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Caracterizando os processos de disputa

Com a expansão do ensino superior no final da década de noventa e início dos anos 2000 o cenário de inserção e atuação das instituições de ensino superior viu-se modificado e

5 Entende-se por orientação societal de marketing, ou marketing societal, o processo de conscientizar o consumidor

ampliado, levando, o que aqui referimos como universidades, a instituírem um clima de uma ávida disputa por clientes–alunos.

O ensino superior brasileiro está regulamentado pela Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), pelo Decreto 3.860/2001 que rege, por exemplo, questões de natureza jurídica pertinentes à legislação educacional e a sua estrutura de leis. Leis que envolvem a estrutura administrativa do Poder Executivo, incluindo aí as atribuições e competências do Ministério da Educação e demais órgãos que a estrutura operacional do ensino superior.

Assim, o ensino superior brasileiro organiza-se em sua estrutura operacional fundamentalmente segundo seis critérios: 1) a finalidade da educação superior; 2) a classificação das instituições de ensino superior; 3) a natureza das entidades mantenedoras; 4) o tipo de instituições de ensino superior; 5) os tipos de cursos e de programas oferecidos; 6) a modalidade de ensino. Destaca-se que, segundo a LDBEN, as “universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano” (LDBEN, 2010, p. 39).

Na configuração em que estão postas, as instituições de ensino superior (IES) incluem- se no Código de Defesa do Consumidor (CDC) como prestadoras de serviços educacionais. Sob essa ótica, que enseja, sem dúvida, um reducionismo quanto às suas funções, interpretam- se suas relações com o meio tomado como mercado de demandas. O discurso institucional passa a ter, então, uma forte vinculação com os pressupostos neoliberais da formação profissional, enfatizando a “eficiência, na concorrência e no individualismo. Cenário em que os alunos são vistos como clientes, o ensino, como mercadoria, e a educação, como um negócio” (ACEVEDO e NOHARA, 2011, p. 7).

Neste viés, Las Casas (1991, p.13) aponta para o marketing como sendo:

A área do conhecimento que engloba todas as atividades concernentes à relação de troca, orientadas para a satisfação dos desejos e necessidades dos consumidores, visando alcançar determinados objetivos da organização ou do indivíduo e considerando sempre o meio ambiente de atuação e o impacto que estas relações causam no bem estar da sociedade.

O marketing faz parte das atividades centrais das instituições contemporâneas, que no seu agir, inseridas nessa sociedade consumidora, ampliam seu campo de atuação, sempre com o propósito de atender eficazmente alguma área de necessidade humana. Nessa lógica, para sobreviver e tornarem-se bem sucedidas, as instituições necessitam conhecer os cenários onde atuam, atraindo recursos suficientes, convertendo esses recursos em programas, serviços e

ideias apropriadas, de modo que possam distribuí-los eficazmente aos vários públicos consumidores (KOTLER e FOX, 1994, p. 23).

Assim, quando as universidades direcionam seu compromisso para o mercado iremos presenciar um processo descrito por Gentili (2000) como a ‘pedagogia fast food’, trazendo para o universo da educação a mesma lógica que habita o mercado. Nessa lógica fica evidenciada a macdonaldização do ensino, dado que o sentido de qualidade se conecta com as vantagens competitivas e a ideia de diferenciação. Sob esta ótica edifica-se então a pedagogia fast food, que ignora a necessidade de uma educação fundamentada em valores humanos, passando a atender demandas mercantis.

Sob esta lógica têm-se as universidades repensadas e moldadas de acordo com o modelo de certos padrões empresariais, que visam acima de tudo a produtividade. O que justifica a transmutação de lugar que a educação passa a ocupar: deixa a esfera social e passa para a esfera do mercado. O autor vai além quando problematiza que no cenário contemporâneo, entre governos neoliberais6, a educação passa por uma crise de eficiência, eficácia e produtividade, o que ele classifica como “qualidade”, oriunda do efeito maléfico da planificação estatal (GENTILI, 2000).

