• Nenhum resultado encontrado

5. ANÁLISES E DISCUSSÃO

5.1. Repertórios sobre adolescência

5.1.1. Caracterização da adolescência

Dentre os repertórios utilizados pelos jovens pais para falar sobre a adolescência, muitos, como já era de se esperar, a legitimam como etapa delimitada da vida, possuidora de determinadas características e pela qual todos os seres humanos passam, assumindo suas prerrogativas. Nos trechos abaixo pode-se observar a adolescência como um atributo relacionado à faixa etária:

Laís:Você se considera adolescente? Alex: Considero.

Laís: Por quê?

Alex: Porque é minha idade.

Laís: Você se considera adolescente Cleyton? Cleyton: Considero.

85

Cleyton: Por causa da minha idade né. E pela mente também e por algumas experiências que eu tenho.

Além da faixa etária, a maioridade, considerada um marco legal, também é muito referida entre os jovens como um momento que os impulsiona para um outro patamar. Neste sentido, ser de maior e ser de menor justifica exigências e práticas diferenciadas:

Laís: Você se considera adolescente Ronaldo?

Ronaldo: Por uma parte eu me considero ainda que, 18 anos, apesar que é de maior já, tudinho, mas eu me torno adolescente porque eu vejo muitas coisa aí, tem vezes que eu fico brincando com os menino lá, os pirraia: “oxe, tá que nem criança”, eu: “tá que nem não, eu sou criança ainda véi”. Eu tô numa fase ainda de crescimento ainda, tudinho, que por um lado eu me sinto adolescente, por outro eu já me sinto querendo ser o tal lá dentro de casa, falo alto, tudinho, mas depois eu fico, quando eu falo alto eu fico pensando, “oxe, vou tá falando alto, minha mãe aí ainda, tudinho”, mas eu me sinto ainda adolescente e me sinto adulto.

É porque os filhos é bom a pessoa ter os filhos, mas só que quando veio eu era de menor, não sabia, não tinha noção muito do tempo, hoje em dia eu tenho porque sou de maior, antigamente, de menor, não tinha noção de nada, só queria saber de ficar com as mulher, e não querer saber (Rodrigo).

Supõe-se que a utilização desta referência pode estar relacionada à criminalidade como parte da cultura da comunidade pesquisada e às dimensões envolvidas neste contexto. É a partir da maioridade que os jovens passam a poder ser punidos legalmente pelos crimes que cometem. Para tornar tal afirmação mais clara, um exemplo pode ser ilustrativo: quando a pesquisadora trabalhava com este público, em 2006, um jovem que estava lhe contando sobre os crimes que já havia praticado disse não ter nenhum homicídio “nas costas”, porque os dois que cometeu ainda era de menor. Ou seja, o alcance da maioridade exigiria o abandono de alguns comportamentos e a adoção de outros, como se ser de menor fosse um momento à parte da vida dos jovens.

86

Um outro aspecto que não condiz com o fim da adolescência e que às vezes aparece como também incongruente com o alcance da maioridade diz respeito à noção de dependência.

Laís: Você se considera adolescente? Rodrigo: Se eu me considero adolescente? Laís: É.

Rodrigo: Eu acho que sim. Laís: Por que Rodrigo?

Rodrigo: Porque eu moro com a minha mãe ainda e não tenho o caminho certo pra onde eu querer ir. Tem que ser pela minha mãe, por isso que eu me considero um adolescente.

Tal idéia encontra-se em consonância com a discussão desenvolvida por Brandão (2004) sobre independência e autonomia. Segundo esta autora a autonomia é “compreendida como auto-determinação pessoal, e a independência, concebida como auto-suficiência econômica” (BRANDÃO, 2004, p. 63). Estes jovens decidem sobre suas relações, os lugares que freqüentam, os comportamentos que adotam, mas em poucos casos se sustentam financeiramente e/ou têm casa própria. Ademais, aparecem com freqüência nas entrevistas repertórios que identificam a adolescência como uma fase para a curtição e o descompromisso, quando os jovens não têm muito com o que se preocupar e nem responsabilidades para assumir. Pontos ligados a esta reflexão já foram discutido por alguns autores, como por exemplo, Margareth Arilha (2001), Sérgio Ozella (2003), Tânia Salem (2004), Elaine Brandão (2004), dentre outros. Os trechos a seguir são ilustrativos:

...prum adolescente uma vida é sair, é curtir a vida por aí (Alisson).

Laís: E idade, você acha que existe uma idade ideal pra ser pai? César: Existe.

Laís: Existe? Qual seria?

César: Mais ou menos 30 anos. Laís: Por que César?

87

...era assim inexperiente, menino novo, começando agora, ta entendendo? Era um menino, tipo assim, que não ligava pra vida, não queria saber de nada, só queria saber de curtição, de balada (MC).

Os repertórios sobre a falta de compromisso e primazia da curtição muitas vezes se mesclam com aqueles que ressaltam a imaturidade e a inexperiência.

