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CAPÍTULO 1: A INDÚSTRIA DE BIODIESEL

1.4. Caracterização e Controle de Qualidade (CCQ)

As tecnologias de caracterização e controle de qualidade (CCQ) do biodiesel têm três objetivos principais: 1. Desenvolver metodologias e equipamentos de caracterização (desenvolvimento de equipamentos e metodologias de análise); 2. ampliar o conhecimento sobre a qualidade de matérias-primas e produtos intermediários, tornando o processamento do biodiesel mais confiável (caracterização para controle dos

processos); 3. desenvolver especificações técnicas universais, garantindo a qualidade do

produto para os consumidores, a segurança no transporte e armazenamento, o controle de emissões e a fiscalização da comercialização (caracterização para controle da

qualidade). De maneira geral, as técnicas de CQC visam criar padrões para a produção e

produtos, podendo assim ser classificadas como uma Tecnologia Industrial Básica (TIB), denominação geral para tecnologias de normalização. São portanto um conjunto

importantíssimo de tecnologias a serem tratados por qualquer política de inserção de novos combustíveis.

O desenvolvimento de equipamentos e metodologias de análise visa uniformizar procedimentos e introduzir métodos de análise de biodiesel mais eficazes e de menor custo. Com exceção da análise do teor de glicerina, os métodos são similares aos utilizados na análise do petrodiesel, referência para quais características são desejáveis no biodiesel (PARENTE, 2006). A caracterização da composição do biodiesel é feita com equipamentos de cromatografia e espectropia; para a determinação da concentração de misturas são usadas a ressonância magnética nuclear, espectroscopia, cromatografia, espectroscopia por infra-vermelho e narizes eletrônicos.24 A análise remota é um gargalo na área de CQQ, pois não existe um mecanismo rápido e de baixo custo para controlar o biodiesel comercializado nos postos. De acordo com Correa et al. (2005), a determinação do teor de biodiesel no petrodiesel só pode ser feita em laboratórios.

A caracterização para controle dos processos envolve a caracterização de matérias- primas e correntes intermediárias durante o processamento do biodiesel. Os métodos mais usados são a cromatografia gasosa e a cromatografia líquida de alto desempenho, cujos objetivos principais são identificar e quantificar os ácidos graxos do biodiesel, que têm influência direta na durabilidade do biodiesel (PINTO et al., 2005).

A caracterização para controle da qualidade consiste na definição das características físico-químicas do biodiesel, fixadas em normas específicas (COSTA NETO et al., 2000) que visam garantir padrões de qualidade relacionados ao uso do produto e padrões de identidade que previnem sua adulteração. As especificações de qualidade asseguram que o uso do biodiesel não comprometerá o desempenho dos motores diesel, dos sistemas de transporte e armazenamento e que não emitirá poluentes acima dos níveis estabelecidos pelos órgãos de controle ambiental (MARVULLE et al., 2004).

Boa parte das especificações e métodos de análise do biodiesel utilizados no mundo baseiam-se na especificação da União Européia, elaborada para o biodiesel de canola e

24

Os narizes eletrônicos são sensores químicos que fornecem dados quando expostos ao vapor dos compostos analisados (GIORDANI et al., 2008).

fixada na norma EN25 14214/2003, e dos Estados Unidos elaborada para o biodiesel de soja (norma ASTM26 6751/2003) (SCHOBER E MITTELBACH, 2009). A especificação brasileira (Quadro 1.6) é similar à européia e a estadunidense, com algumas características específicas para matérias-primas nacionais (COSTA NETO et al., 2000).

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European Norm.

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Quadro 1.6. Especificações do biodiesel no Brasil

Método

Característica Unidad

e

Limite

ABNT NBR ASTMD EN/ISO

Aspecto - LII (1) - - - Massa específica a 20º C kg/m3 850- 900 7148 14065 1298 4052 EN ISO 3675 EN ISO 12185

Viscosidade cinemática a 40ºC mm2/s 3,0-6,0 10441 445 EN ISSO 3104

Teor de água, máx. (2) mg/kg 500 - 6304 EN ISSO 12937

Contaminação total, máx. mg/kg 24 - - EN ISSO 12662

Ponto de fulgor, mín. (3) ºC 100,0 14598 93 EN ISSO 3679

Teor de éster, mín % massa 96,5 15342 (4) (5) - EN 14103 Resíduo de carbono (6) % massa 0,050 - 4530 - Cinzas sulfatadas, máx. % massa 0,020 6294 874 EN ISSO 3987 Enxofre total, máx. mg/kg 50 - - 5453 EN ISSO 20846 EN ISSO 20884 Sódio + Potássio, máx. mg/kg 5 15554 15555 15553 15556 - EN 14108 EN 14109 EN 14538 Cálcio + Magnésio, máx. mg/kg 5 15553 15556 - EN 14538 Fósforo, máx. mg/kg 10 15553 4951 EN 14107 Corrosividade ao cobre, 3h a 50 ºC, máx. - 1 14359 130 EN ISSO 2160

Número de cetano (7) - Anotar

27 - 613

6890 (8)

