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Comparação das amostras de glúten das variedades Amazonas e Sorraia

III. 4 CONCLUSÕES

IV. 3.1. Caracterização reológica das amostras de glúten das variedades Amazonas e

IV. 3.1.2. Comparação das amostras de glúten das variedades Amazonas e Sorraia

No sentido de comparar o comportamento reológico das amostras de glúten provenientes de cada uma das variedades, realizaram-se ensaios de varrimento de frequência, permitindo deste modo monitorizar as propriedades mecânicas dos glútens após hidratação. A Figura 4.2 apresenta os espectros mecânicos (variação de G’ e G” com a frequência) e a variação de tan G com a frequência de oscilação, para as amostras de glúten das variedades AMA e SOR, hidratadas a 50% (m/m), preparadas pelo método 1. A Figura 4.3 apresenta o mesmo tipo de resultados obtidos para amostras de glúten preparadas pelo método 2.

Antes do tratamento térmico, os glútens AMA e SOR apresentaram um comportamento viscoelástico semelhante e concordante com o observado anteriormente por outros autores (Dreese et al., 1988a,b; Cornec et al., 1994; Hargreaves et al., 1995b; Janssen et al., 1996b), mas com algumas diferenças que merecem realce. Tan G aumentou com a frequência, o que indica que, para a mesma gama de frequências analisadas, o módulo G” aumentou mais do que o módulo G’. Este aumento implica que o glúten hidratado exibe um comportamento mais viscoso, no sentido em que a dissipação de energia é mais elevada, para frequências mais elevadas. Porém, mesmo para as frequências mais elevadas, os glútens apresentaram uma resposta essencialmente elástica, dado que os valores de tan G foram todos inferiores a 1 (i.e. G’> G”).

Figura 4.2 - Comportamento viscoelástico dos glútens Amazonas ( , ) e Sorraia ( ,‘) a 50% (m/m) de hidratação (J=1%, 20ºC), preparados de acordo com o método 1. a) - Variação dos módulos viscoelásticos (G’ e G”), e b) - variação da tangente ao ângulo de perda, tan G, com a frequência de oscilação (Z).

O método de preparação das amostras apresenta um claro efeito sobre as propriedades viscoelásticas do glúten hidratado. A observação de uma menor dependência dos módulos viscoelásticos face à frequência de oscilação, a maior diferença entre eles (especialmente a baixas frequências) e a tendência para o “plateau” elástico, para as amostras preparadas pelo método 1 reflecte o efeito do trabalho mecânico (mistura) imposto ao sistema, contribuindo para o estabelecimento de mais interacções intermoleculares responsáveis por uma menor mobilidade macromolecular na escala de tempo analisada.

As amostras de glúten da variedade SOR apresentaram valores do módulo de conservação (G’) ligeiramente superiores ao glúten da variedade AMA (Figura 4.3), traduzindo a formação de uma rede macromolecular ligeiramente mais densa. No entanto, o glúten SOR apresentou uma maior dependência do módulo G’ relativamente à frequência de oscilação e valores de tan G mais elevados, reflectindo uma maior mobilidade macromolecular nesta

G’ G” 0.1 1 10 100 0.001 0.01 0.1 1 10 frequência (Hz) G ', G " (k Pa ) A 0.2 0.4 0.6 0.8 0.001 0.01 0.1 1 10 frequência (Hz) ta n B a) b)

rede. Estas diferenças diminuíram quando as amostras de glúten foram sujeitas a trabalho mecânico (Figura 4.2). A principal diferença entre o comportamento viscoelástico dos glútens das duas variedades é observado no traçado de tan G em função da frequência, tendo o glúten AMA apresentado um carácter elástico claramente mais acentuado.

Figura 4.3 - Comportamento viscoelástico dos glútens Amazonas ( , ) e Sorraia ( ,‘) a 50% (m/m) de hidratação (J=1%, 20ºC), preparados de acordo com o método 2. a) - Variação dos módulos viscoelásticos (G’ e G”), e b) - variação da tangente ao ângulo de perda, tan G, com a frequência de oscilação (Z).Os resultados apresentados correspondem a curvas médias obtidas em três ensaios. As barras de erro apresentadas correspondem aos valores de desvio padrão obtidos.

O diferente comportamento viscoelástico apresentado pelas duas variedades de glúten poderá estar relacionado com a sua composição em termos das suas fracções proteicas constituintes, i.e. as gliadinas e as gluteninas. A variação da quantidade e da qualidade destas proteínas poderá reflectir-se num glúten com propriedades bastante distintas. A razão gliadinas/gluteninas tem sido apontada como um factor importante para a definição das propriedades reológicas das massas de pão (Belitz et al., 1986; MacRitchie, 1987; Khatkar et al., 1995; Sapirstein e Fu, 2000). Uma menor razão (maior quantidade relativa

