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Universidade e marketing: conflitos de uma relação

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS -

MESTRADO

Cláudia Guimarães Scherer

UNIVERSIDADE E MARKETING: CONFLITOS DE UMA RELAÇÃO

Orientador: Dr. José Pedro Boufleuer

IJUÍ - RS

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS -

MESTRADO

Cláudia Guimarães Scherer

UNIVERSIDADE E MARKETING: CONFLITOS DE UMA RELAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

IJUÍ – RS

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Catalogação na Publicação

Frederico Teixeira CRB10/2098 S326u Scherer, Cláudia Guimarães.

Universidade e marketing: conflitos de uma relação / Cláudia Guimarães Scherer. – Ijuí, 2014. –

84 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientador: José Pedro Boufleuer”

1. Universidade. 2. Marketing. 3. Mercado. I. Boufleuer, José Pedro. II. Título: Conflitos de uma relação.

CDU : 378.4:658.8

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Aos meus pais, Erica e Adroaldo, e obrigado Deus por permitir tê-los como meus pais nesta existência.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, professor José Pedro Boufleur, pelo seu tempo e conhecimentos investidos em mim e neste trabalho, pela orientação atenciosa, por ter abraçado minha ideia,

por ter acreditado em mim, mas também pelo convívio inspirador durante o mestrado. Ao professor Paulo Rudi Schneider, por em meados de 2010 ter aceito minha presença em

suas aulas como aluna ouvinte, posteriormente, devidamente aceita no programa, pude novamente ter o privilégio de assistir suas aulas, grata por suas contribuições em aula e na banca de qualificação. Assim como ao professor Paulo Evaldo Festenseifert, pelos avançados

e privilegiados ensinamentos, tanto em aula como na banca de qualificação. Ao professor Altair Fávero, pelo aceite para compor a banca final. Certa de suas preciosas

contribuições.

Aos vários professores do Programa, que me incentivaram e deram subsídio para esta caminhada, como Cláudio Boeira Garcia, Celso Martinazo e Maria Simone Schwengber. A equipe da Secretaria, sempre prontas a ajudar, Ligia da Silva, Carmem Antunes e Laura

Marchant.

Aos colegas do Mestrado, pelas trocas de ideias.

As minhas amigas Simone, Claudinha e Elisa pelo apoio e incentivo desde o princípio desta caminhada. Obrigada pelas palavras de força, obrigada pelo abraço apertado e obrigada pelo

sorriso de confiança.

Aos meus colegas e equipe da unidade do Senac Ijuí, pelo apoio, pelo carinho e pela força de sempre. Em especial, Tiago e Leonardo fundamentais na etapa final de conclusão deste

estudo.

Aos meus ‘anjos’ amados, Vó Áurea e Vô Cassiano, que não estão mais aqui, mas me acompanham e olham por mim. A vocês meu amor eterno.

A minha família. Meus pais, que sempre colocaram a mim e meus irmãos como prioridade em suas vidas. Obrigada por existirem, por acreditarem em mim. Obrigada pela minha educação e

pelo amor irrestrito, pelo apoio sem medidas e sem o qual eu não poderia ter seguido em frente e chegado até está etapa.

A meus irmãos, Adroaldo Júnior e Carla, companhias preciosas, caras e honradas. Obrigada por acreditarem em mim. A Michele e Sophia, presentes divinos em minha vida. E principalmente a minha filha amada Laura, pelos beijos e abraços reconfortantes, pelo

olhar, pelo sorriso, pela compreensão... Pelo novo sentido que trouxe a todo o estudo e aprendizagem que tive até aqui.

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“Para ser homem não basta nascer, é preciso também aprender. A genética nos predispõe a chegarmos a ser humanos, porém só por meio da educação e da convivência social conseguimos sê-lo efetivamente.” (Fernando Savater)

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RESUMO

Esta investigação insere-se na linha de pesquisa Teorias pedagógicas e dimensões éticas e políticas da educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ e tem como tema central a universidade. Caracteriza-se por metodologia qualitativa, sendo uma revisão bibliográfica, em que expressa como foco central a relação que se estabelece entre a universidade e a ferramenta de gestão marketing. Para tanto, apresenta as concepções acerca da universidade, de sua origem, passando pelo período medieval e moderno, detendo-se na apresentação dos modelos francês, alemão e americano, analisando suas principais referências, seus direcionamentos e objetivos com vistas à caracterização do ideal de universalidade em cada proposição. Na sequência faz-se um resgate histórico das concepções do marketing, bem como do estabelecimento do cenário mercadológico em que estão inseridas as universidades, caracterizando o cenário de disputa, definindo, também, o conceito de estratégia, fundamental no âmbito do marketing. Assim, a investigação dá-se no intuito do esclarecimento e da análise de estratégias de marketing em Universidades, com foco na relação com a universidade e com o aluno como “outro pedagógico”, configurando cenários de disputas em que emergem conflitos entre o marketing e a universidade na promoção das ações educacionais. Neste espaço clarifica-se a relação viável entre a universidade e o marketing.

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ABSTRACT

This research is part of the line Pedagogical Theories and Ethical and Political Dimensions of Education, from the Program of Post-Graduation in Education in the Science at Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ and it has as its central theme the university. It is a qualitative methodology being a literature review; it expresses the relationship established between the university and marketing management tool. It presents the conceptions of the university, from its origin, through the medieval and early modern period, focusing on presentation of French, German and American models analyzing its main references, their direction and goals in order to characterize the ideal of university in each proposition. In the following step, it will be presented a historical review of the conceptions of marketing, as well as the establishment of the market scenario in which they operate at universities, featuring scenery of dispute, characterizing and defining the concept of strategy, very important in marketing. Thus, the investigation takes place in order to clarify the analysis of marketing strategies in universities, focusing on the relationship with the university and the student as "other teaching", configuring scenarios of disputes in which conflicts between marketing and universities appear to promote educational activities, referring to reflection about the same. In this space, it clarifies the feasible relationship between the university and marketing.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 UMA IDEIA DE UNIVERSIDADE ... 13

1.1 A Universidade em suas origens históricas ... 13

1.2 A ambiguidade histórica da Universidade quanto às suas finalidades ... 17

1.3 A Universidade Brasileira: opções e crise ... 35

2AUNIVERSIDADE,OMERCADOEOMARKETING ... 41

2.1 A Universidade sob a lógica do mercado ... 41

2.2 Conceituando Marketing ... 44

2.3 A evolução das definições de Marketing e a relação com a universidade ... 45

2.4 As estratégias de marketing ... 48

3 UNIVERSIDADE E MARKETING: CONTEXTUALIZANDO A RELAÇÃO ... 51

3.1 Compreendendo a lógica do marketing em universidades ... 51

3.2 Caracterizando os processos de disputa... 54

3.3 O aluno como “outro” pedagógico ... 61

3.4 Algumas estratégias de marketing analisadas com base na ideia de universidade ... 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 76

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INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa nasce de interrogações que venho fazendo ao longo dos anos em como é possível estabelecer uma relação entre a universidade e o marketing. Mais especificamente, em como compreender uma relação com o aluno que passa a ser concebido como um cliente; de como caracterizar o vínculo entre o fazer pedagógico e o que passa a ser entendido como uma demanda de consumo, âmbito que se pressupõe de potencial atuação do marketing. Assim, trata-se de construir referencias teóricas para analisar questões relativas aos limites e às possibilidades entre ambos.

“Universidade e Marketing: conflitos de uma relação” é o tema deste estudo que tem como objetivo principal compreender como se dá a dimensão do marketing em universidades, considerando, de um lado, os princípios orientadores do marketing e, de outro, os objetivos inerentes ao fazer universitário no que se refere ao seu estatuto pedagógico.

Acredito ser fundamental acrescentar que este tema ganhou dimensão a partir da minha trajetória como profissional do marketing. Atuei por seis anos coordenando e planejando as atividades na área, em três universidades. Dessa forma, pude conviver com os meandros e particularidades dessa atividade. Foi nesse enlace que me deparei com diferentes discursos e atitudes neste segmento de atuação. Segmento este cada vez mais segmentado e se subsegmentando, despertando-me uma sensação de inquietação e de perturbação.

