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5. ANÁLISES E DISCUSSÃO

5.3. Repertórios sobre família

5.3.2. Configurações familiares

Tendo em vista a exposição da unidade doméstica de cada um dos jovens pais participantes desta pesquisa no item destinado à apresentação destes35, aqui, não serão retomadas tais informações. Entretanto, faz-se importante ressaltar que é possível identificar, nos repertórios construídos pelos jovens, tensões entre unidade doméstica – que caracteriza a vida familiar a partir da moradia – e rede familiar – que estende a noção de família para além do espaço doméstico, deixando sobressair a partilha de recursos (FONSECA, 2005), inclusive os afetivos. Este

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trecho é ilustrativo: ...família é quando a pessoa mora junto tudinho, mora a mãe, o

pai, a filha. Mas um morando ali, outro morando ali é... é considerado uma família né (Cleyton).

Assim, fica claro a volatilidade das concepções sobre família entre os jovens, que vão deste o morar junto até a consideração por afinidade. Isto pode se dever às constantes desavenças citadas pelos jovens entre aqueles que poderiam ser classificados como pertencentes à mesma família e o afeto e relação de suporte e proximidade desenvolvidos com outras pessoas. O trecho a seguir pode exemplificar os desentendimentos entre os membros da família de origem do jovem e a conseqüente intensificação de seu relacionamento com a mãe do filho.

Aí é aí, desde esse dia aí a gente começou, a minha mãe, meus irmãos, tudo começou a... como é que eu posso dizer? A um ter raiva do outro, porque minha mãe tem um terreno grande, dá pra fazer mais três casas, e a casa dela no meio, e ela não quer dar nem um pedacinho de terra, aí a gente começou a ficar mais próximo (Charles).

Com isto, é comum que nas práticas discursivas dos jovens pais sobre quem são as pessoas que consideram como sua família serem incluídos amigos e parentes com quem possuem uma relação de afeto e apoio, ao passo que, alguns parentes mais próximos, com quem podem, inclusive, dividir a mesma moradia, são ausentados. Desta forma, há que se considerar que a família por afinidade é um aspecto relevante apreendido nos repertórios dos jovens entrevistados.

Laís: Quem são as pessoas que você considera a sua família?

Ronaldo: Minha mãe, minha vó que tá com 102 anos, aí eu digo que é minha família mesmo. Algumas tia minha, a outra vó também, mãe da minha mãe, eu gosto muito dela, e, alguns dos meu primo, porque não é nem todos que eu considero meu primo, porque pela frente é uma coisa, por trás é outra, falo só por falar mesmo, mas... Essas pessoas que é minha família mesmo, minha mãe, meus irmão, e minhas vó e algumas das minha tia.

Laís: Quem são as pessoas da sua família, que você considera sua família?

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Rafael: Meus irmão, minha mãe, a mulher que tá comigo agora, minha vó também, passei uns tempo ela me criando, é uma pessoa muito severa também, e tenho um amigo que eu conheço ele já faz um tempo, que eu considero meu irmão.

MC: ...mas também depende da família, né, porque assim, tem família também, porque tem gente da rua que é mais família de que as pessoas das próprias casa, tá entendendo?

Laís: Tô.

MC: Que é mais unido, feito um colega, pronto, feito eu e você agora. Eu tô conversando com você aqui, você pode ser a minha família, uma pessoa pr’eu desabafar, conversar, pode ser como uma irmã pra mim, porque tem g... tem família, tem irmão, mas não tem esse... não tem esse diálogo, esse dialogando como com você assim, tá entendendo? Não tem aquele clima, fica um clima, a própria família fica né, com aquele, aquela briga, aquela intriga.

Assim, parece que para os jovens, as configurações familiares se constituem dos parentes que podem ser considerados família e das outras pessoas que podem ser consideradas parentes. Estas pessoas, como demonstração do afeto e da consideração, são chamadas de segunda mãe, como se fosse um irmão, etc. No entanto, é importante destacar que tornar-se pai não foi citado como elemento que precipitou modificações nas configurações familiares dos jovens. Ao que parece, as relações afetivo-sexuais36 são muito mais determinantes para tais mudanças do que o nascimento de um bebê.

Este evento implicaria, nas narrativas dos jovens, em modificações no estilo de vida, na adoção de comportamentos mais responsáveis e comprometidos, mas não necessariamente em alterações de suas configurações familiares além da inclusão do filho na sua lista de pessoas da família, como pode ser ilustrado por esta fala de Jesus: Poxa, pra mim uma família, ela é legal, uma família pra mim, é minha

mãe, meu irmão, meu pai. Minha família, meus filho, é minha família.

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Pode-se supor que esta falta de referência a novas configurações familiares a partir do nascimento de um filho se deva às já citadas tensões entre unidade doméstica e rede familiar, na medida em que, na maioria das vezes, a criança não reside com o jovem. Deste modo, sem que faça parte de sua unidade doméstica, o filho não é referido como marco para alterações nos arranjos familiares dos jovens. Presume-se também que a pouca referência aos filhos concebidos em relações anteriores por parte de alguns jovens que são casados e convivem com os filhos da relação atual esteja relacionada a estas tensões e ao tipo de relação afetivo-sexual na qual a criança foi gerada.

Ademais, os jovens entrevistados constroem em seus argumentos uma distinção entre as suas famílias de origem e a família que construíram, ou que gostariam de construir, a qual lhes impõem que assumam outros comportamentos. Esta “nova” família viria com a exigência de um novo lar e, por conseguinte, com o reconhecimento do jovem como homem digno.

...minha família agora é a minha mulher e a minha filha. Tá entendendo? Agora eu tive minha mãe assim, agora a partir do momento que você tem responsabilidade, você tem filho, tem filha, você já é um homem, então você construiu a sua família. Então, você vai ter que ter responsabilidade com a sua família, a sua família é aquela, independente da sua mãe (MC).

A partir do momento que minha filha ia nascer, eu queria ter uma casa pra criar minha filha com a mãe dela (Charles).

Neste sentido, a despeito da diversidade de arranjos familiares, nas falas de alguns dos jovens, o desejo de possuir uma família nuclear se mantém. Em contrapartida, para outros jovens, a construção de uma família não remete, necessariamente, ao esquema nuclear, este, mesmo presente, pode agregar outras pessoas, como foi salientado por Alex quando referia a construção de uma nova família. Ao ser questionado pela pesquisadora Quem é essa sua nova família? O jovem respondeu: Quem que é? É minha sogra, meu sogro, meu cunhado, minha

cunhada, minha... a mãe do menino.

Pode-se concluir, portanto, que, tendo em vista as tensões entre os sentidos de família que perpassam as noções de unidade doméstica e rede familiar, os arranjos familiares entre os jovens entrevistados é bastante diversificado,

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independente da paternidade. O que parece importar para as configurações familiares são os suportes oferecidos pelas relações estabelecidas. Se há afeto e apoio, há uma relação familiar, mesmo que esta seja construída com a mãe, a companheira, uma tia velha ou um amigo. E esta relação é extensiva a quem fornece apoio no que se refere à paternidade. Se existirem, são estas as alterações que o nascimento de um filho trás para as configurações familiares dos jovens: a organização e a oferta de suporte no que diz respeito à paternidade.