• Nenhum resultado encontrado

I. 1.4. Interacções entre os componentes e sua importância na panificação

I. 1.4.2. Interacções Amido-Proteínas

Representando o principal componente das farinhas de trigo, o amido apresenta-se como um elemento-chave nas interacções entre os demais componentes da farinha. As interacções amido-proteína ocorrem em todos os estágios do processamento do trigo e são relevantes não só para a funcionalidade da farinha como também para a qualidade do produto final.

O grau de interacções entre os grânulos de amido e os outros constituintes das farinhas está associado com a composição da superfície dos mesmos, sendo esta constituída essencialmente por cadeias de amido, proteínas de superfície e fosfolípidos (Kulp e Lorenz, 1981; Russell, 1983). As proteínas são moléculas anfifílicas o que lhes confere a capacidade de se adsorverem às superfícies. No grão de trigo, as interacções proteína- amido estão associadas à dureza do endosperma do grão o que irá influenciar as características de moagem (Sandstedt e Schroeder, 1969; Barlow et al., 1973; Schofield e Greenwell, 1987; Eliasson e Larsson, 1993; Schofield, 1994; Preston, 1998; Bloch et al., 2001). A dureza do endosperma é um importante critério na determinação da qualidade e funcionalidade do trigo. Farinhas obtidas a partir do trigo mole são usadas para a produção de biscoitos e bolos, enquanto que a produção de pão geralmente requer farinhas obtidas a

partir de trigo duro. O trigo de maior grau de dureza é utilizado para a produção de massas alimentícias. O grau de dureza influencia todo o processo de moagem, tal como a quantidade de energia utilizada, o grau de separação do farelo do endosperma, a forma e o tamanho das partículas de farinha e a quantidade de amido danificado, o qual irá condicionar a capacidade de absorção de água das farinhas (farinhas moles apresentam maior absorção do que farinha duras). A dureza do endosperma parece estar ligada com o grau de adesão entre a proteína e os grânulos de amido, o que estará relacionado com a presença ou não, de uma determinada proteína na superfície dos mesmos. Esta proteína encontra-se em níveis muito baixos nos grânulos de amido de trigo duro e em níveis elevados nos grânulos de amido de trigo mole. Pensa-se que esta proteína funciona como um agente anti-adesivo prevenindo a forte adesão entre o amido e a matriz proteíca, característica típica dos trigos duros (Greenwell e Schofield, 1986; Glenn e Saunders, 1990; Glenn e Johnston, 1992; Malouf et al., 1992; Giroux e Morris, 1998). Esta proteína foi identificada por Greenwell and Schofield (1986) por SDS-PAGE de alta resolução, sendo uma proteína com uma massa molecular de 15 kDa, denominada friabilina. Esta proteína foi também encontrada noutras espécies Triticea, tal como no centeio, cereal caracterizado por um endosperma com uma textura mole (Morrison et al., 1992). Estando directamente relacionada com o parâmetro “dureza”, a friabilina pode funcionar como um marcador molecular do grau de dureza dos grãos de trigo, característica tecnológica que poderá ser controlada e identificada mais rapidamente através da realização de ensaios imunológicos.

Dada a diferente polaridade existente entre as moléculas de proteína, as proteínas de superfície condicionam ainda o carácter hidrofóbico e hidrofílico dos grânulos de amido e, portanto, uma maior ou menor interacção com a água. Para além destas proteínas, outras proteínas como enzimas desempenham uma acção bastante importante sobre o amido. A amilases quebram a estrutura da amilose e da amilopectina libertando monómeros de glucose que irão entrar na fermentação da massa pelas leveduras. Uma maior quantidade de amido danificado representa uma maior disponibilidade de amido para a hidrólise pelas amilases.

Durante a mistura e amassamento da massa, os grânulos de amido estão dispersos, preenchendo os espaços entre a rede de glúten e alinhando-se na direcção da tensão da matriz proteica (Eliasson e Larsson, 1993). A distribuição bimodal dos grânulos de amido

torna-se importante nesta fase, contribuindo para um melhor empacotamento da rede proteica. Os grânulos mais pequenos encaixam-se melhor nos espaços mais pequenos da rede de glúten e entre os grânulos de maior tamanho. Experiências realizadas com esferas de vidro demonstraram que os grânulos de amido não funcionam apenas como preenchimento da matriz proteica, desempenhando um efeito bastante importante (Sandstedt, 1961). Os grãos de trigo providenciam uma boa superfície de contacto através da qual as proteínas do glúten absorvem a água. Estas interacções diferem entre os vários tipos de amido e entre as diferentes fracções proteicas. Estudos sobre o efeito do amido em farinhas reconstituídas com amidos de diferentes origens botânicas, demonstraram que apenas o amido proveniente do trigo produz um pão com características aceitáveis (Harris, 1942; Sandstedt, 1961; Hoseney et al., 1971; Kulp et al., 1991). Quando em contacto com a água, o amido entra em competição com o glúten pela água estabelecendo com esta ligações de hidrogénio, não se solubilizando. A adesão entre o amido e a proteína depende da concentração de água. A baixos teores de água, a interacção entre amido e proteína é mais forte, enquanto que para valores mais elevados de conteúdo de água, as ligações entre amido e proteína são mais fracas, podendo o amido ser facilmente separado por lavagem (Sandstedt et al., 1954; Huang e Moss, 1991; Amend e Belitz, 1991). Estudos microscópicos indicam ainda que as interacções entre amido e proteína aumentam durante o amassamento e diminuem após o ponto de amassamento excessivo (Evans et al., 1981). No nível óptimo de desenvolvimento da massa, os grânulos de amido actuam como pontos de fixação facilitando a formação de fibrilhas de gluten durante o estiramento da massa (Cumming e Tung, 1977).

Quando a massa é transformada em pão, durante a cozedura, o amido gelatiniza, transformando-se completamente. A presença do glúten aumenta a temperatura de gelatinização do amido (Eliasson e Larsson, 1993). É o efeito conjunto do aumento de viscosidade do amido e da retirada de água do glúten que define a forma e a estrutura do pão que passa de um sistema espumoso (massa) para um sistema esponjoso (pão). A estrutura do pão envolve a interacção entre o gluten hidratado, os grânulos de amido intumescidos (sobretudo os grânulos maiores) e as moléculas de amilose e amilopectina de amido (Pomeranz et al., 1984; Bechtel, 1985). Com o arrefecimento, o amido recristaliza- se e o miolo do pão aumenta de firmeza. A presença de proteína afecta a taxa de retrogradação ou de envelhecimento do pão, sendo esta menor quando a concentração de

proteína é maior. Um pão sem glúten envelhece muito mais rapidamente do que um pão com glúten (Eliasson e Larsson, 1993). A presença de proteína afecta quer a distribuição da água, quer as propriedades reológicas da fase contínua, o que, consequentemente, irá afectar o processo de recristalização do amido. Apesar de a retrogradação do amido e o aumento de firmeza ocorrerem simultaneamente, os dois processos não são necessariamente causa-efeito. O aumento de firmeza parece estar relacionado com a formação de uma rede de ligações de hidrogénio entre o amido e o glúten (Dragsdorf e Varriano-Marston 1980; Morris et al., 1980; Martin e Hoseney, 1991).

Na massa de pão, as interacções entre amido e proteína são muito sensíveis e são afectadas pela presença de outros ingredientes tais como sais, cisteína, açúcares e emulsionantes.