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I. 1.3. Componentes Principais da Farinha de Trigo

I. 1.3.3. Constituintes menores

I. 1.3.3.1. Pentosanas

I. 1.3.3.1.1. Estrutura e composição

As pentosanas são polímeros de pentoses constituintes das paredes celulares dos grãos de trigo. As pentosanas são vulgarmente denominadas por arabinoxilanas por serem constituídas essencialmente por moléculas de xilose e de arabinose. O conteúdo total de pentosanas nos grãos de trigo é de cerca de 7%, dos quais apenas 1-3% se encontram no endosperma.

As pentosanas são geralmente divididas em pentosanas hidrossolúveis e pentosanas não hidrossolúveis, de acordo com a sua solubilidade na água. No endosperma, as pentosanas hidrossolúveis constituem apenas cerca de 1-1.5% do teor de pentosanas. As pentosanas não hidrossolúveis diferem das pentosanas hidrossolúveis por possuírem um maior grau de ramificação e maior massa molecular. As pentosanas hidrossolúveis possuem um grau de polimerização de 160-190 enquanto que as não hidrossolúveis apresentam um grau de polimerização superior a 900. As pentosanas não hidrossolúveis são usualmente extraídas com soluções alcalinas.

A estrutura e a composição das pentosanas hidrossolúveis têm sido extensivamente estudadas por outros autores (Perlin, 1951a,b; Ewald e Perlin, 1959; Fincher e Stone, 1974; Patil et al., 1975; Hoseney e Faubion, 1981; Delcour et al., 1989; Hoffman et al., 1992; Izydorczik et al., 1991; Izydorczik e Biliaderis, 1992). As arabinoxilanas são compostas por uma cadeia principal de resíduos de D-xilopiranosilo ligados entre si por ligações glicosídicas E(1Æ4). À cadeia principal encontram-se ligados resíduos de L- arabinofuranosilo na posição C2 ou C3 (substituição simples) ou nas posições C2 e C3 (substituição dupla) (Figura 1.10). As cadeias laterais são constituídas apenas por um resíduo de açúcar. Os resíduos de arabinose podem ocorrer em resíduos de xilose isolados da cadeia xilana, em dois, menos frequentemente em três, mas não em quatro ou mais resíduos consecutivos (Ewald e Perlin, 1959).

Para além de xilose e de arabinose, as pentosanas hidrossolúveis possuem também galactose, glusose, ácido ferúlico e proteína ligada covalentemente. Nas pentosanas, a

galactose encontra-se geralmente sob a forma de arabinogalactanas, um biopolímero constituído por uma cadeia principal de unidades de galactose à qual se encontram ligados resíduos de arabinose. As arabinogalactanas e as arabinoxilanas representam os dois principais polímeros constituintes das pentosanas (Biliaderis et al., 1992; Martinant et al., 1999).

Figura 1.10 - Estrutura básica das arabinoxilanas hidrossolúveis; n, número determinado de unidades de polímero; *, posições em que se localizam as ramificações

I. 1.3.3.1.2. Propriedades

As pentosanas hidrossolúveis apresentam são capazes de imobilizarem a água, formando soluções bastante viscosas ou géis através de ligações covalentes (Baker et al., 1943; Geissman e Neukom, 1973; Izydirczyk et al., 1990; Vinkx et al., 1991; Figueroa – Espinoza et al, 1999), exibindo um comportamento reofluidificante.

Diferenças estruturais em termos da razão dos monossacarídeos constituintes, teor de ácido ferúlico e massa molecular têm sido encontradas em arabinoxilanas de diferentes variedades de trigo (D’Appolonia e MacArthur, 1975; Ciacco e D’Appolonia, 1982; Izydorczik et al., 1991). Estas diferenças levam a que PHS provenientes de diferentes variedades exibam capacidades de gelificação diferentes (Ciacco e D’Appolonia, 1982).

