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CAPÍTULO 1: A INDÚSTRIA DE BIODIESEL

1.2. Matérias-Primas para a Produção de Biodiesel

1.2.2. Controvérsias Relacionadas à Produção de Matérias-Primas Agroenergéticas

A produção agropecuária de matérias-primas para o biodiesel envolve diversos pontos controversos que, de maneira geral, dependem de contextos políticos, técnicos e econômicos particulares. Não obstante, não será ocioso finalizar essa sessão apresentando rapidamente algumas das principais polêmicas sobre o assunto: a intensificação dos impactos ambientais e sociais típicos da agropecuária de larga escala, o conflito biocombustíveis versus produção de alimentos e o papel que os

Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) pode desempenhar nesse contexto.

Os problemas ambientais das lavouras agroenergéticas de larga escala são aqueles típicos de monoculturas modernas e intensivas em capital. Incluem a poluição gerada por fertilizantes e pesticidas, degradação de solos, consumo energético e emissões, consumo de água, uso de insumos químicos no processamento agroindustrial e expansão da fronteira agrícola sobre biomas naturais (Kort, Collins e Ditsch, 1998; Reinjders, 2006). Os

impactos sociais incluem a exclusão de agricultores carentes de capital e conhecimento

e a conseqüente concentração de terras em grandes propriedades, “grilagem” de terras, aumento da demanda por terras agricultáveis e a intensificação do trabalho e exclusão de populações indígenas e tradicionais (ONG REPÓRTER BRASIL, 2008).

Os problemas ambientais e sociais dos biocombustíveis geraram uma onda de movimentos visando a certificação desses produtos, visando incluir critérios de responsabilidade social e ambiental na produção de suas matérias-primas, fundamentais para a exportação de biocombustíveis (VAN DAM et al., 2008). A adoção de esquemas de certificação de matérias primas é, portanto, uma medida de política pública desejável e justificada em termos sociais, ambientais e de etratégia comercial.

A demanda adicional sobre produtos agrícolas e a demanda por terras agricultáveis para a produção de biocombustíveis gerou uma discussão que colocou em lados opostos a

produção de biocombustíveis e a oferta de alimentos. Essa discussão se intensificou

com a alta de preços dos alimentos entre 2007 e 2008 (crise dos alimentos). De acordo com Carter et al. (2008) entre 2005 e 2008, os preços do arroz, milho, soja e trigo quase

triplicaram, simultaneamente a uma expansão similar no uso de biocombustíveis. Contudo, os autores consideram que a crise também foi causada pelos seguintes fatores: causas naturais (seca na Austrália e enchentes nos EUA);12 crescimento da demanda nos países emergentes em ritmo superior aos ganhos de produtividade; aumento nos preços de insumos agrícolas; comércio internacional, principalmente políticas de restrição às exportações de arroz na China e Índia; diminuição nas taxas de juros nos EUA e conseqüente desvalorização do dólar, levando os produtores a tomarem medidas para elevar os preços das commodities de exportação. Alston et al. (2008) incluem entre as causas da crise dos alimentos a diminuição de ritmo nos aumentos de produtividade desde a década de 90 nas culturas de milho, trigo e arroz, decorrente da diminuição dos investimentos em P&D agrícola no mundo desenvolvido, responsável por cerca de 2/3 dos investimentos na área entre 1981 e 2000.

Por outro lado, os aumentos nos preços da energia tiveram o efeito de aumentar os preços dos biocombustíveis e deslocar parte da produção de alimentos para a produção de energia,13 causando uma pressão adicional sobre os preços dos alimentos e na demanda por terras agricultáveis: em 2005, 14% do suprimento de milho nos EUA foi direcionado à produção de etanol; em 2008, essa proporção chegou a 30%, aumentando-se em 19% a área plantada (CARTER et al., 2008)

A produção de biodiesel, contudo, apresenta diferenças significativas da produção de etanol de milho. As principais lavouras direcionadas à produção de biodiesel utilizam apenas o óleo na produção, gerando também tortas protéicas extremamente importantes na produção de carnes (CAMPOS e CARMÉLIO, 2006), cuja oferta vem crescendo no período de expansão do uso do biodiesel (Gráfico 1.3). Além disso, muitas das culturas utilizadas para a produção de biodiesel são cultivadas em associação a outros cultivos, em

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A diminuição de 60 megatoneladas na oferta de cereais na Austrália, EUA e União Européia (UE) foi quase 4 vezes superior ao aumento de 17 megatoneladas no uso de cereais para a produção de biocombustíveis (OECD & FAO, 2007).

