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Caracterização da Biblioteca Pública segundo a UNESCO

1 AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS E A INFOINCLUSÃO : revisão de literatura

1.3 Caracterização da Biblioteca Pública segundo a UNESCO

A UNESCO (United Nations Educational Scientific and Cultural Organization) através de seu Manifesto sobre as Bibliotecas Públicas (1994) define os princípios fundamentais e estabelece que “a biblioteca pública é o centro local de informação, tornando prontamente acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento e a informação de todos os géneros”. E torna explícitas as missões chave da biblioteca pública, relacionadas com a alfabetização, a educação e a cultura, sendo elas a saber:

1. Criar e fortalecer os hábitos de leitura nas crianças, desde a primeira infância;

2. Apoiar a educação individual e a auto-formação, assim como a educação formal a todos os níveis;

3. Assegurar a cada pessoa os meios para evoluir de forma criativa;

4. Estimular a imaginação e criatividade das crianças e dos jovens;

5. Promover o conhecimento sobre a herança cultural, o apreço pelas artes e pelas realizações e inovações científicas;

6. Possibilitar o acesso a todas as formas de expressão cultural das artes do espectáculo;

7. Fomentar o diálogo inter-cultural e a diversidade cultural; 8. Apoiar a tradição oral;

9. Assegurar o acesso dos cidadãos a todos os tipos de informação da comunidade local;

10. Proporcionar serviços de informação adequados às empresas locais; associações e grupos de interesse;

11. Facilitar o desenvolvimento da capacidade de utilizar a informação e a informática;

12. Apoiar, participar e, se necessário, criar programas e actividades de alfabetização para os diferentes grupos etários (IFLA/UNESCO, 1994).

Sua versão actualizada de 1994 foi traduzida para mais de vinte países, evidenciando a importância do mesmo para o desenvolvimento das bibliotecas públicas. A relevância do Manifesto é exteriorizada por Ventura (2002, p. 82) quando classifica o mesmo como o “mais importante documento geral e de referência consensual no universo das bibliotecas públicas”.

Após a publicação da versão de 1994, do Manifesto para bibliotecas públicas, a IFLA / UNESCO através da Comissão da Secção de Bibliotecas Públicas, nomeou um grupo de trabalho, presidido por Philip Gill, para elaborar uma versão mais pormenorizada do Manifesto. Esse estudo foi motivado pelo grande impacto apresentado a nível mundial em relação ao “Manifesto” e apresentou novas linhas orientadoras através de normas práticas, para que as bibliotecas públicas pudessem utilizar no desenvolvimento dos serviços ofertados à comunidade.

Os documentos anteriormente publicados pela IFLA, em 1973, o Standarts for public libraries, bem como suas versões posteriores, até a sua substituição em 1986, pelo Guidelines for public libraries, foram considerados ultrapassados considerando o crescimento extraordinário ocorrido nos últimos

anos em relação ao desenvolvimento das tecnologias da informação. Conforme explica Gill (2003, p. 16):

Nos últimos anos, os avanços rápidos e extremamente interessantes no domínio das tecnologias da informação revolucionaram a forma como as tecnologias da informação e das comunicações está a permitir o acesso à informação de formas praticamente inimagináveis. […] São poucos os sectores de actividades que não foram afectados, e a biblioteca pública, defronta-se com o desafio de mudanças radicais em todos os aspectos da sua organização e da prestação de serviços.

Estes documentos contemplavam normas quantitativas e qualitativas, sejam elas em relação ao tamanho das colecções, horário de abertura das bibliotecas, níveis de pessoal e normas para construção de edifícios, ou através de recomendações baseados em experiências experimentadas por bibliotecas de diferentes países, mas como estas bibliotecas, possuíam diferentes estágios de desenvolvimento, resultava inevitavelmente em recomendações pouco fiáveis. No estudo desenvolvido pelo grupo de trabalho, muitas questões foram levantadas, dentre elas se seria possível a preparação de uma nova versão que fosse de uso prático para bibliotecários cujas bibliotecas possuíam diferentes níveis de desenvolvimento, inclusivamente em relação à disponibilização das tecnologias de informação e comunicação. Com o objectivo de levantar opiniões pertinentes a estas questões, em Agosto de 1998, foi realizado um seminário em Noordwijk, na Holanda, para debater a forma que deveria apresentar essa nova edição. No evento participaram vinte e dois bibliotecários de vinte e um países, que representaram bibliotecas públicas com diferentes realidades de desenvolvimentos. Os participantes manifestaram a necessidade de incluir nessa nova versão “algumas normas práticas e não se limitasse a directivas e recomendações”. Antes da versão final do documento, algumas versões preliminares foram sendo elaboradas e a medida que iam sendo preparadas, eram encaminhas para apreciação dos participantes do referido seminário, bem como outros a outras pessoas que manifestaram interesse em participar do projecto (GILL, 2003, p. 13-15). Finalmente em 2001 foi publicado pela

IFLA/UNESCO, o resultado desse estudo, intitulado “Os serviços da Biblioteca Pública: directrizes da IFLA/UNESCO (2001) ”. Na visão de Philip Gill, o mérito do trabalho deu-se pelo seguinte motivo:

Esse processo de consulta constituiu um elemento de valor inestimável para o projecto e revelou tanto a força da biblioteca pública em todo o mundo como as semelhanças e diferenças das bibliotecas públicas em sociedades e países diversos(GILL, 2003, p. 15).