Atualmente estou no meu sexto ano de atuação como professora em uma escola técnica privada. Nesse meio deparo-me com uma realidade em que não se tem clareza de quem é este aluno, que ora tornou-se um cliente. Ainda que de forma implícita, observo o cenário que se configura no espaço pedagógico que é uma sala de aula e uma escola.

Neste cenário em que o aluno se tornou cliente, cada vez mais latente e presente, entendo que não importa o lugar que eu ocupe: seja na coordenação de departamentos de marketing, ou ainda como professora, pós-graduada, há uma inquietude que ecoa em minha consciência. Frente a esta nova configuração que se apresenta o meu olhar jamais será o mesmo.

Por isso retomo a relação que existe entre a universidade e o marketing como uma relação que precisa ser balizada e pontuada com equilíbrio, respeitando os espaços pedagógicos, onde se dá a construção do conhecimento. Em se tratando desta relação, enfatizo também as expressões usadas frequentemente na busca exacerbada por novos alunos-clientes,

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os quais, muitas vezes, nem se dão conta da gravidade do sentido que está incutido em frases promocionais difundidas corriqueiramente.

Este contexto que foi ditado pela história contemporânea mostra uma atmosfera de normalidade. Talvez possa ser ele um dos responsáveis pelo uso prosaico e impensado de jargões como: “venha para nossa universidade, aqui cliente tem voz”; “clientes devem ter suas necessidades atendidas”; “o cliente tem sempre razão”; ou, ainda, “aqui a sua graduação vale quanto você paga”. Essas e tantas outras frases mostram que, de maneira sutil, houve uma reclassificação do aluno para cliente.

Intento a construção desta dissertação partindo do princípio de origem da universidade. Nesse sentido retomo a história de como se constituíram as universidades e de como se configurou esse cenário mercantil de troca monetária acima de tudo, e de todo interesse de ensino-aprendizagem no que tange ao universo da universidade. Parece-me um tanto quanto insano conceber a universidade focada em atender necessidades, como pressupõe o marketing, e não em entender necessidades.

Com a expansão do ensino superior brasileiro no final da década de noventa e início dos anos 2000, o cenário de inserção e atuação das instituições de ensino superior, neste estudo delimitadas como universidades, viu-se modificado e ampliado, fazendo com que entre essas se criassem um clima de disputa. Neste cenário observam-se gestores institucionais cada vez mais centrados na ótica do mercado, com foco na dimensão econômica, em que assume relevância a lógica do marketing. Considerando este novo contexto mercadológico, ocorrem mudanças e substituições no propósito de atender os desejos e necessidades daquele que outrora foi apenas estudante, e que passa a ser cliente e consumidor.

Um dos fatores que mais me instiga e me encaminha para esta pesquisa é o questionamento da razão de ser de uma universidade que se organiza na perspectiva de ter clientes e não alunos. Investigar as relações entre a universidade e as estratégias de marketing num cenário em que se veem tão somente consumidores me parece um desafio que se insere no contexto de pesquisa das “Teorias Pedagógicas e dimensões éticas e políticas da educação”, linha a qual este estudo se adscreve. A intenção é estabelecer uma reflexão crítica acerca dos limites e possibilidades entre estas duas frentes de ação, da universidade e do marketing, destacando, especialmente, os possíveis conflitos que possam advir dessa relação.

Assim, a dissertação está constituída de três capítulos. O primeiro é dedicado a estabelecer uma ideia acerca do tema da universidade, iniciando sua contextualização na Grécia, perpassando pela universidade Medieval e Moderna, com destaque especial para três

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dos seus modelos mais expressivos: o alemão, o francês e o americano. Os vínculos e relações com a configuração da universidade no Brasil, bem como a discussão de suas opções e de sua própria crise são tratados na parte final deste capítulo. No segundo capítulo serão apresentadas as definições de marketing e sua evolução histórica, bem como sua aplicabilidade específica para a universidade. Conclui-se o capítulo com a caracterização e a definição de “estratégias”, conceito basilar no âmbito do marketing.

Finalizando, o terceiro capítulo é dedicado à análise das estratégias de marketing em universidades, focando a sua relação com a ideia de universidade e com a do aluno como “outro pedagógico”, configurando cenários de disputas em que emergem os limites e possibilidades do marketing na promoção das ações educacionais em universidades, retomando a reflexão acerca da mesma.

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1 UMA IDEIA DE UNIVERSIDADE

Considerando que este trabalho tem como tema norteador a questão de como se estabelece a relação entre a instituição universidade e a ferramenta de gestão que é o marketing, há a necessidade de buscar conhecimentos sobre como se desenvolve esta relação. A pesquisa proposta pretende ajuizar como se dá a relação entre o aluno, que na ótica do marketing é visto como cliente, com a universidade.

Neste percurso investigativo buscar-se-á recuperar as origens históricas do aparecimento da universidade, compreendendo seus preceitos e argumentos, visando construir uma escrita que exponha seu surgimento. Esta trajetória de pesquisa recuperará a ideia de universidade que se põe desde a Grécia, na Antiguidade Clássica, até a sua configuração na Idade Média, período em que ela se instala e tem seus espaços ampliados e consolidados. Será, também, na esteira do modelo medieval que se fundamentará, com características próprias, a ideia de Universidade na Modernidade.

Destarte, serão evidenciadas as linhas de configuração da instituição, que desde o princípio surge dicotômica, com sistemas pedagógicos distintos, regida e coordenada pela Igreja, ou não. Sob esta conjectura se intentará evidenciar o caráter de ambiguidade da instituição, quando da transposição de uma era para a outra, ou seja, da Universidade Medieval para a Universidade na Modernidade.

Este capítulo também objetiva revisitar os principais modelos de universidade, bem como, explicitar suas linhas argumentativas fundamentais, de modo a elucidar sua constituição e seus propósitos, vislumbrando o que notoriamente distingue um modelo do outro. Por fim, será tematizada a universidade brasileira na perspectiva de suas opções e da crise em que se encontra, visando a configuração do contexto em que as atuais relações entre Universidade e marketing vêm se estabelecendo.

1.1 A Universidade em suas origens históricas

Ao iniciar-se este estudo se faz necessário contextualizar o princípio do surgimento da universidade. Quando deparamo-nos com o debate que ronda o surgimento de uma ideia de universidade é que deparamo-nos com a própria história. Uma vez que a ideia de universidade surge na Antiguidade Clássica, nos espaços entendidos principalmente pela Grécia e Roma, vislumbramos, assim, a possibilidade de atribuirmos aos gregos antigos os movimentos iniciais em prol da educação, estabelecidos de modo semelhante aos que deram origem à Academia de Platão. Dos gregos também nos apossamos do paradigma filosófico que postula

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o ideal universitário, calcado na separação do mundo da prática e o do conhecimento (MINOGUE, 1981, p.18-19).

Na ótica desta separação tem-se o mundo prático como o lugar da opinião, da diversidade de dialetos, da compreensão imediata e instantânea, do fortuito da vida. As construções do mundo prático distinguem-se, segundo o entendimento posto pela tradição socrática, do que é próprio da filosofia, com pretensões de um conhecimento objetivo e unívoco, entendido como uma forma de compreensão baseada em ideias claras. Em contraposição, e como característicos da vida prática, temos as associações acidentais, a mera opinião (MINOGUE, 1981, p.18). Pautada na filosofia, o ideal universitário busca o conhecimento capaz de reunir as distintas proposições, a disseminação da verdade em um caráter universal.

Já na origem do projeto filosófico (Platão, Aristóteles), unia-se, à ideia de verdade, o caráter de universalidade, de univocidade, de comunicabilidade e de transparência. O interesse que daria origem ao projeto da filosofia se confunde com o interesse pela comunidade e pela unidade. Nesta direção, a filosofia teria se originado em reação à dispersão e ao nomadismo da verdade e da lei, representada no mito babélico da disseminação das línguas. O interesse pela universalidade, pela reunião, pela comunidade, seria a raiz do projeto filosófico que plasmará a instituição universitária (THAYER, 2002, p.60).