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A partir do momento em que os biocombustíveis se tornam opções no mercado de combustíveis, alterações no preço da energia modificam os preços de toda a cadeia agroindustrial, pois muitos produtos podem ser desviados do mercado de alimentos e direcionados para o mercado de combustíveis em caso de altas nos preços da energia (DIAS, 2008).

sistemas de rotação de culturas (por exemplo, canola, girassol e soja) ou lavouras consorciadas (mamona e feijão, mamona e sorgo, dendê e banana, entre outras).

Gráfico 1.3. Produção mundial de tortas protéicas, 2005-2010 0 50 100 150 200 250 2005/2006 2006/2007 2007/2008 2008/2009 2009/2010 Anos M il h õ e s d e T o n e la d a s Semente de Algodão Palma (semente) Canola Soja Girassol

Fonte: United States Department of Agriculture (USDA) (2010)

O papel que os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) podem desempenhar na solução dos problemas ambientais e dos problemas de oferta e concorrência com a produção de alimentos gerou um debate polarizado. De um lado, posicionam-se aqueles que vêem nessas tecnologias um caminho seguro para a solução desses problemas:

Due to the need to improve both the economic efficiency and the energy efficiency of biofuels, biotechnologies are expected to play a key role in the development of the biofuel industry. Genetic improvement has been highlighted as the key to increased yelds and environmental benefits of energy crops while reducing agricultural inputs. While genetic improvement for some feedstocks such as soya and corn are more advanced, for other energy crops such as switchgrass, poplar, and jatophra it has rarely begun. The combination of modern breeding and transgenic techniques are expected to achieve greater results for food crops than the Green Revolution achieved, and in far less time. (Dufey, 2006, p.44)

Por outro lado, o fato de que os direitos de propriedade sobre as cultivares transgênicas por grandes empresas é considerada um fator negativo em termos das possibilidades de sua utilização como fonte de energia, ao aumentar a dependência dos agricultores em relação a essas empresas:

Todas las empresas que producen cultivos transgénicos Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayer, BASF tienen inversiones en cultivos diseñados para la producción de biocombustibles como son el etanol y el biodiesel. Tienen, asimismo, acuerdos de colaboración en este rubro con Cargill, Archer Daniel Midland, Bunge, trasnacionales que dominan el comercio mundial de granos.[...] Las productoras de transgénicos ven en todo esto una excelente oportunidad para aumentar sus ganancias y justificar la manipulación genética como si fuera en beneficio ambiental. Sus inversiones en biocombustibles incluyen el desarrollo de cultivos transgénicos con mayor contenido de azúcares (para convertir en etanol), de aceites (para biodiesel) y la insercion de genes que expresan enzimas para facilitar su procesamiento. (Ribeiro, 2006. s.p.)

O controle de impactos ambientais e sociais das lavouras agroenergéticas é bastante difícil devido ao grande número produtores, o que implica em enormes dificuldades para o cumprimento de políticas fiscalizatórias. A dificuldade de se controlar a produção agropecuária ficou evidente com a antecipação do uso da soja Roundup Ready14 no

Brasil. Essa variedade de soja geneticamente modificada e licenciada pela Monsanto contava com uma produção expressiva no sul do país antes de ser autorizada, o que forçou a sua regulamentação em todo o país em 2005, precedida da regulamentação no Rio Grande do Sul nas safras 2003/04 e 2004/05 (FUCK, 2009).

Diversos esquemas de certificação do uso das melhores práticas agrícolas visando a redução de impactos ambientais e sociais dos biocombustíveis têm sido propostos. A eficiência desses esquemas baseia-se em uma lógica de mercado, supondo que os produtores que não se adequarem não conseguirão vender seus produtos. Contudo, esse mecanismo tem o mesmo problema de controle de unidades descentralizadas da fiscalização governamental. De onde se pode concluir que uma das vantagens da produção dos biocombustíveis (a produção descentralizada de matérias-primas) pode tornar-se uma grande desvantagem devido ao difícil controle (pelo governo ou pelo mercado) de uma extensa e dispersa rede de fornecedores.