Na concepção de Furtado (1999, p.19) as modificações efectuadas no Manifesto da UNESCO na versão de 1994, não apresentaram profundas alterações em relação a anterior de 1972, verificando-se apenas uma adaptação ao “novo ecossistema” e uma “linguagem mais adequada ao novo contexto social”.

[… ] a biblioteca pública, que em 1972, era uma instituição de ensino, de cultura e de informação, é agora “porta de acesso local de informação”; a missão “educação” educação é agora explicitada em vários pontos: “apoiar a educação individual e a autoformação, assim como a educação formal a todos os níveis”, “facilitar o desenvolvimento da capacidade de utilizar a informação e a informática” ou ainda “apoiar, participar e, se necessário, criar programas e actividades de alfabetização para os diversos grupos etários”, a nível cultural refere-se que a biblioteca pública deve “assegurar a cada pessoa os meios para evoluir de forma criativa”, “estimular a criatividade das crianças e dos jovens”, “promover o conhecimento sobre a herança cultural, o apreço pelas artes e pelas realizações e inovações científicas”, “possibilitar o acesso a todas as formas de expressão cultural das artes e dos espectáculos”, “fomentar o dialogo inter-cultural e a diversidade cultural” e “apoiar a tradição oral” (FURTADO, 1999, p.19).

Para Furtado (1999, p. 20) as mudanças mais significativas do Manifesto, na versão de 1994, estão relacionadas com a “questão da gratuidade de acesso”, deixando de ser “prescritivo” para ser “em princípio”; e, em relação ao enquadramento legal, onde houve alteração da frase “deve ser financiada na totalidade pelo Estado ou pelas colectividades locais” para “a biblioteca pública é de responsabilidade das autoridades locais e nacionais”. Ainda apresentou alteração em relação ao suporte impresso, em 1974 fazia

referência a outro tipo de documento, e na versão de 1994 foram incluídos os novos suportes, quando o Manifesto especifica “ as colecções e serviços devem incluir todos os tipos de suportes e tecnologias apropriadas…”

Sobre as mudanças enunciadas nas diferentes versões do Manifesto, Ventura (2001) esclarece que, em suas três actualizações (1949; 1972 e 1994) o Manifesto caracteriza às bibliotecas públicas como “lugares de esfera pública contemporânea”, e descreve:

O Manifesto de 1949 focalizava, como se referiu, o papel educativo da biblioteca pública. A versão de 1972 acrescentava à função educativa o objectivo de promover o acesso livre ao conhecimento, à cultura e ao lazer. A nova versão de 1994 enfatiza a dupla função da biblioteca pública enquanto centro cívico e “centro local de informação”, isto é, “porta de acesso local ao conhecimento” através das suas colecções e através da rede de bibliotecas a que se encontra ligada […] outro aspecto enfatizado é o reconhecimento da crescente importância na noção de Aprendizagem ao longo da vida” (VENTURA, 2001, p. 82).

O Manifesto define a biblioteca pública como “porta de acesso local ao conhecimento”, uma vez que proporciona condições para uma aprendizagem contínua. A Sociedade da Informação colocou o conhecimento como factor competitivo crucial, a disponibilização do acesso democrático a informação facultada através dos bens e serviços da biblioteca pública é que garantirá o desenvolvimento dos indivíduos. O manifesto da UNESCO, na sua versão de 1994, já integra em seu conteúdo, os novos desafios que a Sociedade da Informação veio colocar frente às bibliotecas públicas, e segundo Ventura (2001, p. 80), atribuindo uma “factura social” bem como o “aparecimento de novos públicos, o desenvolvimento de novas formas de literacia e a emergência das novas tecnologias da informação”.

A diversidade de papéis fundamentais desempenhados pela Biblioteca Pública surge mediante a manifestação das diferentes necessidades das comunidades a que presta serviço. O objectivo base das bibliotecas públicas consiste exactamente em fornecer recursos e serviços capazes de dar resposta às necessidades dos indivíduos.

Philip Gill destaca as bibliotecas públicas como “fenómeno mundial” à medida que existem numa grande “variedade de sociedade”, com diferentes culturas assim como em estágios diferentes de desenvolvimento. A diferenciação de contextos em que as bibliotecas públicas estão inseridas, decorrentes das diferentes realidades, reflecte-se na sua forma de actuar e prestar serviços à comunidade, embora todas elas, independentemente do seu grau de desenvolvimento e contexto sociocultural, apresentam características em comum, da seguinte forma, conforme afirmação do autor:

Uma biblioteca pública é uma organização fundada, sustentada e financiada pela comunidade, quer através do governo local, regional ou nacional quer através de outras formas de organização comunitária. Proporciona o acesso ao conhecimento, à informação e a obras criativas através de um leque variado de recursos e serviços e encontra-se à disposição de todos os membros da comunidade, sem distinção de raça, nacionalidade, idade, sexo, religião, língua, deficiência, condição económica e laboral e qualificação académicas (GILL, 2003, p.19).

1.4 O papel social das bibliotecas públicas e sua actuação