Contemplando este viés, estabelece-se, assim, como arquétipo de constituição da instituição universitária, sua formação alheia, ou seja, separada do mundo prático e da vida prática. Seu intento de universalidade é ainda outro elemento apontado por Thayer – o interesse pela comunidade. Apresenta-se o intento filosófico de reunir, de unidade, que não se direciona somente para o conhecimento, mas também em função da comunidade. A vontade de fortalecer a reunião da comunidade dispersa é basilar para a filosofia, é sua origem. Nestes pressupostos, a filosofia surge “quando a unidade desaparece da vida dos homens e as oposições e os antagonismos perdem seu vínculo interativo” (KANT, apud THAYER, 2002, p.61). A unidade teleológica do saber é também a unidade objetivada da comunidade reunida por este saber, uma vez que problematiza que as coisas servem a um propósito.

Edifica-se, então, o paradigma filosófico da instituição universitária: dar-se a reunião do conhecimento que tem por característica teleológica a universalidade em uma comunidade distinta daquela da vida prática e capaz de linguisticamente superar a polissemia vigente de verdades dispersas do mundo prático, objetivando a unidade da comunidade e da verdade através de uma linguagem própria racional e unívoca. Nas palavras de Schneider (2002, p. 225),

A universidade tem por seu próprio conceito, função e dever-ser, a perspectiva da universalidade. Impõem-se, portanto, a reflexão de métodos de efetiva viabilização da discursividade universal, gestados pelo pensamento humano e capazes de evidenciar os

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próprios fundamentos supostos da formação de algum critério de ordenamento, ou seja, resumidamente, a dialética, a crítica analítica e a hermenêutica.

Sob esta ótica de universidade dar-se-á a contextualização da mesma, tendo como eixo central o paradigma filosófico, que se constitui em cada concepção de universidade e que marca a especificidade do conhecimento derivada de cada noção. Infere-se que essa especificidade é formativa e constitutiva de cada concepção de universidade, pois o entendimento acerca do conhecimento e do seu uso está na base de sua constituição.

A Universidade Medieval emerge no contexto histórico do século XII, em que havia um forte predomínio da Igreja Católica nos âmbitos do pensamento e da organização social, política e econômica. Kennet Minogue (1981, p.15) relata que a origem da universidade se dá na diligência e empenho de alguns grupos de estudiosos. Estes esforços estão canalizados para a formação de locais para o ensino do que os intelectuais ligados ao clero haviam coletado, editado e sistematizado. De acordo com o autor, “passaram a existir muitas escolas religiosas, que se tornaram com o tempo o solo em que cresceriam as universidades” (MINOGUE, 1981, p.15).

Com seu berço de fundação e origem na Idade Média, a universidade era simplesmente uma associação. Como sociedade legal adota o termo universitas, que então designava qualquer espécie de associação legal, em um cenário favorável, antes de qualquer intervenção, seja dos efeitos dos poderes da Igreja ou do Estado. Neste período, dois são os centros que foram nominados studia generalia e que ocupavam lugar de destaque: Paris e Bolonha. Destes centros originam-se as primeiras corporações legais que adotaram o termo universitas, com um formato próximo ao que é designado atualmente como universidade. É a partir de Paris e Bolonha que acontece a propagação de outras instituições como a de Oxford, Salamanca e também organizações na Polônia e na Boêmia (MINOGUE, 1981, p.15).

A história retrata que é neste período que as escolas catedrais, consideradas modestas e até mesmo inexistentes por muitos, se propagam. Ocorre que a Igreja encaminha prelados para que estes venham a desenvolver em suas sedes episcopais escolas ativas para instruir e formar clérigos. Também é neste período que a maioria das catedrais do norte da França possuía escolas de bom nível, em que eram ensinadas as Artes Liberais e a Sagrada Escritura.

Paralelo a este movimento há o surgimento do que se denominaram escolas particulares. Lugares estes em que os mestres se instalavam por conta própria e contavam como argumento principal para lecionar a sua reputação. Desse modo constituído, estas

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escolas aceitavam como alunos apenas aqueles que concordavam em pagar para matricular-se. Neste contexto, tem-se na França o lugar em que, sobretudo, as Artes Liberais eram ensinadas nessas escolas, onde comumente os mestres ensinavam às margens do Rio Sena também a Gramática e a Retórica (CHARLE e VERGER, 1996, p.14).

Essa característica provocara na Igreja uma inquietude, uma vez que esta sempre se viu como a detentora do monopólio do que era entendido como matéria escolar. Inquietude que fez com que ela instituísse o que denominou de licentia docendi, que em suma caracterizava-se por uma licença para abrir uma escola particular, outorgada pela diocese em que a escola se localizava (CHARLE e VERGER, 1996, p.14-15).

Historicamente a universidade surge identificada como um órgão, uma instância de elaboração do pensamento medieval. Constitui-se nesse período como um aparelho de hegemonia, cuja peculiaridade é a formação de intelectuais tradicionais e de intelectuais orgânicos da burguesia. Sob esta ótica evidencia-se que as “primeiras Universidades não obedecem a um modelo único. Desde o início estamos diante de dois sistemas pedagógicos e institucionais bastante distintos” (CHARLE e VERGER, 1996, p.18).

Assim, as Universidades localizadas no norte da Europa eram compostas por mestres, que compunham uma associação, também entendidas como federações de escolas, uma vez que estes se uniam com os mesmos propósitos. Tinham como disciplinas dominantes as Artes Liberais e a Teologia, sendo fortemente identificadas pela marca eclesiástica e em que a maioria de seus estudantes era bastante jovem. Já nas regiões mediterrâneas as universidades constituíram-se, antes de tudo, como associações de estudantes, onde seus mestres eram mais ou menos excluídos (CHARLE e VERGER, 1996, p.18).

À frente dessas organizações estava a disciplina do Direito, tendo-se em segundo plano a Medicina. Diferentemente das universidades do norte da Europa, as mediterrâneas requeriam alunos com idade avançada, bem como um nível social mais elevado. Também aqui não deixava de haver um controle eclesiástico, este, porém, permanecia externo à instituição (CHARLE e VERGER, 1996, p.19).

Neste período, muito brevemente ficaria evidente que...

O mundo acadêmico não precisava ser identificado com a mundanidade dos cristãos. O próprio método da dialética [...] imediatamente sugeriria que a razão era uma arma de dois gumes, que podia tão facilmente destruir, como reforçar a fé, [...] não obstante, desde cedo o aprendizado foi identificado como uma fonte potencial do pecado e da soberba (MINOGUE, 1981, p.19).

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Esta constatação provocaria uma mudança nos sermões da época, que trariam professores como personagens de uma coleção de contos exemplares, onde a dialética vigente punia a estes divinamente. Esta fora uma façanha marcante de uma época em que a Escolástica sintetizou técnica e estritamente a fé e a razão. Este período histórico empenhou-se em estabelecer uma imagem única do que é visível e do que não é (MINOGUE, 1981, p.20).

O que esta postura acarreta no século seguinte, quando se dissolve em fragmentos discordantes, é o surgimento da teoria da “verdade dupla [...], para conceder à universidade certa soma de liberdade para divagar sem negar as máximas da fé” (MINOGUE, 1981, p.20), uma vez que as experiências da fé poderiam figurar como matérias de crítica e reflexão.

Essa adoção faria com que a universidade, um tanto quanto distanciada desse universo, eliminasse essas barreiras, o que traria uma compreensão diferenciada acerca desta relação. “Se isso compreendido, então a torre de marfim da academia não pode mais ser equiparada ao outro mundo dos cristãos. Torna-se assim necessário especificar o mundo acadêmico em outros termos, possivelmente pelos meios pelos quais ele busca a objetividade”, destaca Minogue (1981, p. 20).

