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Caracterização das amostras hidratadas à temperatura ambiente

III. 3.2. Caracterização Reológica

III. 3.2.2. Caracterização das amostras hidratadas à temperatura ambiente

ou 2, recorreu-se a ensaios dinâmicos a baixa amplitude de deformação e a ensaios de escoamento a tensão de corte constante, estes últimos sujeitando a amostra, necessariamente, a maiores deformações, para além do regime linear.

0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 0,001 0,01 0,1 1 10 % deformação G '/G 'o método 1 método 2 mét.2, após aquecimento

Conforme referido anteriormente (§ III.2.3), depois de colocada no reómetro a amostra ficou em repouso durante 30 min antes de se iniciar qualquer tipo de teste, possibilitando assim o relaxamento de qualquer tensão residual. Verificou-se que este intervalo de tempo era necessário e suficiente para se verificar uma variação praticamente desprezável nos módulos viscoelásticos com o tempo e para a obtenção de resultados mais reprodutíveis (Figura 3.3a).

Para todas as amostras estudadas, os valores do módulo de conservação (G’(Z)) foram mais elevados do que os valores do módulo de perda (G”(Z)), revelando um comportamento característico de materiais altamente estruturados, onde predomina o carácter sólido do sistema. Na Figura 3.3b apresenta-se um espectro mecânico obtido para uma amostra de farinha SOR deslipidificada, como exemplo representativo do comportamento geral observado.

Figura 3.3 - Comportamento viscoelástico de uma farinha SOR deslipidificada a 50% (m/m) de hidratação (J=0,05%, 20ºC); a)- Módulos viscoelásticos („ G’,† G”) em função do tempo, após colocação no reómetro; b)- Espectro mecânico († G’,† G”, {K*) para a mesma farinha após 1 h no reómetro.

Todas as amostras apresentaram uma dependência dos módulos viscoelásticos com a frequência, aumentando o valor destes com o aumento da frequência. Este tipo de dependência dos módulos dinâmicos com a frequência e a diferença relativamente pequena entre eles, é demonstrativo de sistemas viscoelásticos onde as interacções

0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 0 20 40 60 tempo (min) G '( Z ), G "(Z) ( P a) 0.1 1 10 100 0.001 0.01 0.1 1 10 100 frequência (Hz) G ', G " (k P a) 0.01 0.1 1 10 100 K * ( kP a.s ) A B a) b)

intermoleculares apresentam limitado tempo de vida, conferindo mobilidade apreciável aos componentes macromoleculares do sistema. Comportamento semelhante foi igualmente referido por outros autores para massas obtidas com farinha de trigo e água (Hibberd e Wallace, 1966; Smith et al, 1970; Cumming e Tung, 1977; Amemiya e Menjivar, 1992; Campos et al., 1997, Miller e Hoseney, 1999). A viscosidade complexa (K*) apresentou uma elevada dependência face à frequência, apresentando um comportamento reofluidificante típico de um sistema sólido viscoelástico, não apresentando, nesta gama de frequências, qualquer tendência para patamar newtoniano.

O comportamento viscoelástico das farinhas das variedades SOR e AMA, hidratadas (50% m/m) e preparadas de acordo com os métodos 1 ou 2, é apresentado na Figura 3.4. São apresentados os resultados para o módulo complexo (|G*| (Z)), indicativo da estruturação geral do sistema, e para a tangente ao ângulo de perda (tan G=G”(Z)/G’(Z)), indicativa do carácter elástico/viscoso relativo do sistema.

A farinha SOR apresentou valores de G* mais elevados do que a farinha AMA (Figura 3.4a), o que parece confirmar que farinhas provenientes de trigos duros formam massas mais estruturadas, com maior resistência à deformação, do que farinhas provenientes de trigos moles (Hoseney e Rogers, 1990). O maior valor do módulo apresentado pela variedade SOR está de acordo com os resultados obtidos pelos ensaios alveográficos (Tabela 3.1 - resultados fornecidos pela ENMP) os quais demonstraram que a farinha SOR dá origem a massas com valores mais elevados de força e tenacidade, apesar dos dois tipos de ensaios implicarem regimes muito diferentes de deformação imposta ao sistema.