0.1 1 10 100 0.001 0.01 0.1 1 10 100 frequência (Hz) G ', G " (k Pa ) A 0.2 0.4 0.6 0.8 0.001 0.01 0.1 1 10 100 frequência (Hz) ta n B a) b)

de gluteninas) está directamente relacionada com um glúten com maior força e maior elasticidade e, portanto, com valores de G’ mais elevados. As gliadinas podem ser vistas como “solventes” das gluteninas, actuando como agentes plasticizantes (Belitz et al., 1986; Cornec et al., 1994; Khatkar et al., 1995). Um aumento da quantidade de “solvente” deverá enfraquecer as propriedades elásticas do glúten pela diminuição da densidade de zonas de interacção intermolecular, contribuindo para o aumento do carácter viscoso, ou por outras palavras, diminuição do carácter elástico do sistema. Para além da razão entre os teores de gliadinas e gluteninas, a composição das gluteninas parece também ser um factor determinante na manifestação de um glúten com um bom potencial para a panificação. Estudos realizados anteriormente por outros autores indicam que são as subunidades HMW as responsáveis pela formação de um glúten com maior força ou tenacidade (Huebner and Wall, 1976; Tatham et al., 1985a; Belitz et al., 1986; Payne et al, 1987; Eliasson e Lundh, 1989; Lefebvre et al., 1994; Popineau et al., 1994b; Weegels et al., 1996; Lindsay e Skerrit, 1999). A viscoelasticidade das gluteninas baseia-se na interacção transiente de longas concatenações formadas pela associação de subunidades LMW e HMW de gluteninas (Cornec et al., 1994).

De acordo com a análise efectuada em termos da composição das sub-fracções do glúten (resultados não apresentados), ambas as variedades apresentaram teores bastante semelhantes de gliadinas e de gluteninas. A composição em gliadinas foi de 7 ± 2 % para o glúten da variedade AMA e 6 ± 1 % para o glúten da variedade SOR. As gluteninas, na sua totalidade (insolúveis + solúveis em ácido), contaram com uma percentagem de 65 ± 3 % e 60 ± 3 % para os glútens das variedades AMA e SOR, respectivamente. Estes resultados apontam para uma razão gliadinas/gluteninas bastante semelhante entre as duas variedades, pelo que a razão entre as quantidades relativas das duas fracções proteicas não parece ser justificação para o diferente comportamento das amostras.

A composição das gluteninas, porém, parece ser diferente entre as duas variedades de glúten. A partir da separação electroforética das gluteninas dos glútens das varieades AMA e SOR, efectuada por SDS-PAGE, Brites e Bagulho (1999) determinaram que a composição em gluteninas HMW e LMW é distinta entre as duas variedades. As gluteninas da variedade AMA apresentaram subunidades HMW (5+10) que, de acordo com trabalhos publicados (Branlard e Dradvert, 1985; Payne et al., 1987), proporcionam maior elasticidade ao glúten do que as presentes na variedade SOR (2*+12). Assim, a diferente

composição das gluteninas parece ser uma possível explicação para as diferentes propriedades viscoelásticas apresentadas pelo glúten de cada uma das variedades.

IV. 3.1.3. Comparação das amostras de glúten das variedades Amazonas e Sorraia durante o tratamento térmico

Após a caracterização do comportamento viscoelástico das amostras de glúten hidratado a 20ºC (após preparação), realizaram-se ensaios de varrimento de temperatura (2ºC/min) para estudar o comportamento viscoelástico das amostras de glúten durante o ciclo de aquecimento/arrefecimento (20-80-20ºC). O comportamento observado foi qualitativamente semelhante para amostras preparadas pelo método 1 ou 2. A Figura 4.4 apresenta a variação dos módulos viscoelásticos G’ e G” em função da temperatura, durante o aquecimento entre 20 e 80ºC e durante o arrefecimento entre 80 e 20ºC, após a amostra ter sido mantida durante 10 min a 80ºC, para as amostras de glúten das variedades AMA e SOR.

Durante a fase de aquecimento, ambas as amostras apresentaram um comportamento qualitativamente semelhante. Observou-se uma diminuição dos valores do módulo de G’ até cerca de 60ºC, seguindo-se depois um ligeiro aumento até 80ºC. A diminuição dos valores de G’ foi mais acentuada na amostra do glúten da variedade SOR, sugerindo uma maior alteração ao nível estrutural nesta amostra devido ao aquecimento do sistema.

Pensa-se que o efeito da temperatura sobre o comportamento viscoelástico do glúten incide essencialmente sobre a alteração das ligações que participam na formação da estrutura em rede do glúten (Bloksma, 1975; Lefebvre et al., 1994; Hargreaves et al., 1995a). A diminuição dos valores de G’ até cerca de 60ºC é essencialmente reversível e estará associada ao enfraquecimento de interacções intermoleculares, como ligações de hidrogénio entre proteínas, por acção da elevação da temperatura. Acima deste valor de temperatura verifica-se um aumento de G’, ou seja, um fortalecimento da estrutura do sistema, resultante de alterações irreversíveis associadas à desnaturação proteíca e ao estabelecimento de novas ligações entre proteínas, incluindo ligações covalentes. O rearranjo de ligações covalentes observado durante o aquecimento foi observado anteriormente por outros autores em amostras de glúten e gluteninas HMW (Schofield et

Durante o arrefecimento verifica-se o aumento de G’, sendo este aumento igualmente mais acentuado para o glúten da variedade Sorraia.