Emerge, assim, uma universidade com raízes em outro mundo, que postulou arrecadar seus membros não mais pela origem de nascença, e sim pela vocação. Neste cenário conviviam estudantes e seus servos com estudantes empobrecidos. Também característico deste contexto era a qualificação de professores pobres, uma vez que dar esmolas era dever medieval, e logo à frente, com o professor sendo beneficiário do que for chamado de cesta dos pobres. Esta é uma época marcada também pela instituição de universidades continentais, ou seja, as nações de estudantes, um mundo à parte, fora do forte regionalismo existente nas cidades. As universidades continentais ficaram profundamente marcadas nos séculos iniciais por ser um espaço livre, onde ninguém seria rotulado ou marcado pelos seus escritos, ideias ou ideais, vigorando como uma sociedade totalmente internacional (MINOGUE, 1981, p. 20). Tem-se ai, neste espaço caracterizado da universidade, a liberdade de figurar, independentemente da origem geográfica dos estudantes, seja oriundo do campo ou da cidade. Enfim, liberdade de criar, de pensar, de existir, mesmo que sem posses ou origem que influencie ou qualifique o homem frente à sociedade em que vive.

1.2 A ambiguidade histórica da Universidade quanto às suas finalidades

Conforme se tem o avanço da Idade Média, e esta cede “lugar ao que é identificado [...] como tempos modernos, esta natureza internacional veio a ser contestada pela devoção patriótica” (MINOGUE, 1981, p.20), uma vez que esta coloca em xeque o que caracterizava

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a devoção ao país e também aquele que o comandava. Comprova-se, assim, que o fato de se ter Universidades sem fronteiras, que não segregam seus membros, provoca o descrédito nas forças estatais.

Entretanto, uma das características e...

[...] forças peculiares da universidade foi ter desenvolvido um conjunto de atitudes, padrões e convenções que resistiram ao paroquialismo. Esta universalidade é uma parte importante da civilização; e desde que surgiu, sob a proteção da igreja, do paroquialismo dos bárbaros, ela foi obstinada. As universidades nunca perderam por muito tempo seu distanciamento das submissões divisoras da vida prática. Enquanto muitos homens ambiciosos procuravam buscar suas carreiras nas universidades [...], tanto estudantes como professores partilhavam das preocupações humanas ordinárias, as universidades estiveram sempre ocupadas com matérias fora do curso dos círculos confinados da pátria (MINOGUE, 1981, p.20-21).

Este posicionamento frente ao meio em que a Universidade se insere revela o envolvimento da instituição também em mudar o homem, bem como, o lugar onde está. Para isso é vital que uma instituição se estabeleça com sucesso, pois assim poderá transformar um homem qualquer em um mestre acadêmico, como seu professor. Assim, consequentemente, mudando os homens mudará o lugar.

As primeiras universidades modernas terão uma dependência de um movimento associativo bastante forte, uma vez que mestres e/ou estudantes reunir-se-ão para compor uma universidade juramentada, elaborando documentos e regimentos, bem como estabelecendo locais e a autonomia em suas atividades (CHARLE e VERGER, 1996, p.19).

Contrariamente ao que possa parecer, as universidades modernas não surgem com traço característico de revolta frente às ideias estabelecidas. Ascendem como em uma renascença, dependentes de uma pujante e obstinada “reentrada numa herança que tinha estado em suspenso, mais ou menos intocada, por muitas gerações, com suas meras formas externas preservadas nos monastérios” (MINOGUE, 1981, p. 21).

Evidencia-se, a partir daí, o não renegar que opera sob a égide da universidade, uma vez que esta volta ao princípio se faz justamente com o pressuposto de que ela depende de sua origem. Destarte, esta recorrência a sua origem, bem como a publicações e autoridades, expõem o conhecido vício característico do Escolasticismo, em que os curadores das universidades baseavam a distinção destas no contraste entre livros e o universo visível. Este é o período de extrema rejeição ao Escolasticismo mecânico, que não valoriza a inteligência e a originalidade, e sim, a memória mecânica. Sob esta ótica é mais confortável atribuir a mudança a uma revolta do que submetê-la à autoridade (MINOGUE, 1981, p.22).

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Segundo Minogue (1981, p.22), neste contexto requer-se a...

Humildade de compreender que os textos herdados continham de fato coisas de grande valor, e para construir uma estrutura acadêmica dedicada à tarefa de trazê-las à tona. [...] é de certo modo possível compreender este período igualmente como de rebelião contra a autoridade, ou como submissão à autoridade.

Considera-se, assim, a necessidade de um olhar atento, para que tanto a rebelião como a submissão seja percebida em suas razões, pois sem isso passariam despercebidas ou seriam e são superficialmente compreendidas (MINOGUE, 1981, p.22). Compreender os sentidos da submissão e da rebelião é compreender o desenvolvimento e a evolução da universidade neste contexto dubitável e de convivência com distintas posições. Segundo Minogue, (1984, p. 22), a “ascensão das universidades pertence a uma classe de momentos culturais por meio dos quais a insatisfação com o estado de sua herança intelectual conduziu a um círculo de novas realizações”. Assim, saídas de um “estreito quadro diocesano, [...] afirmam sua capacidade de recrutamento, [...] reivindicaram uma autoridade intelectual” (CHARLE e VERGER, 1996, p.19), intentando, dessa forma, a institucionalização do espaço de livre pensar.

Tem-se na ascensão da universidade um destacado momento de importância cultural em que se encaminham mudanças e novas realizações no âmbito da cultura. No entanto, ao mesmo tempo em que se buscou este espaço novo, não se despertou aí o mesmo entusiasmo como o verificado nos curadores de nosso remoto passado intelectual. Compreender as origens históricas da universidade sob esta ótica de ambiguidades permite desvendar o ‘oceano de propósitos’ que permeia as universidades no cenário atual. Tais ambiguidades estão enraizadas no cerne da instituição desde o seu surgimento, fazendo com que sua percepção despertasse, nos séculos seguintes, forte ojeriza a este período cronológico (MINOGUE, 1981, p.22 - 23).

Evidencia-se, segundo Minogue (1981, p. 23), que “o mundo moderno tem identificado a si próprio em termos muito amplos do que ele rejeitou de seus antepassados, isto é, algo demonstrado até mesmo pelo próprio título que deu ao seu antecessor: ‘Idade Média’”. Assim compreendido e descrito esse período, ele nos leva a visualizar o porquê, até os dias atuais, das barreiras e complexidades que habitam as universidades, configurando o que o autor chama de “o excêntrico [...] preconceito que os liberais, na luta contra a tendência moderna, [...] deveram suas vitórias, [...] ao pluralismo cultural herdado da Idade Média” (MINOGUE, 1981, p. 23).

O autor também destaca que outro fator que provocaria essa não valorização do período das origens medievais da universidade dar-se-ia porque estas seriam vistas e tratadas

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como usinas tecnológicas, e por consequência, sua importância seria avaliada e julgada por suas contribuições para a ciência, e especialmente para a tecnologia (MINOGUE, 1981, p.23). Nesse sentido, a universidade do período medieval...

Tem sido julgada como um fracasso; o cultivo da física, que era uma parte, embora somente uma parte, da atividade intelectual das universidades medievais, tinha sido ignorada em favor de umas poucas zombarias acerca de anjos dançando na ponta de uma agulha. Vista através desta tela distorcida, a história das universidades salta nos poucos séculos iniciais, de Galileu, em Pádua, para Roger Bacon, em Oxford, e se precipita sobre a segunda metade do século XVII, quando aparecem Newton e Locke. Somente então, e apenas muito imperfeitamente, as universidades surgem como fornecedoras de ideias técnicas estimulantes para o restante da sociedade (MINOGUE, 1981, p.23-24).

Estabelece-se, assim, um marco divisor na história e constituição da universidade, de modo que sua interação com a sociedade é evidenciada. É nítida a visão da universidade sob a perspectiva do mundo moderno, de “libertar-se e estabelecer uma identidade independente” (MINOGUE, 1981, p. 24).

Este processo dar-se-á sob os olhos e contribuições de Hobbes, um dos precursores da visão funcional das universidades. Para ele a universidade era um...

[...] agrupamento e uma incorporação de muitas escolas públicas, sob um governo em uma mesma localidade ou cidade. Nelas, as principais escolas foram hierarquizadas para três profissões, ou seja, a da religião romana, a do direito romano e a da arte da medicina (HOBBES, apud, MINIGUE, 1981, p. 24).