O O n H O H O H * * H O H O HOH2C O H H H H O H H H H H OH O H H H O H H H O H H OH H H OH OH H H OH OH H H OH H H OH OH H H OH OH H H

As propriedades físicas das arabinoxilanas são influenciadas pelo grau de substituição. A razão arabinose/xilose é uma medida directa do grau de substituição constituindo uma característica estrutural e funcional importante (Courtin e Delcour, 1998). Se por hidrólise alguns resíduos de arabinose forem retirados à cadeia central, a estrutura da cadeia xilana torna-se mais flexível. A remoção parcial dos resíduos de arabinose diminui a solubilidade das PHS uma vez que as secções de xilana sem resíduos podem formar ligações de hidrogénio entre polímeros de xilanas, dando origem a agregados insolúveis (Andrewartha

et al., 1979). Cadeias com um elevado grau de substituição apresentam uma conformação

tipo bastão, o que em parte é responsável pela elevada viscosidade das soluções de arabinoxilanas (Dea et al., 1973; Andrewartha et al., 1979).

As PHS possuem também a capacidade gelificarem sob a acção de agentes oxidantes. Por exemplo, quando a uma solução de PHS é adicionado peróxido de hidrogénio, as PHS formam um gel, mais ou menos forte dependendo da concentração do polímero e do oxidante. Esta capacidade exibida pelas PHS tem sido atribuída à presença do ácido ferúlico, o qual forma pontes diferúlico entre polímeros adjacentes (Neukom et al., 1967; Marwalker e Neukom, 1976). Este facto pode ser visível num espectro de absorvância das PHS. Kundig et al. (1961) mostraram que o pico a 320 nm atribuído ao ácido ferúlico desaparece após a adição de agentes oxidantes. O papel activo do ácido ferúlico no estabelecimento de pontes diferúlico foi também referido por Hoseney e Faubion (1981). Estes autores mostraram que, em condições de gelificação oxidativa, a adição de ácido ferúlico e de resíduos de cisteína travou o aumento da viscosidade induzido pelo agente oxidante.

I. 1.3.3.1.3. Importância das pentosanas na panificação

Apesar de contabilizarem apenas com uma pequena percentagem na composição das farinhas de trigo, as pentosanas apresentam um papel bastante importante na panificação. Tem sido reportado que as PHS e as PNHS possuem diferentes efeitos no processamento do pão. Embora alguns resultados sejam contraditórios, as PHS são geralmente consideradas por influenciarem positivamente o comportamento da massa bem como a textura e o volume do pão (Jelaca e Hlynka, 1972; Patil et al., 1976; Hoseney, 1984; Vanhamel et al., 1993; Michniewicz et al., 1991; Izydorczik e Biliaderis, 1995; Courtin e

Delcour, 1998), enquanto que para as PNHS um efeito contrário tem sido observado (Hoseney, 1984; Roels et al., 1993; Wang et al., 2002). É geralmente aceite que o impacto das PHS no processo de panificação está relacionado com a sua elevada afinidade para a água (Jelaka e Hlynka, 1971, 1972; Michniewicz et al., 1991 Rouau e Moreau, 1993). Esta característica exibida pelas pentosanas exerce um efeito positivo na absorção de água pela farinha e na distribuição da água entre os vários componentes.

A capacidade de gelificação das PHS contribui para o comportamento viscoelástico e desenvolvimento das massas de pão, resultando na produção de pães com maior volume, mais elásticos e com uma textura mais uniforme (Hoseney et al., 1969; Patil et al., 1975; Meuser e Suckow, 1986). A redução do conteúdo de pentosanas conduz à formação de massas mais fracas e pouco consistentes, produzindo pães com menor volume e textura não uniforme (Hoseney et al., 1969; McCleary, 1986). O aumento de viscosidade diminui a difusão do CO2 libertado durante a fermentação (Hoseney, 1984; Meuser e Suckow, 1988)

promovendo assim um maior crescimento da massa. Neste aspecto as pentosanas desempenham uma função semelhante ao glúten.

A maior afinidade pela água exibida pelas pentosanas retarda o processo de envelhecimento do pão, por reduzir a disponibilidade de cadeias de amido disponíveis para a cristalização (Kim e D’Appolonia, 1977; Longton e Legrys, 1981; Gudmundsson et al., 1991; Eliasson and Larsson, 1993). As pentosanas não coagulam com o aumento de calor, tal como acontece com as proteínas, nem sofrem retrogradação durante o arrefecimento, tal como acontece com o amido, pelo que as pentosanas têm um efeito positivo na manutenção da frescura e aumento do tempo de prateleira do pão (Meuser e Suckow, 1988; Eliasson e Larsson, 1993; D’Appolonia and Rayas-Duarte, 1994; Evers et al., 1999).

