• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2: POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERVENÇÃO EM SISTEMAS

2.3. Contexto Nacional: Antecedentes do Programa Brasileiro

Um item importante para a inclusão do biodiesel na agenda de política pública do Governo Federal foi a experiência brasileira com a produção do combustível, que na visão dos formuladores da política indicava a capacitação nacional no assunto.

Os Programas do Governo Federal visando a produção de biodiesel no Brasil anteriormente ao PNPB ocorreram no início da década de 80, motivadas pelos choques do petróleo da década de 70, especialmente o segundo choque do petróleo em 1979. Nessa

60

As principais restrições são o teor de iodo, que limita o uso de biodiesel de soja em cerca de 25% no blend europeu e o ponto de congelamento, limitador do uso de matérias-primas adequadas para a produção do biodiesel “tropical”.

época, a principal motivação dos programas era a substituição do petróleo importado, sendo o Proálcool, programa de substituição da gasolina por etanol, o carro-chefe das políticas de biocombustíveis na época.

É importante acrescentar que o contexto político e institucional, bem como o modelo econômico vigente, eram significativamente diferentes na época. Em primeiro lugar, o Estado autoritário centralizava as decisões de política energética, colocando Estados, Municípios e organizações da sociedade civil em uma posição subordinada na formulação e execução das políticas de infra-estrutura. Em segundo lugar, o Governo Federal detinha o controle absoluto sobre as estatais de energia, sendo o principal operacionalizador da política energética.

As primeiras experiências brasileiras de produção de biodiesel iniciaram-se em 1977 na Universidade Federal do Ceará (UFCE), culminando com a requisição, em 1980, de patentes desenvolvidas no Centro de Tecnologia da Universidade (PARENTE, 2006).61 A experiência desenvolvida na UFCE, inicialmente limitada à universidade, foi posteriormente agregada às iniciativas nacionais de diversificação da matriz energética, iniciadas com o Primeiro Choque do Petróleo de 1973 e aceleradas com o Segundo Choque de 1979.

No início dos anos 80 a Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio lançou o Programa Nacional de Alternativas Energéticas de Origem Vegetal, que conduziu ao Programa Nacional de Energia de Óleos Vegetais (Oveg). O Programa tinha como objetivo viabilizar o aproveitamento de óleos vegetais puros e transformados por processos físico-químicos, visando substituir parte do petrodiesel consumido no país. Ainda nos anos 80, o programa foi renomeado, passando a se chamar Pró-Óleo (Marchal, 2006; Parente, 2006).

No que diz respeito ao biodiesel, esses programas constituíram-se essencialmente em um conjunto de projetos de pesquisa isolados e desconexos, cujos resultados foram apropriados apenas por órgãos do Governo. Não é ocioso acrescentar que não foi desenvolvido o conhecimento sobre a produção em larga escala, apenas projetos de

61

Parente, E. J. S.; BR Pat. PI 8007957, Brasil, 1980. O autor, o Engenheiro Expedito Parente, é proprietário da Tecbio, fornecedora nacional de plantas de biodiesel.

pequena escala cuja tecnologia já era bem conhecida. Os parágrafos a seguir descrevem algumas dessas iniciativas.

Entre 1981 e 1982, a UFCE enviou amostras de biodiesel para testes por fabricantes de motores e empresas de transporte, gerando a empresa Produtora de Sistemas Energéticos (Proerg). Com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Ministério da Aeronáutica, a Proerg implantou uma unidade piloto de 200 l por hora, onde foram produzidas e testadas diversas matérias-primas (PARENTE, 2006).

Entre 1980 e 1982 o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) desenvolveu um projeto que incluiu testes de biodiesel em ônibus da Companhia de Transportes Coletivos (CTC) no Rio de Janeiro. Em 1984 foram testados biodiesel de dendê e soja em um veículo adaptado na Bahia (COSTA, 2004).

Também na década de 80, o Ceped (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento), ligado à Universidade Federal da Bahia, desenvolveu testes de laboratório, construiu uma planta- piloto e desenvolveu o projeto de engenharia básica de uma planta de produção de biodiesel por craqueamento de óleo de palma. O projeto, resultado de um convênio com o Ministério de Minas e Energia, foi financiado pelo Banco do Brasil (Maretic, 1984; Marchal, 2006).

No Estado do Paraná foram desenvolvidos em 1983 experimentos com biodiesel da borra de óleo de caroço de algodão, na Cooperativa de cafeicultores de Maringá (Cocamar), complementados com ensaios mecânicos realizados no Centro de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Paraná por membros do Instituto de Tecnologia do Paraná (FONTANA, 2004).