No período que segue, a instituição universitária se volta fortemente para sua versão funcional. Se a Idade Média valorizou a Universidade por seu distanciamento do mundo, bem como de seus esforços em centrar-se na reflexão do mundo e não em seu melhoramento, o que ora acontece é o oposto. Busca-se nesse novo período uma universidade reformada, capaz de contribuir para o que fora chamado de ‘esforço cooperativo’, trabalhando para a riqueza e pelo poder nacional. Como consequência foram criadas diversas Academias de Artes e Ciências, Escolas de Comércio, Seminários, Institutos Técnicos, Politécnicos, com o propósito de cuidarem da difusão do conhecimento útil (MINOGUE, 1981, p.25).

No contexto da afirmação de uma universidade reformada, capaz de melhorar o mundo, o modelo medieval entra em crise. De acordo com Minogue (1981, p. 25):

[...] as universidades não tem lugar neste esquema; elas não são dotadas do melhoramento do mundo, e a tensão delas está focalizada sobre o reino intelectual e histórico, distanciada das necessidades que movimentam os homens nos esforços do dia-a-dia. Por esta razão, elas têm sido vistas, muitas vezes, como irritantemente indiferentes ao que para muitos têm parecido serem as necessidades obvias e dominantes da espécie humana. [...] Elas têm sido interpretadas como instituições muito ineficientes em transmitir perícia, e o discípulo de um mundo único de

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produtores [...] não como um inimigo declarado das universidades [...] mas simplesmente como um reformador, que corrigiria o que qualquer homem sensato reconheceria como deficiência das universidades.

Configura-se, então, um cenário de descrença e de decadência, em que a universidade é alvo de ataques e já não consegue entusiasmar. Sua reforma se pautará na forte crença no que a tecnologia pode oferecer. Neste cenário...

[...] as universidades tem conseguido reerguer-se, e fornecer a partir de seu interior, a necessária recuperação da vitalidade [...], parece plausível que o esforço em combater os projetos externos de reforma serviu por si mesmo para incitar aquela vitalidade necessária (MINOGUE, 1981, p.25).

A descrença e o ataque à universidade vai se expressar, ao longo dos séculos, como desprezo à erudição monástica. Este é um comportamento que vem desde quando as universidades deveriam ser centros, em que sábios e estudantes precisavam comunicar-se o quanto pudessem, como comunicar-se com o mundo, além de perpassarem as exigências do século XX, em que as Universidades deveriam mostrar a que e por que existem (MINOGUE, 1981, p. 25-26).

Na contemporaneidade vislumbra-se um cenário herdado dos princípios da modernidade, em que a “tradição tecnológica tem delimitado grande parte do mundo; e é muito difícil não acolher bem algumas de suas consequências e lamentar outras” (MINOGUE, 1981, p. 25). Destarte, este olhar deve ser ávido e crítico, uma vez que “a criação e o uso da tecnologia, devem ser visualizados como uma atividade social” (MINOGUE, 1981, p. 25), dentre tantas outras. De acordo com o autor, é preciso superar o olhar cego e encontrar o equilíbrio necessário, como em qualquer outra atividade, não vendo apenas na tradição tecnológica a fonte de caminhos ou a única opção realmente efetiva.

A partir do que expõe Minogue (1981, p.26), está-se em posição de “reconhecer a visão funcionalista das Universidades, [...] em que seus estudos são mais ou menos correlatos com as necessidades nacionais”. Segundo o autor, tem-se aqui a associação da Universidade com uma falsa institucionalização de uma política sobre a mesma, onde afirmam os contemporâneos ser a sociedade a única esfera onde as ações são contributárias. Ponderando assim, fica evidente que o contexto exige que a universidade, que sempre contribuiu, contribua efetivamente, como critério de transformação (MINOGUE, 1981, p. 26).

Assim, a Universidade tem determinada sua identidade dicotômica, de um lado, na sua organização e, de outro, na natureza específica de suas preocupações intelectuais (MINOGUE, 1981, p. 25-26). Sob esta ótica, evidencia-se que estes elementos da identidade são

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inconfundíveis, uma vez que um tange ao que se refere a sua estrutura e outro ao que se refere ao seu fazer.

A ‘educação’ tem se aplicado, desde os primórdios, a um método especial de inculcar uma herança muito particular derivada do mundo clássico. [...] No que concerne à ‘educação’ não necessitamos distinguir entre escolas e universidades. Ambas envolvem um encontro entre professor e aluno na sala de aula, nas bases de uma massa de conhecimentos que devem ser mais do que meramente útil (MINOGUE, 1981, p. 26).

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Mesmo quando se busca superar qualquer tipo de diferenciação entre a sala de aula e o mundo externo, compreendendo os dois espaços como um ambiente único, ou um como extensivo do outro, o conhecimento deve ser mais do que qualquer coisa meramente útil.

A guinada para uma universidade voltada ao conhecimento útil se apoia no pressuposto de que há uma propensão humana muito maior para o aprendizado do que para a educação. Nesse sentido, Minogue (1981, p. 27) esclarece que quando a educação, em que apenas poucos estão interessados, passou a ser confundida com o conhecimento prático, em que todos devem estar ocupados, apresenta-se uma nova situação – todas as escolas ensinavam um misto pragmático de conhecimento útil e educação. Assim, o elemento acadêmico da educação sobrevive graças à imposição de trabalhos aos alunos, que se destacam frente aos demais, atraídos a findar limites entre a escola e a vida. Destaca ainda que o pensamento corrente é aquele que atribui a esse findar limites uma melhoria na educação, buscando o fim da Academia, porque visualizam em termos funcionais, que é ela que divide a sociedade em parcelas diferentes.

Esses acontecimentos só vêm expor o quanto a história inicial da formação da universidade vem impregnada de dicotomias, sejam elas etimológicas ou práticas. É nesse contexto que se retoma a formação de uma ideia de universidade, com base na sua história e nas características que a ela são atribuídas na Idade Média e Moderna, na perspectiva de que é possível estabelecer uma relação com o tempo presente.

O sistema universitário, com vistas a atender demandas oriundas da Igreja estendeu-se até o final da Idade Média, predominando em alguns casos ainda no período moderno. Porém, observa-se que é neste mesmo período dá-se a ênfase no declínio do império papal, emergindo, assim, uma nova concepção de universidade – a universidade moderna franco-cartesiana.

Este é um período transitório, de mudança de direcionamento teleológico em que a universidade moderna insere-se: o da transição do pensamento medieval, de sua teleologia religiosa, para o paradigma cartesiano racionalista. Com o declínio do império cristão,

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doravante, a instituição universitária vincula-se às transformações políticas, sociais e filosóficas da época, determinadas pela queda do império cristão.

É traço evidente deste processo transitório, em que se insere a universidade, o que concerne à teleologia frente à questão da universalidade. Enquanto na universidade medieval era uma anterioridade substantiva regressiva e heterônoma, ou seja, sujeita à vontade alheia, na universidade cartesiana passa a ser uma meta. Nela o conhecimento passa a ter uma outra significação, um outro valor e também um outro uso, deixando de ser uma verdade universal revelada por Deus e outorgada pela Igreja, mas sim, um objetivo, uma promessa a cumprir (THAYER, 2002, p. 69).

Tem-se pelo telos cartesiano um conhecimento universal, com poderes de mudar, de determinar ou não o progresso da humanidade, capaz de gerar um entendimento e domínio racional sobre a natureza. Destarte, o saber agora está na humanidade, no sujeito/objeto do processo de conhecer, na busca de um saber-fazer autônomo no qual se projeta a auto-emancipação do sujeito na promessa de auto-emancipação de toda a humanidade, por meio da razão, e não mais da revelação, em um conhecimento universal que possibilitasse o progresso da humanidade, que produzisse entendimento e domínio racional sobre a natureza.

Mais ou menos reflexiva, a universidade moderna cartesiana se desenha, analogamente ao projeto filosófico-universitário-medieval, na promessa de uma supra-territorialidade e de uma trans-linguisticidade universal. Persiste nela o primado da universalidade, que se dispõe agora como promessa por cumprir (THAYER, 2002, p.69).

