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O topônimo e o ambiente

No documento GEOMORFOTOPÔNIMOS HISTÓRICOS (páginas 30-32)

Mapa 10 – Geomorfotopônimos que nomeiam capelas e paróquias representados no mapa

1.3 O topônimo e o ambiente

Se o léxico da língua permite inferir traços de um povo por ser constituído pelo acervo cultural de uma sociedade, é possível afirmar que o léxico permite compreender o am- biente ou parte do ambiente de um povo, como apresenta Sapir (1961, p.49): “o estudo cuida- doso de um dado léxico conduz a inferências sobre o ambiente físico e social daqueles que o empregam”.

Para o linguista (1961), a divisão do ambiente é retratada da seguinte forma9:

Por fatores físicos se entendem aspectos geográficos, como a topografia da região (costa, vale, planície, chapada ou montanha), clima e regime de chuvas, bem como o que se pode chamar a base econômica da vida humana, expressão em que se incluem a fauna, a flora e os recursos minerais do solo. Por fatores sociais se entendem as várias forças da sociedade que modelam a vida e o pensamento de cada indivíduo. Entre as mais importantes dessas forças sociais estão a religião, os padrões éticos, a forma de organização política e a arte. (SAPIR,1961, p. 44).

Sapir (1961, p.45) completa a explicação ao explicitar a ação das forças sociais sobre o ambiente físico: “[...] o ambiente físico só se reflete na língua na medida em que atuaram sobre ele as forças sociais”. Dessa maneira, ainda que o léxico possa evidenciar aspectos da natureza física do ambiente, é a intenção do denominador e o seu interesse social por determi- nado traço físico, que determinará a nomeação, tendo em vista que “o interesse social determina a natureza do léxico” (SAPIR, 1961, p.47).

Dollfus (1982, p.9) diz que o espaço geográfico10 é diferenciado por compreender

fenômenos únicos em suas paisagens, assumindo, assim, que “uma paisagem nunca é exata- mente igual a outra”. Seguindo esse pensamento de que um espaço geográfico é único, contem- plando suas diferentes paisagens e fenômenos constituintes, Dollfus (1982, p.52) apresenta a relação entre o espaço geográfico e o homem:

O espaço geográfico é um espaço percebido e sentido pelos homens em função tanto de seus sistemas de pensamento como de suas necessidades. À percepção do espaço

9 A Geografia contempla o estudo tanto dos aspectos geográficos físicos (naturais) quanto dos aspectos geográficos

humanos (referentes à ação do homem sobre o ambiente físico). Desse modo, apresentamos a ressalva de que os fatores físicos considerados na divisão do ambiente apresentada por Sapir (1961, p.44), se referem aos aspectos geográficos de natureza física, ou seja, alguns elementos da topografia (referentes ao relevo), clima, fauna e flora, como apresenta o autor.

10 Segundo Dollfus (1982), professor de geografia na Universidade Paris VII-Denis Diderot, o espaço geográfico

é compreendido como: “Segundo uma acepção apenas aparentemente mais restritiva, é o espaço habitável, o

oekumeno dos Antigos, todo e qualquer espaço em que as condições naturais possibilitem a organização da vida

em sociedade”. Tratando-se de um espaço mutável e diferenciado “cuja aparência visível é a paisagem” completa: “Por conseguinte, surge o espaço geográfico como o esteio de sistemas de relações, algumas determinadas a partir dos dados do meio físico (arquitetura dos volumes rochosos, clima, vegetação) e outras provenientes das sociedades humanas [...] de toda essa tossitura pejada de densidade histórica a que damos o nome de civilização” (DOLLFUS, 1982, p.7-8)

real, campo, aldeia ou cidade, vêm somar-se ou combinar-se elementos irracionais, míticos ou religiosos. [...] Cada agrupamento humano possui uma percepção própria do espaço por ele ocupado e que, desta ou daquela maneira, lhe pertence. (DOLLFUS, 1982, p.52)

A maneira como o homem entende o espaço geográfico dependerá, portanto, da percepção coletiva que assume no espaço ocupado. Tratando-se da Toponímia, que se insere nas ciências lexicais, o ato denominativo contempla primeiramente, como aponta Dick (1990a, p.39), a intencionalidade do denominador ao nomear determinado acidente geográfico11, seja ele motivado por aspectos físicos ou antropoculturais do ambiente, retratando a realidade de determinado grupo social. Conforme explicita Suertegaray12 (apud NASCIMENTO, AN- DRADE, PEREIRA, 2018, p.1013) o ambiente, na área da Geografia, remete à relação natu- reza/sociedade “uma conjunção complexa e conflituosa que resulta do longo processo de soci- alização da natureza pelo homem”. Os autores completam:

