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Caracterização da Síndrome de Down

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 60-64)

29. Desempenho de Marcos nas provas aplicadas no pré-teste e pós-teste 1 e 2

2.3 CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E APRENDIZAGEM DA LINGUAGEM ESCRITA

2.3.1 Caracterização da Síndrome de Down

Atualmente, se sabe que o déficit cognitivo na síndrome de Down não é homogêneo, havendo prejuízos principalmente evidentes em algumas áreas, tal como a linguagem expressiva e a memória de trabalho auditiva. (LAVRA-PINTO, 2009, p. 46).

O arranjo cromossômico que causa a Síndrome de Down (SD) ocasiona diversas alterações no desenvolvimento global da criança e apresenta prevalência média de uma entre 700 e 1000 crianças nascidas vivas, sendo considerada atualmente, uma das causas genéticas mais comuns de deficiência intelectual. Esta síndrome atinge particularmente o desempenho intelectual a aquisição da linguagem e a memória auditiva. (BOUDREAU, 2002; PUESCHEL, 2007; CARDOSO-MARTINS; SILVA, 2008; LAVRA-PINTO, 2009; BURGOYNE et al., 2012; HULME et al., 2012).

Segundo Pueschel (2007, p. 53) em tempos passados acreditava-se que a síndrome de Down ocorria devido às interferências ambientais no período pré-natal, dentre as quais, “[...] o alcoolismo, a sífilis, a tuberculose ou a regressão a um tipo humano mais primitivo.” Porém, atualmente compreende-se que a ocorrência desta síndrome se deve a um acidente cromossômico que acontece de três formas: a primeira, denominada de trissomia do 21, ocorre em aproximadamente 95% dos casos e caracteriza-se pela presença de 1 cromossomo extra no par 21. A segunda denominada de translocação, que ocorre em 4% dos casos, consiste na fusão do braço longo do cromossomo 21 e geralmente do braço longo do cromossomo 14, 15 ou 22. A terceira, denominada de mosaicismo caracteriza-se pela presença tanto de células normais quanto de células com a trissomia do 21. O mosaicismo é mais raro e atinge cerca de 1 a 2% das pessoas com Síndrome de Down. Para Kozma (2007) as crianças com mosaicismo podem apresentar uma capacidade cognitiva maior, dependendo da região em que as células com trissomia se localizam. (SCHWARTZMAN, 1999; STRAY- GUNDERSEN, 2007; LAVRA-PINTO, 2009).

As principais características clínicas da SD foram descritas primeiramente pelos médicos Jean Esquirol em 1838 e Edouard Séguin em 1846, mas, foi John Langdon Down que em 1866 publicou um trabalho com a descrição sistematizada das características clássicas da síndrome que levou seu nome. Porém, a descoberta da origem genética da Síndrome de Down só ocorreu em 1959 quando Jerome Lejeune (França) e Patrícia A. Jacobs (Escócia) juntamente com seus colaboradores descobriram a presença de um cromossomo extra no par 21 do cariótipo de pessoas que apresentavam as características da síndrome. (PUESHEL, 2007; SCHWARTZMAN, 1999).

O desenvolvimento global e a aprendizagem ocorrem de maneira muito variada nas crianças com Síndrome de Down (SD). Segundo Fletcher e Buckley (2002) e Kozma (2007) além das variações nas manifestações clínicas típicas da síndrome e no grau de acometimento, as crianças também contam com a herança genética dos pais, traços de personalidade e a exposição às influências ambientais como a escola, família, condição sócio-econômica, acesso aos recursos tecnológicos, política inclusiva, apoio especializado, entre outros. Desta forma, a literatura da área recomenda que as crianças com SD sejam inseridas em programas de estimulação precoce e acompanhadas por profissionais de várias áreas que possam atender às suas necessidades especiais desde os primeiros meses de vida. (SCHWARTZMAN, 1999; STRAY-GUNDERSEN, 2007; VOIVODIC, 2007).

De acordo com Kozma (2007) e Cunningham (2008), o desempenho cognitivo das crianças com SD foi, tradicionalmente, mensurado por meio do quociente de inteligência (QI) seguindo-se uma escala onde a pontuação menor que 70 indica algum nível de atraso no desenvolvimento intelectual.

Com base na mensuração do QI, Kay-Raining Bird, Cleave e McConnell (2000) relataram que as crianças com SD apresentam um atraso mental médio entre moderado e severo (QI de 25-55). Porém, Cupples e Iacono (2002) consideram que a maioria apresenta atraso moderado (QI de 40-55) e Troncoso e Cerro (2004) apontam que estas crianças têm atraso moderado a leve (QI de 40-70).

Cunningham (2008) realizou um balanço de vários estudos sobre a temática e verificou que, “[...] quanto mais recente o estudo e quanto mais participantes residissem com a família e com a comunidade, maior a porcentagem de crianças e adultos classificados nas categorias moderada a leve. A faixa de capacidade para os jovens, expressada em idades mentais, varia de imensurável a cerca de 9 anos. A média parece ficar entre 5 e 6 anos.”

Schwartzman (1999), Cunningham (2008) e Lavra-Pinto (2009) concordam que a mensuração da inteligência por meio do QI sofre influências do meio sócio-econômico e não determinam o desempenho acadêmico futuro dos indivíduos com SD, nas palavras de Cunningham (2008, p. 231) “[...] o quadro para crianças com SD é o mesmo observado para qualquer criança: gênero, fatores sócio-econômicos e nível educacional dos pais estão associados aos escores em testes de capacidade mental”.