Para todas as amostras, o valor de tan G (= G”/G’) foi inferior a um, manifestando um carácter predominantemente mais elástico do que viscoso (G’>G”). Comparando as curvas da variação da tangente ao ângulo de perda (tan G) com a frequência (Figura 3.4b), verificou-se que o comportamento foi semelhante para as duas variedades, quando preparadas pelo mesmo método, ou seja, as duas farinhas hidratadas apresentaram um carácter elástico semelhante, excepto a frequências elevadas, condições para as quais a massa de farinha AMA não desenvolvida, exibiu um

carácter viscoso mais acentuado (tan G mais elevada). Esta diferença pode estar associada à maior extensibilidade exibida por esta amostra (Tabela 3.1).

Figura 3.4 - Comportamento viscoelástico das farinhas Amazonas („, ) e Sorraia ( ,‘) a 50% m/m) de hidratação ((J=0,05%, 20ºC). a) - variação do módulo complexo , |G*|(kPa), e b) - variação da tangente ao ângulo de perda, tan G, com a frequência de oscilação (Z). Os símbolos abertos representam amostras preparadas pelo método 1 e os símbolos cheios representam amostras preparadas pelo método 2. Os resultados apresentados correspondem a curvas médias obtidas em três ensaios. As barras de erro apresentadas correspondem aos

0.1 1 10 100 0.001 0.01 0.1 1 10 100 frequência (Hz) |G * | ( k P a ) A 0.2 0.4 0.6 0.8 0.001 0.01 0.1 1 10 100 frequência (Hz) ta n B a) b)

A relação entre o comportamento viscoelástico das massas e o grau de dureza das farinhas (grão) foi objecto de diversos estudos, embora os resultados descritos apresentem discrepâncias apreciáveis. Amemiya e Menjivar (1992), Campos et al. (1997), Miller e Hoseney (1999) e Edwards et al. (1999) referiram valores de G’ e G” mais elevados para variedades de trigo duro, enquanto que Glenn e Johnston (1992) concluiram não existir grande diferença entre os módulos viscoelásticos, quando comparando farinhas de trigo duro e farinhas de trigo mole. Campos et al. (1997) e Edwards et al. (1999) referiram valores de tan G semelhantes entre farinhas de variedades de trigo mole e trigo duro mas Miller e Hoseney (1999) referiram valores de tan G mais baixos para variedades de trigo duro.

Para as farinhas hidratadas à temperatura ambiente, não desenvolvidas (preparadas pelo método 2), realizaram-se ensaios viscosimétricos (Figura 3.5), por aplicação de uma tensão constante às amostras e acompanhando o comportamento da amostra em função do tempo, medindo-se a taxa de corte resultante e a respectiva viscosidade aparente. Verificou-se que para estes sistemas não é atingido um regime de escoamento estacionário, pelo menos para os intervalos de tempo analisados, conforme já descrito anteriormente para sistemas de farinha/água desenvolvidos (Phan-Thien et al., 1997).

A Figura 3.5a mostra o comportamento observado para as farinhas AMA e SOR, não deslipidificadas, quando sujeitas a uma tensão de corte constante de 50 Pa. Para este regime de tensão/deformação é evidente o diferente comportamento entre as duas amostras. O valor de tensão aplicada foi suficiente para provocar o escoamento do sistema, caracterizado por possuir tensão de inércia, verificando-se, inicialmente, um aumento da resistência ao escoamento, ou seja, um aumento de viscosidade, com o tempo de aplicação da tensão. As alterações estruturais do sistema levaram, para esta tensão aplicada, a duas consequências distintas para as duas amostras de farinha. Para a amostra SOR verificou-se uma interrupção do escoamento da amostra devido às alterações estruturais terem aumentado o valor de tensão de inércia para além da tensão aplicada de 50 Pa. Para a amostra AMA, para a qual a viscosidade máxima foi menor, a tensão aplicada foi suficiente para se atingir o limite físico do sistema, verificando-se uma diminuição contínua da viscosidade, após se atingir um pico de

viscosidade máxima, correspondendo a uma ruptura parcial da rede macromolecular tridimensional.

Figura 3.5 - Dependência temporal da viscosidade aparente de farinhas hidratadas (50% (m/m)) sujeitas a uma tensão de corte constante. a) - Farinhas AMA („) e SOR () não deslipidificadas, tensão aplicada de 50 Pa (20ºC). b) - Farinhas AMA (símbolos cheios) e SOR (símbolos abertos) deslipidificadas, tensão aplicada de 120 Pa („, ) e 150 Pa ( ,‘). Amostras preparadas pelo método 2.

