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5. ANÁLISES E DISCUSSÃO

5.2. Repertórios sobre paternidade

5.2.3. Posicionamentos dos jovens em relação à paternidade

Ora, se, como abordado em itens anteriores, os jovens pais alegam que devem servir de exemplo para os filhos, dando-lhes condições de crescerem e se desenvolverem como cidadãos de bem, há uma incompatibilidade entre tais exigências e a participação no mundo do crime e o tráfico e/ou uso de drogas. Assim, dentre os enunciados construídos pelos jovens pais, comumente nota-se uma referência à necessidade de mudança de vida após o nascimento do filho. Tais mudanças seriam responsáveis pela adoção entre os jovens pais de outros posicionamentos que refletem além das atribuições ligadas ao exercício da paternidade, como já citado, uma preocupação em relação à preservação da vida.

Isto é, a produção de práticas discursivas relacionadas a uma mudança no estilo de vida e nas ações dos jovens pais sugere a adoção de posicionamentos que delimitam um antes e um depois, tendo como marco transitório a paternidade. Antes os jovens posicionavam-se como possuidores de uma vida desregrada e repleta de práticas condenáveis, não eram boa peça, aprontavam, se envolviam em transações

erradas e arriscavam a vida. Depois da paternidade, passaram a galgar

posicionamentos mais próximos dos sentidos de cidadãos de bem, pais responsáveis pelos filhos, que por isto precisam dar o exemplo e conservar a vida.

...eu vivia na rua direto, vivia na rua, oxe, era... agora não, agora tenho responsabilidade. Que antes não, antes eu vivia na rua mesmo, não queria, não ia nem pra casa, ficava com transação errada, pelo meio da rua. Porque não tinha aquela responsabilidade, só tinha por mim só, se eu... antes eu pensava assim, se eu morrer hoje, amanhã faz é dia, eu não devo nada a ninguém e pronto. Eu imaginava assim né, que nada, a vida pra mim é... mas não, quando a gente vê um filho, assim, quando a gente tá botando um filho no mundo e chega ali na maternidade, tudinho, oxe... a gente, a gente, a gente pensa viu. A gente pensa duas vezes agora, que agora, oxe, o quê? Antigamente eu dizia não, se eu morrer, amanhã faz

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dois dias e tá bom e não deixo, não tenho filho, não tenho a patotinha, eu dizia assim, não tenho a patotinha que eu botei no mundo, pronto. Já imaginava assim, né, mas agora não, agora, oxe, tenho o maior medo de que acontece alguma coisa comigo e deixar meus filho aí na mão dos outros (César).

Eu tomei mais consciência é claro, né, porque a gente vai fazer alguma coisa errada hoje, poxa, se acontecer... e Rakelle? E se eu for preso? E a menina? E se... a gente pensa antes. Não quer dizer que não pensava também, mas é, a pessoa pensa em quê? Na filha. E antes a gente só pensava em quê? Em... em nada, na gente mesmo pra não se ferir. Pensava em ninguém (Rhysse).

Desta maneira, além de mudanças quanto à participação no mundo do crime e ao uso e tráfico de drogas, são construídos posicionamentos que distanciam os jovens do cotidiano da rua, espaço não apenas de realização das transações

erradas, mas também de atividades muitas vezes relacionadas à falta de

responsabilidades ou compromissos: jogar bola, brincar, beber e jogar conversa fora com os amigos. Deixar o espaço da rua implica, nas narrativas dos jovens, nem sempre estar trabalhando, estudando ou cuidando do filho, mas simplesmente estar em casa, longe de práticas incompatíveis com o exercício da paternidade, como pode ser ilustrado no trecho a seguir: mudou algumas coisas em mim, que eu era

muito, só vivia muito pela rua, depois que eu tive essa menina, fui pai, peguei e fiquei mais preso dentro de casa, só (Ronaldo).

Tal prática pode estar vinculada aos sentidos de paternidade, já mencionados anteriormente, que reforçam a adoção de alguns posicionamentos a serem assumidos pelos homens para que sejam os guardiões da dignidade do lar. Há que se destacar também a importância da paternidade para que os jovens assumam dimensões referentes à masculinidade hegemônica, de modo a posicionarem-se como homens e viris (COSTA, 2002).

É bom ser pai, né, pelo uma parte, a gente também, a gente dá respeito a nossa família, porque agora, a turma, a turma acredita mesmo que a gente tem... que a gente é o homem, porque agora a gente tem um filho, botou um filho no mundo, nesses tempo, porque antes a turma não pensava que

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a gente ia... que eu era um... cara que ia, ia ser assim, um cara digno de mim mesmo, da minha família, de tá chegando ali, de ter aquela responsabilidade (César).

Além destes fatores, faz-se oportuno referir a importância atribuída pelos jovens participantes aos momentos nos quais os filhos os posicionam como pais34. Este posicionamento dos jovens como pais advindos das crianças são verificados quando estas nomeiam os jovens de pai. Ou seja, há uma valorização dos jovens quando o filho os chama de pai. O contrário também esteve presente nos enunciados de alguns jovens que mencionam certo desapontamento quando não são chamados de pai pelos filhos. Os exemplos a seguir demonstram tais assertivas:

...o meu relacionamento com ela, é só isso mesmo que eu não tô convivendo muito com ela, não tô falando com a minha filha, minha filha tá crescendo, tá... tem vezes que ela nem me chama de pai, fica me chamando de Ronaldo, e eu não gosto. Por causa que eu não convivo com ela, já com a mãe dela não, ela fica “mamãe, não sei quê, mãe, mãe, mãe...” e comigo, ela não, tem hora que ela não me chama de pai, tem hora que ela fala “Ronaldo, não sei quê”, eu não gosto (Ronaldo).

...eu tô achando bom, né. Uma... como é que se diz? Agora me esqueci a palavra. Tô achando bom, sempre quando eu chego nos canto, a gente quer... os meus amigo brinca com ela, fica dizendo que eu sou pai dela, aí eu acho bom ela sempre diz que... aponta, os menino pergunta quem é o pai dela, ela aponta pra mim. Tô achando uma experiência legal, ficar com ela (Rafael).

Por fim, pode-se salientar o posicionamento de alguns jovens pais como impotentes por não estarem junto com a mãe do filho. Ao se posicionarem como pais menos capazes, incompetentes, dentre outras atribuições negativas, os jovens reforçam os repertórios que julgam a presença da mãe como imprescindível e os pais como coadjuvantes (TRINDADE; MENANDRO, 2002). Ademais, expressam o desejo de, como pais, possuírem e poderem oferecer aos seus filhos uma família nuclear, que permitiria que se posicionassem não só como homens e pais, como já

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discutido anteriormente, mas também como pais/chefes de família, de acordo com os ideais que ainda permeiam os sentidos de família (COSTA, 2002; SARTI, 2007).

Laís: ...E como é você como pai?

Rhysse: Impotente. Porque não tem a mãe. (...)

Laís: Você disse que se sente um pai impotente porque tá sem a mãe. Se fosse com a mãe, o que é que você acha que mudaria se tivesse a mãe? Rhysse: Oxe, a gente tava junto agora, eu ia chegar em casa agora ia tá lá Rakelle lá. A mãe dela ia tá lá, “cadê precisa de alguma coisa?”, “Óa, Rakelle hoje perturbou”. Essas coisas de família mesmo quando... que eu sou pai, mas eu não tenho essas coisas.

Assim, há que se notar que repertórios tradicionais e limitantes sobre paternidade e família convivem com as diferentes experiências processadas por estes jovens pais, dando origem a contradições, frustrações e necessidade de rearranjos.