Gentili (2000, p 49) afirma que a “[...] ausência de um mercado educacional (isto é, a ausência de mecanismos de regulação mercantil que configurem as bases de um mercado escolar)” está associada aos fatores que desencadeiam a crise de produtividade. Ele vai além quando afirma que para os neoliberais, quando do reconhecimento dessa característica, é possibilitada uma saída estratégica, onde é permitido conquistar ‘falsas promessas’, que resultaram em uma educação de qualidade, associadas às necessidades do mundo moderno. Assim, as instituições escolares caracterizar-se-iam como pequenas empresas produtoras de serviços educacionais (GENTILI, 2000).

Esta visão trazida pelo autor, em que os estados governados sob a égide do neoliberalismo, expressa e autoriza a institucionalização do mercado educacional, uma vez que a “interferência estatal não pode questionar o direito de livre escolha que os consumidores de educação devem realizar no mercado escolar. Apenas um conglomerado de instituições com essas características pode obter níveis de eficiência baseados na competição e na seleção individual” (GENTILI, 2000, p 49-50).

A respeito deste tema, ao analisar o mercado norte-americano de educação superior, considerado de alta competição, Kotler e Fox (1994, p. 18) afirmam que a razão do interesse por marketing é o declínio do número de jovens em idade de entrar na faculdade. O mesmo número de faculdades na caça de um número de alunos potenciais cada vez menor significa que as mesmas têm que lutar arduamente para manter seus níveis de matrículas ou, como acontece em algumas escolas de prestígio, para evitar a redução dos seus padrões elevados.

E este cenário, altamente competitivo, de disputas e batalhas por alunos-clientes, onde há a institucionalização declarada da disputa, é problematizado e clarificado por Gentili, (2000). Este afirma que a pedagogia fast-food, em que se enquadra na mesma lógica do alimento rápido e ágil, a mercê e à disposição do seu consumidor, em qualquer hora e lugar, também se aplicaria à educação (uma vez que as instituições instaurariam processos semelhantes ao de uma lanchonete). Assim, Gentili (2000) problematiza ainda mais quando afirma que se o “sistema escolar [...] se configurar como mercado educacional, as escolas devem definir estratégias competitivas para atuarem em tais mercados, conquistando nichos que respondam de forma específica à diversidade existente nas demandas de consumo por educação” (GENTILI, 2000, p 51).

Então, sob esta perspectiva, pode-se afirmar que “macdonaldizar a escola supõe pensá- la como uma instituição flexível que deve reagir aos estímulos (os sinais) emitidos por um mercado educacional altamente competitivo” (GENTILI, 2000, p 51). Visão que de acordo com autor seria defendida pelos neoliberais como uma necessidade, pois educar-se, e, por consequência, o conhecimento na contemporaneidade, passou a ser chave para a nova sociedade do saber. Sociedade esta em que é função das instituições educacionais, de acordo com a visão dos homens de negócios, ser transmissora de disciplinas e habilidades para que as pessoas possam atuar de forma competitiva em um mercado cada vez mais restrito e imensamente seletivo. E assim sendo, é na própria formação escolar que se dará – na ótica neoliberal – a seleção, classificação e hierarquização dos empregados no futuro (GENTILI, 2000).

Gentili (2000, p. 52) vai além afirmando que

A competitividade do mercado educacional não deve se reduzir apenas a uma disputa interinstitucional [...] pela conquista daqueles segmentos de demanda, [...]. A necessidade de permitir a competição interinstitucional explica a ênfase neoliberal no desenvolvimento de mecanismos de desregulamentação, flexibilização na oferta e livre escolha na esfera educacional. Essa competição [...] é sempre desigual, e tende a perpetuar uma distribuição diferencial do poder que reproduz o privilégio daquela minoria que tem acesso a instituições educacionais de qualidade.

Sob este cenário que se institucionaliza compreende-se que esta questão não se esgota com a chamada reforma competitiva. Vem se impondo pelo contexto neoliberal, uma vez que a competição tornar-se-á a tônica das instituições, funcionando como a dialética interna das mesmas. Assim, a institucionalização e perpetuação deste mercado competitivo dependem de fatores como propagação de austeros critérios para a regulamentação das práticas e relações cotidianas dentro dos espaços escolares. E aí, credenciando e ilustrando o porquê da macdonaldização, afinal algo análogo ocorre nos McDonald’s7 (GENTILI, 2000).