EN ISO 5165 Ponto de entupimento de filtro a frio, máx. ºC 19 (9) 14747 6371 EN 116

Índice de acidez, máx. mg KOH/g 0,50 14448 664 EN 14104 (10) Glicerol livre, máx. % massa 0,02 15341(5) 6584 (10) EN 14105 (10) EN 14106 (10) Glicerol total, máx. % massa 0,25 15344 (5) 6584 (10) EN 14105 (10) Mono, di, triacilglicerol (7) %

massa Anotar 15342 (5) 15344 (5) 6584 (10) EN 14105 (10) Metanol ou Etanol, máx. % massa 0,20 15343 - EN 14110

Índice de Iodo (7) g/100g Anotar - - EN 14111

Estabilidade à oxidação a 110ºC, mín. h 6 - - EN 14112 (10)

(1) LII – Límpido e isento de impurezas com anotação da temperatura de ensaio.; (2) O limite indicado deve ser atendido na certificação do biodiesel pelo produtor ou importador; (3) Quando a análise de ponto de fulgor resultar em valor superior a 130ºC, dispensa-se a análise de teor de metanol/etanol; (4) O método ABNT NBR 15342 poderá ser utilizado para amostra oriunda de gordura animal; (5) Para biodiesel oriundo de duas ou mais matérias-primas distintas das quais uma consiste de óleo de mamona: a) teor de ésteres, mono-, diacilgliceróis: método ABNT NBR 15342; b) glicerol livre: método ABNT NBR 15341; c) glicerol total, triacilgliceróis: método

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Os itens com o termo "anotar"indicam que não existe uma especificação para o parâmetro em questão, mas que o ensaio indicado deve ser realizado e o resultado encontrado reportado ao áorgão de fiscalização ("anotado"). Apesar de não especificado, esse resultado pode ajudar na avaliação da qualidade do combustível (TEIXEIRA, 2009).

ABNT NBR 15344; d) metanol e/ou etanol: método ABNT NBR 15343; (6) O resíduo deve ser avaliado em 100% da amostra; (7) Estas características devem ser analisadas em conjunto com as demais constantes da tabela de especificação a cada trimestre civil. Os resultados devem ser enviados pelo produtor de biodiesel à ANP, tomando uma amostra do biodiesel comercializado no trimestre e, em caso de neste período haver mudança de tipo de matéria-prima, o produtor deverá analisar número de amostras correspondente ao número de tipos de matérias-primas utilizadas; (8) Poderá ser utilizado como método alternativo o método ASTM D6890 para número de cetano; (9) O limite máximo de 19ºC é válido para as regiões Sul, Sudeste, Centro- Oeste e Bahia, devendo ser anotado para as demais regiões. O biodiesel poderá ser entregue com temperaturas superiores ao limite supramencionado, caso haja acordo entre as partes envolvidas. Os métodos de análise indicados não podem ser empregados para biodiesel oriundo apenas de mamona; (10) Os métodos referenciados demandam validação para as matérias-primas não previstas no método e rota de produção etílica.” (Redação Original)

Fonte: Resolução ANP n° 4, de 02/02/2010

As especificações definidas acima possuem implicações em termos das matérias-primas que serão utilizadas e dos processos de transesterificação. O Quadro 1.7. descreve resumidamente o significado dos principais itens contidos na especificação brasileira, apontando as matérias primas e processos mais problemáticos em cada um dos itens especificados.

Quadro 1.7. Principais parâmetros da especificação do biodiesel

Parâmetro Significado

Índice de iodo Mede a densidade do biodiesel, que afeta o poder calorífico e consumo. O biodiesel com alto índice de iodo, como o de mamona e palma, pode comprometer a adequação à viscosidade especificada. Uma solução para o problema é a mistura com biodiesel menos viscoso.

Viscosidade cinemática28

Indica a eficiência na combustão e injeção do combustível. Em baixas temperaturas, a alta viscosidade cinemática implica em injeção e combustão menos eficientes. Esse índice é maior no biodiesel etílico e de matérias primas ácidas (palma, gorduras e óleos usados) e na mamona.

Ponto de

fulgor

Indica a temperatura de inflamação do biodiesel. Em geral, qualquer matéria-prima ou processo de produção apresenta ponto de fulgor superior ao definido nas especificações, o que é uma característica positiva em termos de segurança no transporte e armazenagem. Baixos pontos de fulgor podem ocorrer se o biodiesel possui muito álcool residual, o que indica ineficiência no processo de lavagem do biodiesel.

Número de cetano

Mede a qualidade da ignição (qualidade carburante) do biodiesel. Tende a ser mais alto no biodiesel de óleo de palma ou gorduras animais, e mais baixos em biodiesel de menor índice de iodo, como girassol e soja.

Teor de

metanol ou etanol

Indica o conteúdo de álcool do biodiesel. Depende da eficiência da lavagem do excesso de álcool usado na transesterificação. Altos índices de álcool podem levar a baixos pontos de fulgor, comprometendo a segurança de transporte e armazenamento.