Tanto na universidade medieval como na universidade franco-cartesiana, o traço universal registra-se como marca de ambas, porém distinguem-se teleologicamente. Evidencia-se que esta distinção não Evidencia-se restringe exclusivamente ao telos, uma vez que a universalidade linguística proposta na universitas – através da imposição do latim enquanto língua acadêmica oficial e da determinação dos conteúdos e metodologias a serem trabalhados – aparece igualmente na universidade moderna cartesiana.

Tem-se na própria linguagem a expressão máxima da universalidade linguística, uma vez que Descartes passa a escrever em francês e não em latim, decentralizando da língua a universalidade. A universidade adquire com Descartes uma nova forma linguística universal (THAYER, 2002, p.70). Estabelece-se, assim, o racionalismo matemático, que em última instância transpõe-se para a linguagem científica, que se estabelece neste contexto como determinante para a ciência pós-cartesiana, que é universalizada como linguagem acadêmica, uma vez que constrói e efetiva o conhecimento racional. Sob esta perspectiva a universidade tem uma nova categoria linguística universal que determina um entendimento racional universal

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prometido, diferentemente da proposição medieval que não se constitui para uma sustentação ou difusão de um conhecimento universal estabelecido/revelado.

Emancipar o sujeito, por meio da razão, constitui o eixo central do pensamento cartesiano, unidade que se torna característica da consolidação da subjetividade moderna (influenciada pelo pensamento cartesiano). A libertação, a emancipação do sujeito de si mesmo e da natureza através do conhecimento era promessa da universidade moderna, porém era essencial o próprio sujeito gerar constantemente as condições que poderiam garantir sua autonomia.

O sujeito moderno, como vontade de dominar a si e ao resto, sem estar, por sua vez, dominado e sem tornar-se cativo de suas próprias ordenações, esse sujeito, esse espírito universitário, tem que produzir e assegurar, permanentemente, as condições de sua autonomia, neutralizando, no extremo da apatia e da indiferença, as inclinações e os motivos os preconceitos e as cláusulas (THAYER, 2002, p.71).

As mesmas condições necessárias ao discurso universitário para que autonomamente constituísse um entendimento racional do mundo proporcionavam ao sujeito o mesmo. Constituíam-se na condição do conhecimento autônomo e da autonomia do sujeito que o produz e se emancipa através dele, dotado de neutralidade, impessoalidade, objetividade, traços claros e notórios da cientificidade moderna.

Essencialmente o conhecimento universitário-científico pressupunha um sujeito do conhecimento liberto de suas motivações e crenças pessoais que não se deixasse influenciar por suas inclinações (THAYER, 2002, p.71). Assim, este não seria acometido, em sua produção racional, por influências, elementos e interesses não acadêmicos, por qualquer coisa que não fosse de interesse puramente à universalidade racional pretendida.

A indiferença, a neutralização e o diferimento da inclinação serão a condição da autonomia universitária moderna: a condição utópica do sujeito e da universidade moderna, na medida em que topicamente esse sujeito se sabe assaltado por interesses e por forças extra-universitárias, não universais, particularidades e contingências que o governam erraticamente. O sujeito acadêmico cartesiano se quer neutro, impessoal, assexuado. Pretende apagar ou dissimular ao máximo, pelo menos – no sujeito do enunciado o sujeito da enunciação (THAYER, 2002, p.71).

Este é um processo que caminha no intuito de findar o universo das representações, para que o conhecimento produzido pelo sujeito seja neutro. Constitui-se, assim, sem estas influências por meio da racionalidade do método emancipar-se, tornando-se sujeito livre.

Neste sentido, Thayer (2002, p. 71) elucida a inversão em relação à universidade medieval, em que o particular era preterido perante o universal cristão. Na premissa

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franco-cartesiana o conhecimento é produto do particular, do sujeito, que através da razão se liberta. Há aqui um marco divisor, uma transformação real e significativa nos preceitos e propósitos universitários, uma mudança paradigmática: a universidade deixa de ser missionária colonialista, detentora de um conhecimento universal revelado, passando a ser racionalista, com uma proposição emancipadora, sendo o sujeito emancipado pela racionalidade o produtor do conhecimento que será universalizado.

Este conhecimento na perspectiva universitária franco-cartesiana é racional e metódico, ou seja, coloca a universidade sob a perspectiva de universalização de um domínio, através do conhecimento, da humanidade sobre si e sobre a natureza. “Já não se trata de uma ‘filosofia especulativa’, mas de uma filosofia ‘útil’, que possibilite o domínio da totalidade e que instale a humanidade como ‘amo e senhor’ da natureza e da história” (THAYER, 2002, p. 74).

Neste mesmo viés, Thayer argumenta que a verdade é, assim, não uma adequação ao que há, ao objeto, com o que não se trata de a partir das percepções suscitadas pelo objeto compreendê-lo. A verdade é antes moldadora do que há, do objeto, aos sistemas racionais produzidos metodicamente pelo sujeito (THAYER, 2002, p. 85).

Sob está ótica, a universidade franco-cartesiana se distingue, em função do método, como uma universidade epistemológica que interroga as condições pelas quais se constitui o conhecimento, questionando os princípios metodológicos do mesmo. Assim é posto o espírito crítico-reflexivo da universidade francesa, que visava sobremaneira a não aplicação automática do saber, sua não profissionalização, uma vez que reflete sobre as condições do saber, ou seja, de um saber sobre o saber, com vistas à emancipação.

Destarte, a discussão e a verificação dos princípios do método impede descansar acriticamente neles e em sua aplicação automática, com o que se evita o reducionismo profissional do saber à mera produtividade e operatividade. “A universidade moderna, já em Descartes, desenha-se filosoficamente como universidade crítica, comandada pela exigência de dar conta de seu saber, como ‘saber do saber’” (THAYER, 2002, p. 86).

Contudo, se a reflexão sobre as especificidades do conhecimento sobre o método constitui-se como condição necessária para o pensamento cartesiano, o próprio método indicava para um domínio da natureza e da história e, fundamentalmente, para o progresso da humanidade em direção a este domínio. Esta configuração mira para a ideia de que a razão metódica se constituiria em um conhecimento útil para esse propósito.

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Nesse viés é que se torna a base para a práxis. Tem-se a universidade cartesiana frente a uma função prática, na medida em que se institui justificada pelo cenário político, influenciado pelo poder napoleônico, por e para o estado.

Sob a universalidade do progresso e do progresso universal conduzido pela ciência, a universidade é colocada na teleologia prática das conquistas eficazes para o poder político moderno. Será disposta [...] como aparelho de Estado. A universalidade guia agora, não como des-historização em busca de uma verdade original, mas como superhistorização progressiva na direção de uma meta por produzir (THAYER, 2002, p. 86).

O que se vislumbra a partir daí é que a universidade passa paulatinamente para uma posição de submissão aos interesses progressistas do estado napoleônico. Inicialmente sua proposição visava a universalização da razão, a emancipação do homem, passando, depois, a constituir-se em uma universidade na qual o avanço do Estado torna-se o ideal a ser universalizado. Por sua vez, passa a basear-se e a fazer um uso instrumental do conhecimento científico, atribuindo-lhe uma utilidade técnica e prática.

Emerge, assim, a universidade napoleônica: a transformação da universidade cartesiana em técnico-estatal, o braço técnico-profissional do Estado. Servir aos interesses do Estado, visando necessariamente à profissionalização, torna-se o seu propósito com o que servia aos interesses do progresso elencados pelo Estado. Sua investigação reflexiva sobre o saber e sobre aquele que sabe cede lugar, perde força, à investigação aplicada e voltada à prática. Da universidade que assumia a premissa do conhecimento reflexivo, com vistas a emancipação, passa-se para uma universidade que visa o conhecimento instrumental, afirmando sua utilidade técnica frente ao Estado.