O comportamento observado depende da tensão aplicada, como se ilustra na Figura 3.5b. As amostras de farinha SOR apresentam maior resistência à tensão aplicada, com maiores valores de viscosidade máxima. As amostras de farinhas deslipidificadas também mostraram menor sensibilidade à tensão aplicada e maiores valores de viscosidade máxima resultantes da estruturação imposta pela tensão aplicada.

A influência do método de preparação nas propriedades viscoelásticas das farinhas hidratadas é igualmente ilustrado na Figura 3.4. Os dois métodos de preparação diferem entre si no grau de desenvolvimento das massas de farinha. No método 1 (massa desenvolvida) considera-se que a amostra está hidratada e desenvolvida, i.e., considera-se que a amostra produzida constitui uma massa mais forte, desenvolvida por acção mecânica (mistura com a vareta). No método 2 (massa não desenvolvida), considera-se que a massa está hidratada mas que não foi desenvolvida por acção

0.1 1 10 100 0 500 1000 1500 tempo (s) vi sc os id ad e ( kP a. s) 0.1 1 10 100 0 200 400 600 800 1000 1200 tempo (s) vi sc os id ad e ( kP a. s) A B a) b)

mecânica. A preparação das amostras pelo método 2 tem como vantagem possibilitar o estudo do efeito da hidratação das amostras separadamente do efeito da mistura mecânica (método 1).

As amostras preparadas pelo método 2 apresentaram uma diminuição generalizada dos módulos viscoelásticos e um maior carácter viscoso (maior tan G), especialmente a elevadas frequências. Porém, as amostras preparadas por este método apresentaram um perfil das curvas mecânicas (Figura 3.4a) semelhante ao das amostras preparadas pelo método 1, apresentando um perfil característico de sistemas estruturados com propriedades viscoelásticas. Um efeito semelhante foi verificado para as farinhas deslipidificadas. A diminuição dos módulos viscoelásticos de amostras de farinha preparadas por um método semelhante ao método 2 foi anteriormente referida por outros autores (Campos et al., 1997; Schluentz et al., 2000; Lee et al, 2001). Campos

et al. (1997) observaram a diminuição dos módulos viscoelásticos quer para amostras

de farinha de trigo duro, quer para amostras de farinha de trigo mole. Lee et al. (2001) complementaram os estudos com microscopia confocal de varrimento a laser, tendo referido que as amostras de massa desenvolvida apresentavam uma matriz proteica mais extensa e mais desenvolvida do que as amostras de massa não desenvolvida. O processo de hidratação dos diversos ingredientes é o processo primário da transformação de uma farinha em massa. Devido ao seu carácter polar, a água é um elemento fundamental na mediação das interacções entre os vários componentes da farinha. A introdução de um processo de mistura e amassamento da massa irá aumentar o grau de contacto entre os ingredientes, potenciando as interacções entre si, transformando a mistura farinha/água numa massa com propriedades viscoelásticas diferentes do sistema antes do amassamento. A interacção entre as proteínas do glúten conduz à formação de uma rede sustentada por ligações dissulfeto (S-S) e por ligações de hidrogénio (Ewart, 1968; Lásztity, 1972; Eliasson e Larsson, 1993; Belton, 1999). Quanto maior for o grau de mistura, mais complexa e mais forte é a rede formada, fortalecendo assim a estrutura do glúten, e portanto, a estrutura da massa de farinha. Na preparação das amostras pelo método 2, nenhum trabalho mecânico é introduzido, pelo que a estrutura tridimensional complexa formada pelas proteínas do glúten não é tão forte e a massa apresenta menor estruturação (menor G*).

O efeito da deslipidificação no comportamento viscoelástico das massas foi igualmente analisado e é exemplificado na Figura 3.6. A diminuição do teor de lípidos das farinhas, para valores da ordem dos 0,08 %, provocou alterações quantitativas no comportamento viscoelástico das massas, verificando-se um aumento dos módulos viscoelásticos. Efeito semelhante foi verificado para as massas preparadas pelo método 1.

Figura 3.6 - Módulo complexo em função da frequência de oscilação para farinhas hidratadas (a- Amazonas, b- Sorraia), originais ( ) e deslipidificadas (‘) (50% (m/m) de hidratação, J=0,05%, 20ºC), preparadas de acordo com o método 2. Os resultados apresentados correspondem a curvas médias obtidas em três ensaios. As barras de erro apresentadas correspondem aos valores de desvio padrão obtidos.