Há muito tempo é de conhecimento generalizado o sistema vigente na rede Mcdonald. Competição acirrada e contundente internamente entre trabalhadores, premiando, bem como castigando, com vistas ao enquadramento nesses espaços. Tudo isso com o objetivo de motivar. Assim, esta é a lógica cada vez mais vigente internamente nas instituições de educação (GENTILI, 2000). O autor vai além quando expressa que “quem mais produz é quem ganha, [...] é possível saber quem é que mais produz quando se avalia rigorosamente os atores envolvidos no processo pedagógico (sejam professores, alunos, funcionários)” (GENTILI, 2000, p. 53).

Este contexto interno, de acirradas disputas ora entre professores, ora entre alunos- clientes, ora entre funcionários, institucionaliza-se como a tônica das relações que perpassam a comunidade universitária, validando e tornando praxe a disputa interna em diferentes graduações por alunos-clientes. Uma vez que essa é uma prática vigente internamente nas instituições, externamente ela ocorre como disputa entre instituições por estes mesmos alunos- clientes, ofertando graduações, entendidas e promovidas pelas próprias instituições como produtos que atendam a demanda desse mercado educacional. Prática que é difundida, incentivada e institucionalizada pelo Estado neoliberal.

Este novo cenário em que as universidades estão inseridas provocou nelas uma mudança significativa. Administradores, gestores, reitores, coordenadores, dentre outros, instigados por este cenário que se apresenta competitivo, com vistas a atrair o maior número de alunos, que é estabelecido pela larga disputa por “eles”, passaram a olhar para estas universidades não mais como instituições. Assim fez com as Instituições se transformassem em organizações, pois o esforço passou a concentrar-se em encontrar maneiras para atender as necessidades e os desejos dos alunos, de modo que os produtos e serviços destinados a eles sejam os ideais. Configura-se, então, uma “sociedade que aparece como uma rede móvel,

7 McDonald's é uma empresa responsável por uma rede internacional de lanchonetes, cuja atividade é conhecida

instável, efêmera de organizações particulares definidas por estratégias particulares e programas particulares, competindo entre si” (CHAUÍ, 1999, s.p.).

Portanto, este é o cenário em que os processos de ensino, pesquisa e extensão, razão prima do existir das instituições de ensino superior, coabita com o desígnio do existir do marketing de atender necessidades e desejos dos consumidores. Esta sociedade de consumidores, que descarta aquilo que não considera mais importante ou útil, que substitui tudo aquilo que lhes causa insatisfação (BAUMAN, 2008, p.31), adota este mesmo comportamento com aquilo que julgou e transformou o ensino: produto.

Responder aos desafios da contemporaneidade, agregando valor aos serviços prestados e oferecendo educação de qualidade, democrática e inclusiva, é o papel precípuo das instituições de ensino superior. O êxito dessa empreitada, porém, requer uma releitura adequada dos cenários global e local, além de uma análise retrospectiva para compreender melhor a evolução das teorias pedagógicas que embasam o processo educativo brasileiro do qual participam os “clientes” e um olhar prospectivo para identificar tendências futuras. A globalização de mercados e o desenvolvimento contínuo das tecnologias digitais impõem um quadro de individualismo e de intensa competitividade que gera na sociedade um ritmo frenético de produção e consumo, do que emerge o utilitarismo (ACEVEDO e NOHARA, 2011, p. 7).

Neste cenário posto e institucionalizado, em que vigora a ideologia pós-moderna, que corresponde a uma “forma de vida determinada pela incerteza e violência institucionalizadas pelo mercado” (CHAUÍ, 2001, p. 22), as universidades travam suas batalhas por seus alunos- clientes, considerando como fator determinante essa forma de vida em que a

[...] insegurança, que leva a aplicar recursos no mercado de futuros e de seguros; [...] a dispersão, que leva a procurar uma autoridade política forte, com perfil despótico; [...] o medo, que leva ao reforço de antigas instituições, sobretudo a família, e ao retorno das formas místicas e autoritárias ou fundamentalistas da religião; [...] o sentimento do efêmero e da destruição da memória objetiva dos espaços, levando ao reforço de suportes subjetivos da memória (diários, biografias, fotografias, objetos) (CHAUÍ, 2001, p. 22).