A universidade cartesiana será, finalmente, napoleônica. [...] A ideia cartesiana da universidade, produto da ilustração francesa, será historicamente executada como universidade estatal docente, regida pelo interesse do Estado, centro de formação de burocratas secularizados, peritos da administração (THAYER, 2002, p. 87).

Assim, o movimento de reforma universitária francesa teve como objetivo...

Assegurar o controle dos Estados em detrimento dos antigos privilégios de autonomia, mas elas tentaram igualmente restabelecer a regularidade dos cursos e dos exames, além de algumas inovações disciplinares, [...] acompanhando o progresso da tolerância religiosa e do espírito das Luzes, refletem um verdadeiro desejo de modernização, geralmente pelo viés de uma adequação mais estreita com as necessidades dos Estados (CHARLE e VERGER, 1996, p.62).

Com o modelo francês estabelece-se um modelo marcante de universidade, uma vez que é o modelo de universidade moderna de maior e mais forte ligação com o Estado. A reforma do ensino superior francês está relacionada com “os grandes processos de transformação social experimentados pela nação francesa, [...] é antes um produto dos

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impactos renovadores da revolução industrial, do que um desdobramento vegetativo da universidade medieval” (RIBEIRO, 1975, p. 51). Concebe-se, assim, um modelo que é muito mais fruto da revolução industrial e das reformas napoleônicas do que de uma herança medieval. Este modelo, denominado Napoleônico, é caracterizado por escolas isoladas de cunho e com propósitos profissionalizantes. Tem-se, então, a dissociação entre ensino e pesquisa e a grande centralização estatal como marcas particulares do modelo de universidade Napoleônica.

Na França se estabeleceu uma configuração de universidade preocupada e intensamente ligada com a questão nacional, em que o Estado tinha total influência sobre esta instituição, com os conteúdos dos cursos diretamente ligados aos seus interesses. As reformas napoleônicas institucionalizaram o ensino superior como serviço público, configurando uma universidade que “não passou de um sistema de escolas superiores autárquicas” (RIBEIRO, 1975, p. 52). Seu propósito foi a unificação política e cultural das províncias com vistas à constituição do que fora entendido como a França Republicana (RIBEIRO, 1975, p. 52).

Darcy Ribeiro (1975) destaca que o movimento de reorganização da universidade francesa constituiu-se com base em valores de um novo humanismo, fundamentado na ciência, na defesa dos direitos humanos e em prol da difusão de um novo saber tecnológico, proveniente da revolução industrial, inserindo-se e mantendo-se em um contexto de compromisso com as problemáticas nacionais. Com base numa “burocracia racional, seletiva e interpessoal” (RIBEIRO, 1975, p. 52), institui-se um modelo burocrático de ensino superior cujo núcleo básico ficou constituído pelas escolas autônomas de direito, medicina, farmácia, letras e ciências (CHARLE e VERGER, 1996, p. 99).

Ainda no século XIX, período em que se institui a Terceira República, é “certamente, tanto mais democrático quanto menos democrático possa parecer [...] porque não configuram aqui os contingentes dos alunos das grandes escolas” (CHARLE e VERGER, 1996, p.100), uma vez que o número de herdeiros, ou seja, aqueles que frequentavam as universidades estavam ausentes dos bancos acadêmicos. Assim, os bancos acadêmicos eram frequentados por um número maior do que no período anterior, ofertando oportunidade àqueles que outrora não tinham de frequentar a universidade (CHARLE e VERGER, 1996, p.100-101).

A constituição do modelo francês deu-se através da reorganização de escolas dispersas, inicialmente instituindo-se como um corpus de faculdades autárquicas, sob o título de universidade, e depois como faculdades em federações de unidades independentes (RIBEIRO, 1975, p. 52-53). No entanto, não se superou o instituído e tradicional isolamento existente

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entre as entidades componentes desta federação e a dispersão destas, pois “os órgãos de ensino ficaram isolados das entidades cultivadoras do saber e da prática da ciência” (RIBEIRO, 1975, p. 53).

No processo de constituição do modelo francês cria-se, junto com a universidade, uma hierarquia entre as ‘grandes escolas’, as quais têm seus esforços e ações canalizados para a pesquisa científica e para a formação de alto nível das elites intelectuais. Com a pesquisa concentrada fora das universidades, estas acabam sendo incumbidas da responsabilidade pelo ensino mais massificado. Estabelece-se, assim, no modelo francês, a separação entre pesquisa e ensino, já que somente algumas instituições seriam eleitas para a prática da pesquisa e do ensino de excelência, ao passo que todas as demais se voltariam ao ensino técnico e profissionalizante.

A Universidade Napoleônica expressa essa íntima vinculação da razão prima dessa instituição com os interesses do Estado, buscando, assim, a conservação da ordem social. Aos professores cabia, assim, a tarefa de lecionar de acordo com o que propunha o Estado, ficando assegurado um ensino, sobretudo profissional, com ênfase nos exames. Marca contundente deste modelo é também a incapacidade de integrar ensino e pesquisa, bem como a organização por faculdades/escolas isoladas, em que a validação da profissionalização institui os burocratas que vão servir ao Estado.

Em um percurso oposto, a universidade moderna ganha outro contorno através da universidade de Berlim, ou a universidade filosófica alemã, que surge como resistência à proposta técnico-estatal napoleônica. Após a invasão da Prússia (em 1806) pelo exército de Napoleão e do fechamento ordenado por ele das universidades de Jena e Halle (THAYER, 2002, p. 88), surge na Alemanha (Prússia) um movimento de resistência à dominação francesa que visava justamente, pela constituição de uma nova proposta de universidade, enfrentar o domínio francês.

A universidade alemã valorava uma educação humanista através da formação filosófica, artística e científica do indivíduo. Ainda que diretamente financiada pelo Estado, a universidade alemã possuía relativa autonomia, sendo-lhe permitidas liberdades intangíveis nas universidades francesas. Observa-se, portanto, que a dinâmica envolvida na construção e estruturação de cada uma resulta, também, na criação de cada um desses arquétipos universitários (THAYER, 2002, p.88).

Na Alemanha é o Estado que financia a universidade, já que, por ocasião da sua criação, necessitava de pensadores que legitimassem sua nova forma de organização política. Isso,

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também, sob o argumento de que “o Estado deve substituir com força intelectual, o que perdeu em fontes materiais”.1 O modelo alemão tem como seu escopo científico principal as ciências humanas e o desenvolvimento filosófico (THAYER, 2002, p.88). Este movimento encontrou em Humboldt, Fichte, Schelling e Schleiermacher seus maiores idealizadores, concretizando-se em 1810 com a fundação da universidade de Berlim.

A universidade alemã registra como traço primeiro a resistência à filosofia que direcionava a política educacional de Napoleão. Coloca-se em campo contrário aos fundamentos instrumentais e técnicos, ao seu uso prático em prol dos interesses do Estado. Entende e concebe que seu princípio especulativo, tanto da filosofia como da ciência, o não de subordinar-se aos interesses técnicos. Estabelece que o estado não pode mover a universidade, e sim o oposto, que a universidade, através da ciência especulativa, estabelece os princípios da universidade, bem como os do Estado.

[...] Estado como efeito da filosofia e não a filosofia como ‘religião estatal’. Se temem o nacionalismo estreito, o utilitarismo e o positivismo que guiam os poderes públicos em matéria de ciência, é porque, segundo eles, o sujeito do saber não é o povo soberano encarnado em um Estado, como o será na França depois da Revolução, mas o espírito especulativo que se encarna em um sistema (THAYER, 2002, p. 89).

Nesta perspectiva tem-se uma universidade da ciência e não das profissões, na busca de sua não dissolução na diversidade de interesses e atividades empíricas voltadas à exterioridade, ao Estado. Concebe os interesses da ciência na própria ciência, bem como o interesse da verdade na verdade. Assim, as intenções do estado não podem subjugar o conhecimento científico, fazendo com que este sirva meramente às intenções estatais, à aplicabilidade técnica.