I. 1.3.3.2. Lípidos

Nas farinhas de trigo os lípidos constituem cerca de 2.5% do seu peso seco e estão agrupados em lípidos polares e lípidos não polares. A distribuição das várias classes de lípidos varia entre as partes anatómicas dos grãos de trigo o que confere aos lípidos funções de estrutura ou de reserva consoante o tipo de tecido em que se encontram.

Os lípidos não polares (70% do teor total de lípidos) são maioritariamente constituídos por triglicerídeos e encontram-se, principalmente, no gérmen e na camada aleuronal. Os triglicerídeos ocorrem como reserva de alimento, na fase líquida à temperatura ambiente, sob a forma de uma emulsão de esferossomas. Os lípidos polares fazem parte da composição e estrutura das paredes e membranas celulares sendo essencialmente constituídos por fosfolípidos (20% do teor total de lípidos) e glicolípidos (10% do teor total de lípidos). Durante a moagem, alguns lípidos são transferidos do gérmen e da aleurona para o endosperma, sendo portanto introduzidos na composição da farinha (Hoseney, 1998; Morrison, 1994; Eliasson e Larsson, 1993).

Todos os lípidos são solúveis em solventes orgânicos. Quando uma farinha de trigo é extraída com um solvente não polar (ex. clorofórmio ou éter de petróleo), apenas uma parte dos lípidos é removida. Os outros lípidos estão geralmente ligados ao amido, às proteínas ou a outros componentes, sendo por isso necessário usar solventes mais polares de modo a quebrar estas ligações. Nesta perspectiva, é comum separar os lípidos da farinha de trigo em dois grupos: os lípidos ligados ao amido (LA) e os lípidos não ligados ao amido (LNA). Os LNA sendo lípidos livres são facilmente removidos com solventes não polares. O conceito de lípidos livres é muitas vezes arbitrário uma vez que a quantidade e a composição dos lípidos livres (ou LNA) extraídos depende do grau de polaridade do solvente, da humidade e tamanho de partículas da farinha (Morrison, 1994). Alguns lípidos livres tornam-se ligados ao glúten quando a farinha é hidratada. Neste ponto existe quantidade de água suficiente para permitir a formação de uma estrutura coesa de glúten e a mistura da massa promove uma maior ligação dos lípidos à proteína. Os LNA englobam várias classes de lípidos, sendo cerca de 60% lípidos não polares (triglicerídeos), 25% glicolípidos e 15% fosfolípidos. Os LNA diferem entre si na sua habilidade para formarem estruturas organizadas na presença de água (lipossomas, vesículas, camadas duplas). Os triglicerídeos são incapazes de formarem este tipo de estruturas. Os lípidos polares são lípidos de membranas e formam fases cristal-líquido em forma de lamelas na presença de água (Larsson, 1988; Le Meste e Davidou, 1995). Os LA, uma vez fortemente ligados ao amido, são na sua maior parte extraídos com isopropanol, butanol:água saturada, ou metanol. São constituídos por lípidos não polares (9%), glicolípidos (5%) e fosfolípidos (86%) dos quais 85% são lisofosfatidilcolina.

I. 1.3.3.2.1. Importância dos lípidos na panificação

Os lípidos influenciam a qualidade de uma farinha para a panificação. São relativamente estáveis quando presentes no grão, podendo acontecer a deterioração da qualidade para a panificação após muitos anos. As principais alterações de lípidos ocorrem após a moagem dos grãos, uma vez que os lípidos estão mais dispersos e mais disponíveis para a degradação enzimática. Durante um armazenamento longo e mal acondicionado, por acção das lipases, o conteúdo em ácidos gordos livres e lisofosfolípidos aumenta, e o produto resultante da oxidação enzimática dos mesmos tem um efeito bastante negativo nas propriedades organolépticas e funcionais de uma farinha.

A razão lípidos livres não polares / lípidos livres polares é um parâmetro bastante importante para a determinação da qualidade de panificação de uma farinha. Os lípidos polares, especialmente os glicolípidos, têm um efeito bastante positivo no aumento do volume do pão e na estrutura da crosta do pão, uma vez que actuam como estabilizantes da interface ar/água durante o crescimento da massa. A adição de lípidos não polares reflecte- se na diminuição do volume do pão uma vez que os ácidos gordos livres insaturados enfraquecem a rede de glúten diminuindo a sua capacidade de expansão e retenção do CO2

libertado durante a fermentação (Morrison, 1994; Eliasson e Larsson, 1993).