Enxofre total Depende da composição da matéria-prima, e influencia a emissão de poluentes na queima do produto. Em geral é bastante baixo, exceto no caso do biodiesel de óleos residuais, cuja matéria-prima tem de ser tratada.

Resíduo de carbono

Indica o potencial de formação de depósitos de carbono no motor. Não é considerado um problema para a maioria das matérias-primas, cujo tratamento evita o problema.

Cinzas sulfatadas

Mostram o teor de contaminantes não orgânicos no biodiesel, como resíduos de catalisador e metais. Não é um problema específico de nenhuma matéria prima, e depende do método de purificação da matéria-prima e do processamento do biodiesel.

Teor de água Um alto teor aumenta a acidez do biodiesel. É influenciada pelas condições de transporte e armazenamento.

Índice de acidez

Mede o teor de ácidos minerais e ácidos graxos. Depende da matéria-prima e de seu tratamento, mas pode ser gerado durante o processamento por fatores como o uso de catalisadores ácidos.

Contaminação total

Mostra a quantidade de material insolúvel presente no biodiesel após a filtração, especialmente sabões e sedimentos, que podem causar bloqueio de filtros de combustível e de bombas de injeção. Depende da qualidade do processo de purificação da matéria-prima e do biodiesel. Estabilidade à

oxidação

Indica a resistência do biodiesel à degradação quando estocado. É influenciada pela composição e tratamento da matéria-prima e pela qualidade do processo de conversão em biodiesel.

Conteúdo de fósforo

Indica o teor desse contaminante, que pode prejudicar componentes do motor, por exemplo a eficiência de catalisadores. Depende principalmente da preparação da matéria-prima.

Teor de Cálcio + magnésio

Depende da matéria-prima utilizada. O biodiesel de gorduras animais tende a apresentar maiores teores, mas também podem ser introduzidos pela água usada na lavagem do biodiesel. Glicerol total Depende do processamento, da purificação do biodiesel e do catalisador (os de sódio geram

mais glicerol). O biodiesel com alto teor de glicerol forma depósitos nos bicos injetores, pistões e válvulas dos motores.

Glicerol livre Refere-se ao glicerol formado durante a estocagem. Depende da eficiência da lavagem do biodiesel, e causa os mesmos problemas do glicerol total.

Fonte: Adaptado de Schober e Mittelbach (2009)

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A medida de viscosidade cinemática é diferente da medida de densidade, medida pelo índice de iodo. A segunda é uma propriedade estática do material; já a primeira é uma propriedade variável (cinemática) em função da temperatura. Por isso a Viscosidade Cinemática é apresentada a 40º C.

Assim, percebe-se que as matérias-primas são um fator determinante nas características do biodiesel. É interessante mostrar aqui a diferença dessas características nos diversos tipos de biodiesel e no petrodiesel (Quadro 1.8). Nota-se que as diferenças mais importantes estão relacionadas às medidas de viscosidade, ponto desfavorável ao biodiesel de mamona.

Quadro 1.8. Especificações do biodiesel, matérias-primas selecionadas e petrodiesel

Características Mamona Babaçu Palma Algodão Petrodiesel (tipo

C)

Poder calorífico (kcal/kg) 9046 9440 9530 9520 10824

Ponto de névoa (ºC) -6 -6 6 nd 1 Índice de cetano nd 65 nd 57,5 45,8 Densidade a 20 ºC (g/cm3) 0,9190 0,8865 0,8597 0,8750 0,8497 Viscosidade a 37,8 ºC (cSt)* 21,6 3,9 6,4 6,0 3,04 Inflamabilidade (ºC) 208 nd nd 184 55 Ponto de fluidez (ºC) -30 nd nd -3 nd Destilação a 50% (ºC) 301 291 333 340 278 Destilação a 90% (ºC) 318 333 338 342 373 Corrosividade ao cobre 0 0 0 0 £2 Teor de cinzas (%) 0,01 0,03 0,01 0,01 0,014 Teor de enxofre (%) 0 nd nd 0 0,24 Cor (ASTM) 1 0 0,5 1 2

Resíduo de carbono Conradson (%)** 0,09 0,03 0,02 nd 0,35

* cSt: Centistoke, medida de viscosidade que significa um milímetro quadrado por segundo; ** Resíduo de carbono Conradson sobre 10% do resíduo seco (%); nd = não determinado

Fonte: Costa Neto et al. (2000)

As especificações dos maiores mercados mundiais, Europa e Estados Unidos, dificultam o comércio internacional de combustíveis com matérias-primas alternativas à soja e à canola. De maneira geral, as especificações européias apresentam grandes diferenças das especificações de matérias-primas alternativas, em função das características do biodiesel de canola. Tampouco admitem o biodiesel etílico, aceitável nas especicações do Brasil e dos Estados Unidos. Dessa maneira, as especificações do biodiesel se tornam uma questão de comércio internacional, que vai muito além da unifomização de processos de produção e produtos, e que depende muito mais das negociações entre atores muitas vezes intransigentes em função da defesa de suas indústrias domésticas e também dos seus produtores agrícolas. Esse assunto será retomado no capítulo 2, no item que trata das políticas internacionais de inserção do biodiesel.