Cavalcante (2006) apud Cavalcante e Santos (2013, p. 2) confirma que o ambiente é “um meio (re)produzido, como resultado das ações humanas acumuladas sobre o meio natural”. E complementa que seus “componentes refletem, sobretudo, uma complexa e dinâmica interação entre os processos históricos, socioculturais, econômicos e am- bientais” (p. 2). Nesta perspectiva, o ambiente é produto da relação dialética, sistêmica e complexa da sociedade e os aspectos físicos naturais de um espaço. (NASCI- MENTO, ANDRADE e PEREIRA, 2018, p.1013)

Compreendemos o topônimo como “o resultado da ação do nomeador ao realizar um recorte no plano das significações, representações, ou seja, praticar um papel de registro no momento vivido pela comunidade” (ANDRADE e DICK, 2012, p.197). Verificamos, dessa forma, a estreita relação entre o topônimo e o ambiente:

O topônimo não é algo estranho ou alheio ao contexto histórico-político da comuni- dade. Sua carga significativa guarda estreita ligação com o solo, o clima, a vegetação abundante ou pobre e as próprias feições culturais de uma região em suas diversas manifestações de vida. (DICK, 1990b, p.47)

O topônimo possibilita diferenciar os traços diversos das paisagens ao atribuir pro- priedades específicas que as singularizam. Porém, o distanciamento cronológico do período em que ocorreu a nomeação e, consequentemente, a ausência do denominador, torna difícil com- preender claramente a “intencionalidade” do denominador (Dick, 1990a, p. 50). Nesse ponto, salienta-se o valor do topônimo ao compreender o que Dick (1990b, p.20) considera como “fós- sil linguístico”. Trata-se do topônimo que compreende o desaparecimento de suas causas

11 Dick (1990a, p.39) considera como acidente geográfico físico: “rio, lago, morro, montanha, etc..” e acidente

geográfico humano: “vila, povoado, cidade, rodovia, ponte, etc...”

12 SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Ambiência e pensamento complexo: Resignific(ação) da Geografia.

In: SILVA, A. D.; GALENO, A. (Org.). Geografia – Ciência do Complexus. Ensaios Transdisciplinares. Curitiba: Ed. Sulina; UFPR, 2004, p.196.

motivadoras, certamente, diante da distância cronológica compreendida entre o ato denomina- tivo e o apagamento do seu sentido original, sobrevivendo como um fóssil. Destarte, salienta Dick (1990b):

[...] alguns estudiosos da Toponímia procuram, assim, defini-lo em razão da impor- tância de que se reveste como fonte de conhecimento, não da língua falada na região em exame apenas, como também de ocorrências geográficas, históricas e sociais, tes- temunhadas pelo povo que a habitou, em caráter definitivo ou temporário. (DICK, 1990b, p.20)

O topônimo é compreendido como um patrimônio imaterial na medida em que pos- sibilita resgatar informações históricas e culturais que, com o tempo, se perderam e foram es- quecidas, tornando-se um nome que não compreende mais a relação com a realidade atual de um povo. Desse modo, mantendo-se igual, ou com pequenas mudanças, ou seja, cristalizado, o topônimo reserva o caráter de “testemunho histórico” por gerações:

Se a Toponímia situa-se como a crônica de um povo, gravando o presente para o co- nhecimento das gerações futuras, o topônimo é o instrumento dessa projeção tempo- ral. Chega, muitas vezes, a se espalhar além de seu foco originário, dilatando, conse- quentemente, as fronteiras políticas, e criando raízes em sítios distantes. Torna-se, pois, a reminiscência de um passado talvez esquecido, não fora a sua presença dinâ- mica. (DICK, 1990a, p.22)

Neste estudo, evidenciamos a possibilidade desse resgate, posto que apresentamos como objetos de pesquisa topônimos históricos, relativos à topografia associada ao relevo, co- letados em mapas de Minas Gerais do período Colonial e Joanino. Apresentam Santos e Seabra (2012, p.246), por meio do estudo de topônimos históricos em mapas da Capitania de Minas Gerais:

Por ser iconicamente simbólico, o nome de lugar nos fornece valiosas informações: i) aponta a origem histórica de povos antigos e a localização, com precisão, de sítios desaparecidos, ii) oferece descrições precisas de relevos, apontando paisagens que já tenham desaparecido em decorrência da ação antrópica ou da natureza; iii) indica a localização de nomes de rochas, estruturas do solo, locais antigamente minerados; iv) aponta um amplo corpus de nomes de lugares que se refere à fauna atual ou desapa- recida; v) indica um vasto repertório popular que designa espécies vegetais; vi) for- nece conhecimento sobre a vida religiosa, agrícola, etnológica, dentre muitos outros dados. (SEABRA e SANTOS, 2012, p.246)

No documento GEOMORFOTOPÔNIMOS HISTÓRICOS (páginas 30-32)