Figura 4.4 - Módulos viscoelásticos (G’ e G”) (a) e tangente ao ângulo de perda (tan G) (b) em função da temperatura, para glútens AMA ( , ) e SOR ( ,‘) a 50% (m/m) de hidratação, preparados de acordo com o método 1 (J=1%, Z=0,5 Hz, 20ºC). Símbolos a cheio representam G’ e símbolos abertos representam G”. A amostra foi sujeita “in situ” a aquecimento entre 20 e 80ºC (2ºC/min), mantida a esta temperatura durante 10 min, e depois arrefecida até 20ºC (2ºC/min). As barras de erro apresentadas exemplificam os valores obtidos de desvio padrão, relativamente a três ensaios.

Contrariamente ao módulo de conservação, o módulo de perda (G”) diminuiu continuamente ao longo do aquecimento, sendo esta diminuição essencialmente reversível, ou seja, após arrefecimento valores de G” atingidos eram semelhantes aqueles que caracterizavam o sistema antes do aquecimento, tendo as duas variedades apresentado um comportamento qualitativamente semelhante. A variedade SOR apresentou valores de G” mais elevados no início do aquecimento, mas, após se atingir os 80ºC, as duas variedades apresentaram valores de G” bastante similares. As alterações na estrutura do sistema parecem assim afectar, essencialmente, as interacções intermoleculares responsáveis pelo armazenamento de energia durante a solicitação periódica, ou seja, o carácter elástico do sistema. 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 10 20 30 40 50 60 70 80 90 temperatura /ºC ta n G B 0 2 4 6 8 10 12 14 16 10 20 30 40 50 60 70 80 90 temperatura /ºC G '/k Pa , G "/ kP a A a) b)

No que respeita ao efeito da temperatura sobre a tangente ao ângulo de perda (Figura 4.4.b), o comportamento observado resulta, como esperado, do diferente efeito da temperatura sobre os dois módulos viscoelásticos. Ao longo do aquecimento verificou-se uma diminuição de tan G com o aumento da temperatura, diminuição esta ligeiramente mais acentuada acima do valor de temperatura próximo daquele para o qual se verificou o aumento do módulo G’. Durante o período de arrefecimento tan G aumentou com a diminuição da temperatura. Verifica-se, assim, que o carácter elástico do sistema é mais acentuado para temperaturas elevadas.

IV. 3.1.4. Comparação do comportamento viscoelástico das amostras de glúten após o ciclo de aquecimento-arrefecimento

Para o estudo do comportamento viscoelástico das duas amostras de glúten após aquecimento e consequente desnaturação proteíca, realizaram-se ensaios de varrimento de frequência a 20 ºC, após o ciclo de aquecimento-arrefecimento, cujos espectros estão apresentados na Figura 4.5. Após o tratamento térmico 20-80-20ºC, o comportamento viscoelástico foi qualitativamente semelhante ao observado antes do aquecimento mas apresentou algumas diferenças quantitativas importantes: as amostras de glúten de ambas as variedades apresentaram valores de G’ mais elevados e valores de tan Gmais baixos, traduzindo um fortalecimento da matriz proteica e um aumento do carácter elástico do sistema (Figura 4.5). Contudo, a dependência de ambos os módulos relativamente à frequência de oscilação não sofreu alteração significativa.

Estas alterações estarão associadas à formação de agregados tridimensionais estabilizados por ligações covalentes intermoleculares devido ao aumento da temperatura (Bushuk, 1985). A desnaturação proteíca e a formação destes agregados contribuem para o fortalecimento da estrutura do glúten, o que determina o volume e a qualidade da textura final do pão (Schofield et al., 1983).

Figura 4.5 - Comportamento viscoelástico (J=1%, 20ºC) dos glútens hidratados Amazonas ( , ) e Sorraia ( ,‘), preparados de acordo com o método 1 e ensaiados após tratamento térmico 20ºC- 80ºC (10 min) -20ºC, 1ºC/min. a) - variação dos módulos viscoelásticos (G’ e G”), e b) - variação da tangente ao ângulo de perda, tan G, com a frequência de oscilação (Z).

A variedade SOR continuou a apresentar módulos ligeiramente mais elevados e um maior carácter viscoso, indicando uma maior mobilidade da rede de glúten desta variedade. Convém referir que o perfil viscoelástico dos sistemas após o tratamento térmico poderá ser influenciado pelo contributo da gelatinização de algum amido residual que fica aprisionado na rede de glúten formada durante a sua hidratação. Os resultados da análise química efectuada ao glúten (ver Tabela 2.2, § II.3.3.1) indicam a presença de 6,3 r 0,2% de amido no glúten da variedade AMA e 6,9 r 0,3% no glúten da variedade SOR. Os espectros de RMN apresentados na secção seguinte confirmam a presença de amido residual.