Isoladamente, esses projetos não lograram criar uma indústria de biodiesel. A estabilização do preço do petróleo na década de 1980, aliado ao desenvolvimento da exploração de petróleo na bacia de Campos,62 foram suficientes para que essas experiências fossem abandonadas (Marchal, 2006; Parente, 2006).

62

O choque do petróleo de 1973 viabilizou a produção de petróleo em águas profundas e campos marginais, descobrindo-se o campo gigante de Namorado em Campos (1975) e ampliando-se a produção de 182 mil barris de petróleo por dia em 1974 para 500 mil em 1984 (LUCCHESI, 1998).

Nos anos 2000, o tema voltou a ser discutido no Brasil, que vivia em um novo contexto político, econômico e social. A redemocratização do país, instituída pela Constituição Federal de 1988, permitia a participação ativa de Estados, municípios e organizações sociais em programas de infra-estrutura do governo. Os grandes programas governamentais passaram a ser objeto de discussão entre os atores interessados, destacando-se os representantes de grupos de interesse regionais e setoriais atuantes no Senado e na Câmara de Deputados. O Estado modificou seu papel na economia, de Estado intervencionista para Estado regulador. O monopólio da Petrobras, quebrado em 1997, permitia a entrada de empresas privadas na produção de derivados energéticos. Surgiam as Agências Reguladoras do setor de infra-estrutura, entidades essencialmente encarregadas de garantir que os mercados funcionassem sem distorções. Na área de petróleo e derivados, foi criada a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Outro elemento novo e importante no contexto dos anos 2000 foi o aumento da importância dada à questão ambiental. O efeito mais importante das discussões a esse respeito foi o estabelecimento do Protocolo de Kyoto, em 1997, que criava um compromisso internacional de redução das emissões decorrentes da produção e uso de energia.

Nesse novo contexto o biodiesel voltou à agenda de políticas públicas. Em 2001 foi assunto de audiência na Comissão da Crise Energética da Câmara dos Deputados (AGÊNCIA CÂMARA, 2001). No mesmo ano, foi lançada a Portaria ANP nº 310 de 28/12/2001, que definiu novas especificações para o petrodiesel, autorizando a adição de 2% de biodiesel.

Em 2002 a Portaria nº 702 do Ministério da Ciência e Tecnologia instituiu o Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico do Biodiesel (Probiodiesel) visando viabilizar o uso de misturas B5 a partir de 2005. O Programa, cujo orçamento era bastante reduzido (R$ 8 milhões para o período 2002-2004), foi apresentado pelo MCT em 2002 no 1o Seminário Internacional de Biodiesel. Os objetivos apresentados eram desenvolver o MAD8 (diesel com 8% de álcool) e o petrodiesel com 5% de biodiesel (B5). Na ocasião, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) apresentou pesquisas

sobre biodiesel e defendeu a criação de incentivos tributários (GAZETA MERCANTIL, 2002a).

Em 2003 a Secretaria de Petróleo, Gás e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia lançou o Programa Combustível Verde: Biodiesel. No lançamento do programa foi anunciada a construção de uma usina piloto em Mossoró (RN), com investimento de R$ 5 milhões (GAZETA MERCANTIL, 2003a), empreendimento do qual não se têm mais notícias.

Em 25/08/2003 foi lançada a Portaria ANP nº 240/2003, regulamentando combustíveis não especificados, cujo uso passou a depender de autorização da ANP. A Lei nº 10.848 de 15/03/2004 alterou o regime de comercialização de energia elétrica, e entre outras medidas incluiu o biodiesel na Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis dos Sistemas Isolados, rateada por concessionários de distribuição de eletricidade para cobrir os custos da geração por geradores diesel em sistemas isolados.

Experiências com a produção de biodiesel no Brasil existem desde a década de 1980, mas foram abandonadas devido ao contra-choque do petróleo. Esses experimentos, retomados no início dos anos 2000, nunca tiveram uma escala significativa em termos de investimentos públicos e privados, e não validam a afirmação de que o Brasil possuía experiência na produção industrial de biodiesel. Um Programa de larga-escala, coordenado nacionalmente e que estimularia de fato a produção industrial e o consumo em larga escala de biodiesel só seria criado em 2004, com o lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB).

Nas iniciativas anteriores ao PNPB o ambiente era menos favorável, inexistindo experiências internacionais e não havendo uma mobilização de atores que sustentasse a criação de uma indústria. Nesse sentido, podemos considerar que na atual conjuntura existem poderosos mecanismos de indução (Rosenberg, 1976; Freeman, 1991) à adoção da tecnologia de biodiesel. Os mecanismos mais importantes à adoção da tecnologia do biodiesel no Brasil são a existência de programas internacionais, a necessidade de importar petrodiesel e as pressões ambientalistas pela substituição de combustíveis derivados de petróleo por combustíveis menos poluentes.