A universidade filosófica alemã estabelece sua busca pela investigação não instrumentalizada, separa ciência e profissão e, também, reflexão e determinação (estatal). Interessa-se pelo conhecimento em si, e por isso resiste às imposições do Estado que limitam a investigação a suas necessidades práticas. “A universidade filosófica alemã, [...], sabe de si como totalidade histórica incompleta do saber. Sabe de seu ideal não cumprido. Duplo saber, então: saber do que sabe e saber do que não sabe; saber do saber e do não saber” (THAYER, 2002, p. 90).

Caracteriza-se por ter em si um ideal de uma verdade inatingível, instituindo-se assim, em um saber, no que concerne seu processo de investigação, apoiar-se sempre em uma nova investigação, e, desse modo, seu fim não estabelece uma verdade, mas a permanente reflexão

1 Frase dita a Francisco Guilhermo, Regente da Prússia (incorporada ao Império Alemão), por uma comitiva da

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sobre o conhecimento adquirido. Compromete-se com a universalização, situando-se neste e em outro ideal; entende que em relação ao primeiro, a universidade alemã possui clareza de seu não cumprimento, quanto ao segundo é um ideal a se constituir – o de uma universidade da ciência.

Enquanto espaço institucional de ciência enquadra-se no paradigma filosófico de universidade embasada em Platão. Vê-se enquanto instituição abstraída do mundo prático, sem qualquer laço ou vínculo com os interesses técnico-instrumentais. Universalizar uma instituição científica, constituindo um saber distinto do prático é seu ideal, tendo o saber como interesse do saber.

Com este propósito estabelecido, lhe é claro que romper com a determinação dos interesses estatais sobre a instituição universitária é primordial para a constituição de uma universidade livre e desvinculada do mundo prático, uma vez que interesses do Estado são objeto de análise da universidade, mas não devem dirigi-la. Refletir acerca das verdades postas e instituídas pelo Estado é, sim, uma das formas recomendadas para que os poderes estatais a libertem, para seu não condicionamento à profissionalização.

A universidade profissional será excluída da universidade da ciência. ‘Solidão e liberdade’ serão os princípios imperantes na universidade. Solidão para que o espírito se encontre referido em si mesmo na árdua investigação da verdade e da liberdade, como garantia de que essa investigação não será limitada por interesses externos (THAYER, 2002, p. 90-91).

Configura-se, dessa forma, sua premissa de que o profissionalismo deve submeter-se à ciência e à filosofia, não sendo o objetivo da instituição universitária. Esta tem o interesse crítico-reflexivo como seu alicerce, entendendo-se livre e desvinculada do poder estatal.

A universidade alemã expõe uma de suas a concepções acadêmicas mais marcante: o vínculo que se dá entre a pesquisa e o ensino. Deve-se esse vínculo a Whilhelm von Humboldt2 que estabeleceu essa vinculação da universidade com a ciência, atribuindo a ela as tarefas da pesquisa e da produção do conhecimento (MACHADO e MENDES, 2010, p.17).

Além de ressaltar a importância da pesquisa para a educação e a formação pessoal de cada indivíduo, o modelo alemão postula uma formação científica humanista e abrangente, contrastando com o modelo francês que impetrava uma formação tecnicista e pragmática. Essa peculiaridade enraizada no modelo alemão influencia diretamente na importância que as

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Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras têm na estruturação e organização do modelo universitário em Berlim (RIBEIRO, 1975; THAYER, 2002).

Mas é inegável que o Estado exerce seu poder através do ensino, não educando diretamente, todavia validando o que deve ser ensinado, e obrigando por meio de contrato o professor a atuar conforme as diretrizes governamentais.

Porque o Estado tem, mediante o ensino, ‘mecanismos para alterar até o mais íntimo dos pensamentos e das opiniões secretas dos súditos, podendo descobrir os primeiros e orientar as últimas’. Mais ainda, ‘pelo caminho da formação dos educadores públicos’, o Estado pode, silenciosamente, ‘antecipar ou protelar reformas, segundo sua necessidade’ (THAYER, 2002, p. 95).

Essa deliberação oriunda do meio externo à instituição universitária é a tônica nas diversas proposições de universidade conforme Thayer (2002, p. 95), por meio do controle que os governos podem exercer sobre a população através da educação universitária. Assim como na universidade medieval o poder de direcionamento das instituições era a Igreja, na universidade moderna esse poder é exercido pelo Estado, mesmo com as incursões de emancipação propostas pela universidade de Berlim.

Emblema a institucionalização do modelo da universidade alemã a chamada “liberdade acadêmica”, mas com uma boa dose de ambiguidade. De um lado os estudantes poderiam estruturar e determinar os rumos de seus estudos, elegendo seus currículos, bem como cursá-los em universidades distintas; de outro, atribuía-se ao professor a liberdade de planejar e dirigir suas atividades, primando apenas pela excelência do exercício da docência. Estabelece-se desEstabelece-se modo a atividade livre, de certo modo Estabelece-sem controle exterior, constituindo um cenário em que há a associação cooperativa entre professores e alunos sem a predeterminação de currículo (RIBEIRO, 1975, p. 62).

Sob esta ótica é nítido que o modelo alemão de universidade caminhava no intuito de fixar a neutralidade no tangente ao ensino, estando e sendo liberto das imposições diretas do Estado e em que estar mais próximo da verdade é a sua pretensão. A pesquisa é compreendida como o meio para a produção do conhecimento na ciência, caminho para responder aos problemas nacionais e para o encontro com a verdade. E, assim, ficou conhecida pela indissociabilidade entre pesquisa e ensino.

Tem-se como caráter de configuração das universidades o elemento mais significativo que caracteriza estas formas de organização como sendo o telos de universalidade de suas proposições, de seus interesses, estando este sob o controle externo, em função de interesses, seja do Estado ou da Igreja. Na universidade medieval a universalização era a anterioridade da

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doutrina religiosa e a unicidade linguística deste discurso na língua latina. Já na universidade moderna era a promessa de um conhecimento libertador do homem, unificado pela linguagem matemática científica. Isso ocorre, porém, pela influência dos interesses estatais, universalizando-se na profissionalização, na produção de funcionários-técnicos para o Estado.

Nesta distinção de universalização, a universidade não se funda como uma instituição separada do mundo prático, mas como uma instituição que abastece, produzindo a técnica para uma aplicação prática. Assim configurado e articulado, o conhecimento não ocorre reflexivo, por mais que este fosse o mote da universidade moderna. Este conhecimento que é produzido academicamente proverá técnica e instrumentalmente os interesses do Estado, e anteriormente da Igreja.

Quando da criação e implementação das universidades nos Estados Unidos observa-se que estas são instituídas esobserva-sencialmente pelo ideal democrático do país, que instiga e incentiva a multiplicação destas instituições (CHARLE e VERGER, 1996, p.84). Assim, há a possibilidade de criação de um modelo de universidade em um território novo, trazendo em seu bojo o ideário do estado americano.

No modelo americano temos uma universidade que nasceu livre da rigidez e da tradição da estratificação europeia. Mesmo descendendo das universidades inglesas, a universidade americana floresce mais fecunda, mais livre e mais democrática no ‘Novo Mundo’, nos novos espaços concebidos com a imigração. A instituição universitária emerge em um contexto de extrema motivação, pois se exerce ali a façanha de alfabetizar uma nova nação, aliado ao desejo de progresso e de riqueza de um povo com formação e com valores protestantes (RIBEIRO, 1975, p. 64).

No modelo de universidade tem-se o “surgimento dos colleges norte-americanos, típicos por seu caráter utilitário e sentido autêntico, [...] locais funcionais, capazes de americanizar quanto imigrante se incorporasse aos primeiros povoadores, integrando-os ao mesmo corpo de valores” (RIBEIRO, 1975, p. 65).

Essa concepção de universidade configura um modelo que é o avesso dos modelos francês e alemão,

[...] em vez de uma vasta burocracia nacionalizadora e civilizadora, o empreendimento educacional realizou-se nos Estados Unidos como um esforço de comunidades na busca da preservação dos valores coparticipados e tentando integrar neles a nova geração, [...] tiveram [...] por modelos [...] as escolas superiores utilitárias [...] facilmente adaptadas às comunidades coloniais americanas (RIBEIRO, 1975, p. 65).

Referências

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