...é assim mesmo, é porque, imaturidade, tentava né, não tinha experiência, menino novo, 16 anos é uma criança (MC).

Aí minha vida sempre foi um aperto professora, eu dou graças a Deus pra não pensar, nunca pensei em entrar numa vida errada. Porque um adolescente que nem eu não ia agüentar passar o que eu passei assim. Sufoco, desprezo. Era aquelas coisa todinha ainda na vida de hoje (Charles).

...esses adolescentes né, como a gente, em dia de hoje que não tem cabeça pra funcionar no mundo, que pensa que é chegar fazer uma filha e botar no mundo, não é assim não (Charles).

...no meu jeito de ser eu sou adolescente ainda, que eu não sei o que é a vida ainda não. Fiz muita coisa errada, mas não sei o que é a vida não (Anderson).

Ia ser diferente porque meu pensamento quando eu tava com 15 anos, e agora que tô com 17, tô com mais experiência. Porque eu era todo ameninado, assim, o que os outros me chamava eu ia (Alex).

São estes sentidos sobre a adolescência, presentes nos repertórios dos jovens pais entrevistados, que entram em atrito com os sentidos de paternidade, que serão discutidos em itens posteriores. Comportamentos de curtição, irresponsabilidade, descompromisso, imaturidade e inexperiência são incompatíveis com o que se espera de um pai.

88

Também de acordo com as idéias que patologizam e tomam a gravidez, a paternidade e a maternidade na adolescência como um problema, os jovens participantes consideram suas idades inadequadas para a paternidade. As palavras de Ronaldo podem exemplificar esses repertórios que qualificam de precoce tal acontecimento: ...eu fiquei pensando, eu novo, 15 anos, ser pai, tudinho, aí.... Outro exemplo é este trecho da entrevista com MC:

...tem vezes que eu fico até meio assim, porque eu sou muito novo, tá entendendo? Sou muito novo, sou muito nova... sou muito novo, muito novo e muito assim tá entendendo? 19 anos, tem vezes que eu fico assim, uns homens mais maduros assim, tipo 40 anos, tá entendendo? Aqueles pais, eu fico imaginando, poxa, eu novo, 19 anos, eu já sou pai, tá entendendo? Novo, nem... podendo ter criança assim, tá entendendo?

Em suas práticas discursivas, os jovens reforçam a idéia de que esta não é uma opinião só deles, mas também de outras pessoas com quem se relacionam, sejam familiares, amigos ou outras pessoas da comunidade:

Laís: Criticavam é? Dizendo o que?

Cleyton:Que não era pra ter o filho, que era muito jovem, pra tirar.

Laís: E quem é Cleyton que criticava? Quem é que falava essas coisas? Cleyton: A família dela, quando era... mandando ela tirar o filho. Dizendo que não queria ter, que eu era jovem demais, né véi, ela também.

Os repertórios construídos nesta perspectiva justificam a falta de compatibilidade entre adolescência e paternidade fazendo uso das características expostas no item anterior e da necessidade de mudança – forçada – exigida pela nova condição de pais.

Laís: E você acha que existe uma idade ideal pra ser pai? Cleyton: Acho que depois de 20 anos.

Laís: Depois de 20 por que Cleyton?

Cleyton:Pra pessoa estar mais, mais madura, né. Já sabe o que é as coisas já.

89

Eu digo, não presta não, a idade máxima assim pra ser pai é uma idade superior mesmo, 20 e poucos anos, já quase uns 30. Porque ali já tem cabeça, já aproveitou a juventude (Charles).

... quem é jovem mesmo, de 16 anos, 17, no máximo, a idade ideal pra pessoa ser pai, pra mim é já numa idade certa assim, 20 e poucos anos, uma idade máxima assim, porque adolescente no dia de hoje não tem cabeça não, porque assim, eu fui adolescente, eu tive a minha filha, mas eu também queria ter minha liberdade de dançar o brega, tomar uma cerveja (Charles).

Os repertórios relacionados às mudanças que a paternidade precipita na vida dos jovens giram em torno do fim desta fase, na medida em que devem assumir mais responsabilidades, curtir menos e trabalhar para o sustento da criança.

Sei lá, eu fiquei, oxe, sei não. Eu disse “poxa, minha juventude vai se acabar agora?”. Fiquei pensando muitas coisas, que antes, eu... era o livre arbítrio, agora não, agora só tenho que trabalhar pra minha família agora. Aí fica difícil né. A gente assim, ter filho, filho cedo, assim é... de menor, é ruim demais. Acaba a juventude da gente todinha, a gente só tem que se dedicar a eles (César).

...eu digo assim, para quem são jovens, como fui, que espere um pouco, não vá tão rápido assim, tá entendendo? Procure, assim, quando você tiver em situação melhor, quando você tiver trabalhando (MC).

São estes sentidos sobre adolescência e os repertórios sobre as mudanças exigidas pela paternidade que permitem a compreensão dos posicionamentos dos jovens em relação a esta dita fase da vida.