilha Quadrada (RS).

11- Zootopônimos: Topônimos de índole animal. Ex.: rio do Boi (MG); lagoa da Onça (RJ).

Taxonomias de natureza antropocultural:

1- Animotopônimos: Topônimos relacionados a vida psíquica, à cultura espiritual. Ex.:

Vitória (AH, CE); Triunfo (AH, AC).

2- Antropotopônimos: Topônimos relacionados aos nomes próprios individuais. Ex.:

Abel (AH, MG); Fátima (AH, MT).

3- Axiotopônimos: Topônimos relacionados aos títulos e dignidades que se fazem acom- panhar os nomes próprios individuais. Ex.: Presidente Prudente (AH, SP), Doutor Pe-

drinho (AH, SC).

4- Corotopônimos: Topônimos relacionados aos nomes de cidades, países, estados, regi- ões e continentes. Ex.: Brasil (AH, AM); Europa (AH, AC).

5- Cronotopônimos: Topônimos que encerram indicadores cronológicos, representados, em Toponímia, pelos adjetivos novo/nova, velho/velha. Ex.: Velha Boipeba (AH, BA);

rio Novo Mundo (GO).

6- Ecotopônimos: Topônimos relacionados às habitações de um modo geral. Ex.: Casa da

Telha (AH, BA); Ocauçu (AH, SP).

7- Ergotopônimos: Topônimos relacionados aos elementos da cultura material. Ex.: cór-

rego da Flecha (MT); Jangada (AH, MT).

8- Etnotopônimos: Topônimos relacionados aos elementos étnicos, isolados ou não (po- vos, tribos, castas). Ex.: Guarani (AH, PE); ilha do Francês (RJ).

9- Dirrematotopônimos: Topônimos constituídos por frases e enunciados linguísticos. Ex.: Há mais tempo (AH, MA); Valha-me Deus (AH, MA).

10- Hierotopônimos: Topônimos relacionados aos nomes sagrados de diferentes crenças. Ex.: Cristo Rei (AH, PR); Jesus (rio GO). Subdivisões: Hagiotopônimos: Topônimos

relacionados aos santos e santas do hagiológio romano. Ex.: São Paulo (AH, SP); Santa

Tereza (AH, GO). Mitotopônimos: Topônimos relativos às entidades mitológicas. Ex.: ribeirão do Saci (ES); lago Curupira (AM).

11- Historiotopônimos: Topônimos relacionados aos movimentos de cunho histórico-so- cial e aos seus membros, assim como às datas correspondentes. Ex.: Independência (AH, AC); rio 7 de Setembro (MT).

12- Hodotopônimos: Topônimos relacionados às vias de comunicação, rural ou urbana. Ex.: Estradas (AH, AM); Avenida (AH, BA).

13- Numerotopônimos: Topônimos constituídos pelos vocábulos: vila, aldeia, cidade, po- voação, arraial. Ex.: Duas Barras (AH, BA); Duas Pontes (AH, RO).

14- Poliotopônimos: Topônimos constituídos pelos vocábulos vila, aldeia, cidade, povoa- ção, arraial. Ex.: rio da Cidade (RJ); serra da Aldeia (PB).

15- Sociotopônimos: Topônimos relacionados às atividades profissionais, aos locais de tra- balho e aos pontos de encontros de membros de uma comunidade. Ex.: Sapateiro (serra do, SP); Pescador (AH, MG).

16- Somatotopônimos: Topônimos empregados em relação metafórica à parte do corpo humano ou do animal. Ex.: Pé de Boi (AH, SE); Pé de Galinha (AH, BA).

Dentre essas taxonomias propostas por Dick (1990b), evidenciamos a dos geo- morfotopônimos, objeto de estudo desta pesquisa, explicitada na próxima seção deste capítulo. A escolha por esse procedimento metodológico se justifica por corresponder aos objetivos pro- postos neste trabalho, assim como por se revelar um procedimento eficaz considerando a reali- dade da Toponímia no Brasil, em conformidade às pesquisas realizadas que adotaram esse pro- cedimento metodológico. Um breve histórico dessas pesquisas é apresentado na última seção deste capítulo.

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