Além disso, os estudos relatados por Gombert (2002), Boudreau (2002) e Troncoso e Cerro (2004) mostram que sujeitos com SD podem apresentar idade de leitura superior a idade mental. Desta forma, a maioria dos estudos onde foram comparados os desempenhos de sujeitos com SD e indivíduos com desenvolvimento típico (DT) o critério de pareamento

adotado foi a capacidade de leitura. (COSSU et al., 1993; CARDOSO-MARTINS; FRITH, 2001; CARDOSO-MARTINS; MICHALICK; POLLO, 2002; GOMBERT, 2002; SNOWLING; HULME; MERCER, 2002; VERUCCI, MENGHINI, VICARI, 2006; ROCH E JAROLD, 2008).

Conforme já foi dito, Lavra-Pinto (2009, p. 46) destaca que na Síndrome de Down há “[...] prejuízos particularmente evidentes em algumas áreas, tal como a linguagem expressiva e a memória de trabalho auditiva”. Também Tristão e Feitosa (1998), Boudreau (2002); Cardoso-Martins e Silva (2008), Sás (2009), Burgoyne et al., (2012), Hulme et al., (2012) concordam que a linguagem expressiva é particularmente prejudicada nas crianças com SD.

Boudreau (2002), Gombert (2002) e Hulme et al., (2012) destacam que a linguagem desempenha um papel fundamental na aprendizagem da leitura e escrita para todas as crianças inclusive para as com SD. Gomber (2003), Maluf (2003) e Guimarães (2005) apontam que ao iniciarem o ensino fundamental, por volta dos 5 anos as crianças geralmente compreendem e pronunciam um grande número de palavras oralmente e fazem uso de várias regras de sintaxe para se comunicar. Dessa forma, ao começarem a aprendizagem da leitura as crianças utilizam as habilidades epilinguísticas (implícitas) empregadas na comunicação oral para se apoiar o desenvolvimento dos conhecimentos metalinguísticos (explícitos) ensinados pela escola no processo de alfabetização.

Porém, Buckley (1992), Boudreau (2002), Troncoso e Cerro (2004), Lavra-Pinto (2009), Sás (2009) e Hulme et al., (2012) destacam que as crianças com SD geralmente apresentam significativo atraso no desenvolvimento da linguagem expressiva, de forma que utilizam um vocabulário restrito com frequente omissão de verbos e palavras com funções gramaticais. Ao se comunicarem empregam palavras isoladas, gestos, sílabas ou partes de palavras e sons. Este atraso no desenvolvimento da linguagem pode ocasionar dificuldades na aprendizagem da leitura.

Buckley (1992) defende que a aprendizagem da leitura em crianças com SD melhora a linguagem oral e propõe o ensino da leitura com o apoio visual de figuras e palavras como forma de estimular o desenvolvimento e aprimoramento da oralidade. Para esta autora o emprego de imagens (desenhos e fotografias) dos objetos e da escrita das palavras auxilia as crianças com SD a superarem também os déficits na memória de curto prazo e de processamento auditivo.

Boudreau (2002) e Rondal (2006) descrevem que as crianças com SD desenvolvem a linguagem na mesma sequência das demais crianças, porém, num ritmo mais lento. Desta forma, tanto a linguagem expressiva quanto e receptiva se desenvolvem mais tardiamente

podem adentrar a adolescência e até a idade adulta. Boudreau (2002) destaca ainda que apesar da linguagem expressiva desempenhar um papel fundamental na aprendizagem da linguagem escrita, tradicionalmente os alunos com SD ao concluírem a escola primária, são encaminhados a programas que priorizam a qualificação para o trabalho, justamente no momento mais favorável para desenvolver as habilidades de leitura.

Hulme et al. (2012) observaram um declínio nas habilidades de leitura em jovens e adultos com SD após o término da escola primária, estes autores atribuíram o fato dos programas subsequentes não priorizarem o processo de leitura e escrita. E salientaram a importância dos programas de ensino de habilidades de leitura e escrita serem direcionados também para alunos com SD em idades mais avançadas.

Ao investigarem crianças brasileiras com SD na fase da aprendizagem da leitura Tristão e Feitosa (1998, p. 130) relatam que os alunos com SD geralmente apresentam dificuldades no emprego apropriado de itens gramaticais e lexicais, tais como, “[...] gênero, expressão dos tempos verbais, relações sujeito-verbo e substantivos-adjetivos”, para estas autoras, tais comportamentos evidenciam “[...] uma possível dissociação entre os domínios morfo-fonológico e sintático-léxico”.

Byrne et al. (1995), Chapman e Hesketh (2000), Jarrold e Baddeley (2001), Fletcher e Buckley (2002), Jarrold, Baddeley e Phillips (2002) e Lavra-Pinto (2009, p. 48) relataram que além do vocabulário, também a memória de trabalho auditiva é bastante prejudicada nos indivíduos com SD. De outro lado, Buckley (1992) e Lavra-Pinto (2009, p. 49) apontam que nestes alunos as habilidades de percepção visual ou espacial são mais desenvolvidas.

Estudos realizados por Fletcher e Buckley (2002), Boudreau (2002), Kennedy e Flynn (2003) encontraram evidências de que existe uma correlação positiva entre a memória de trabalho auditiva e a consciência fonológica em sujeitos com SD, e relataram que os alunos que obtinham maior extensão de dígitos em testes de memória auditiva (digit span) estavam mais propensos a ter sucesso em tarefas de CF, sobretudo, nas que envolviam conhecimento de rima dos sons finais das palavras.

Tendo em vista a importância das habilidades metafonológicas para a aquisição e o aperfeiçoamento da linguagem escrita, descrita na seção anterior (seção 2.2), infere-se que é indispensável uma intervenção expressiva para o desenvolvimento da consciência fonológica junto aos alunos com SD, para que eles possam adquirir e desenvolver a capacidade de leitura e escrita e a despeito dos prejuízos na memória de trabalho auditiva e na linguagem.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 60-64)