Sobre a sociedade de consumo, Bauman (2008, p. 19) afirma que “os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo tendem a se tornar as principais unidades na rede peculiar de interações humanas conhecida, de maneira abreviada, como sociedade de consumidores”. Destarte, as pessoas interagem e estabelecem relacionamentos a partir do consumo, bem como do que elas possuem condições de consumir e/ou comprar.

Clarifica-se, assim, a “peculiaridade pós-moderna, isto é, a paixão pelo efêmero, pelas imagens velozes, pela moda e pelo descartável, depende de uma mudança sofrida no setor da

circulação das mercadorias e do consumo [...] um novo tipo de publicidade e marketing” (CHAUÍ, 2001, p. 22) emerge e preenche as relações no âmbito da universidade.

É neste contexto ideológico, em que as disputas se constituem, que as universidades relegam ao passado a modernidade, uma vez que, de acordo com Chauí (2001, p.23):

A ideologia da nova forma de acumulação do capital, o pós-modernismo relega à condição de mitos eurocêntricos totalitários os conceitos que fundaram e orientaram a modernidade: as ideias de racionalidade e universalidade, os problemas da relação entre subjetividade e objetividade, a história como dotada de sentido imanente, a diferença entre natureza e cultura.

Assim, Bauman (2008, p. 71) estabelece que esta conjuntura “representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de [...] uma estratégia existencial consumista”, em que se “afirma a fragmentação como modo de ser da realidade; preza a superfície do aparecer social [...]; recusa que a linguagem tenha sentido e interioridade para vê-la como construção, desconstrução e jogo de textos, tomando-a exatamente como o mercado de ações e moedas” (CHAUÍ, 2001, p. 23). Ainda, sob esta ótica, temos as universidades ponderando e vislumbrando o poder de consumo dos alunos-clientes, o que os enquadra em uma perspectiva ou nível de posição social, em que “consumir, portanto, significa investir na afiliação social, de si próprio, o que numa sociedade de consumidores, traduz-se em vendabilidade” (BAUMAN, 2008, p.75).

Ainda segundo Chauí, (2001, p. 23), neste cenário pós-moderno, a universidade “realiza três grandes inversões ideológicas: substitui a lógica da produção pela da circulação; substitui a lógica do trabalho pela da comunicação; e substitui a luta de classes pela lógica da satisfação-insatisfação imediata dos indivíduos no consumo”.

Endossam-se, assim, os entendimentos que configuram o aluno–cliente, para o qual se busca atendimento de uma necessidade imediata, que caiba em seu poder de compra e que contemple uma demanda sua. Com a universidade estabelece-se, então, a mesma relação que se estabelece com outras empresas ou organizações, que propõem pacotes com benefícios para que o demandante avalie a relação custo-benefício. Para Kotler e Armstrong (1997) as pessoas demandam os produtos cujos benefícios conseguirão suprir suas necessidades e desejos, conforme seus recursos financeiros.

Neste contexto pós-moderno, em que a necessidade é entendida como algo efêmero, instantâneo a ser rapidamente atendida, acabou afetando a instituição universitária. Com isso ela assume a lógica feroz e veloz do mercado, assimilando e englobando todos os que dele fazem parte. As universidades não ficam ilesas a essa configuração, pois se aliam a esse

cenário as políticas de Estado neoliberais, que pressupõem e validam a abertura do mercado educacional, em que as disputas pelos alunos-clientes aconteceram tanto internamente quanto externamente.

Assim, as universidades passaram a ser regidas e geridas sob a ótica empresarial, estabelecendo critérios de crescimento, mensurações de resultados, obtendo status de empresa comercial, sendo avaliada sob a perspectiva da produtividade. Tudo isso considerando a prática da oferta e da demanda, com vistas a atender seu mercado consumidor.