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CARLOS ALBERTO PEREIRA SILVA

ELES ESTAVAM LÁ! POLIFONIA DO TESTEMUNHO

Testemunho 6: CARLOS ALBERTO PEREIRA SILVA

Professor Titular do Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Coordenador do Laboratório Transdisciplinar de Estudos em Complexidade. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação ligado ao GRECOM. A tese defendida é intitulada: Compor e educar para descontextualizar (2009).

Testemunho

Eu fui aluno do curso de doutorado em Educação na UFRN entre os anos de 2006 e 2009. A minha orientadora foi a professora Ceiça Almeida e minha co-orientadora foi a professora Wani Fernandes Pereira.

No que diz respeito ao processo de orientação, sem dúvidas, a existência das orientações coletivas é um grande diferencial do GRECOM. Várias vezes, durante o meu doutoramento, eu tive o prazer de participar das orientações coletivas que eram realizadas por Ceiça Almeida. Nessas orientações coletivas, cuja duração era quase sempre longa, nós refletíamos e buscávamos acolher os ensinamentos propostos por nossa orientadora que, ao referir-se a um dos trabalhos em foco, sempre deixava explícito algo comum relativo ao método advindo do pensamento complexo, cuja introjeção seria importante para o trabalho de todos. Lembro muito bem que, através das orientações coletivas, nós íamos progressivamente incorporando os princípios basilares da complexidade que eram fundamentais ao nosso trabalho de pesquisa, tais como a indissociabilidade entre o sujeito e o objeto e o método como estratégia. Eu diria que, ao partilhar dos momentos de orientação coletiva, nós todos potencializávamos o nosso trabalho individual.

Cabe também sublinhar que as orientações coletivas traziam consigo uma dimensão ética fundamental explicitada no compromisso com a solidariedade e a cooperação. Assim, ainda que saibamos que a construção de uma monografia, dissertação ou tese exija muito esforço individual,

através do processo de orientação coletiva constatávamos que as posturas individualistas e a lógica competitiva poderiam ser dissipadas.

Entre as ações vivenciadas no GRECOM, eu destaco, além das orientações coletivas, as Tardes de Estudos. Nas Tardes de Estudos, ao refletirmos acerca de obras importantes de autores diversos, nós partilhávamos conhecimentos que contribuíram para o nosso enriquecimento intelectual e existencial. Naquelas tardes, além da socialização de conhecimentos, nos alimentávamos dos afetos da comunidade greconiana que era formada por pessoas portadoras de experiências muito diversas. Naquelas tardes, ao nos encontrarmos reunidos, nos alegrávamos ao ver o entusiasmo e a dedicação dos colegas e professores que apresentaram as obras e sentíamos o nosso progressivo crescimento intelectual quando as ideias expostas por cada um tornavam-se foco de reflexão.

No que diz respeito à atuação do GRECOM para além dos muros da UFRN, os projetos que possuem vinculação com espaços não-acadêmicos desenvolvidos pela professora Ceiça, junto com outros pesquisadores e pesquisadoras, explicitam a aposta dos defensores do pensamento complexo no acolhimento e na propagação de saberes visceralmente comprometidos com a vida em suas múltiplas dimensões. Na minha convivência, senti que as ações implementadas pela equipe do GRECOM fora das fronteiras do campus universitário são testemunhas concretas da imperiosa necessidade de disseminação de valores e atitudes complexas. Dentre essas ações, merece destaque a vivência, que envolve aprendizados, ensinamentos e partilhas de afetos, entre o “povo do GRECOM” e a comunidade que vive no entorno da Lagoa de Piató no município de Assú. Indubitavelmente, essa relação, que possui como guias o pescador Chico Lucas e a professora Ceiça Almeida, tem demonstrado que é plenamente possível colocar em movimento a aposta na religação dos saberes anunciada pelo pensamento complexo. Ali, ao ser tecida a dialógica união entre conhecimentos distintos, efetiva-se plenamente a religação do conhecimento científico com os saberes da tradição. Ainda que eu não tenha conhecido Chico Lucas e nem a lagoa do

Piató, posso dizer que fui afetado para sempre pelos sábios ensinamentos anunciados por ele. Desde o momento em que me deparei com a sabedoria contida nas cosmovisões enraizadas nos saberes da tradição, potencializei a minha convicção de que o conhecimento científico é apenas uma forma de conhecimento que possui algumas virtudes e muitas limitações.

Inegavelmente, uma vivência no interior do GRECOM deixa marcas profundas e permanentes em nossas vidas. Ainda que não tenha vivenciado traumas insuperáveis, também experimentei alguns desconfortos. Na condição de aluno, ao deparar-me com os prazos, as avaliações e os seminários doutorais, eu sentia o peso da responsabilidade e ficava constantemente preocupado em cumprir com os deveres assumidos com o curso. Além disso, mesmo desfrutando do permanente cuidado e generosidade de minha orientadora, a escrita da tese foi algo desafiador porque o ato de escrever é muito sofrido por ser, essencialmente, solitário. Naquele contexto, eventuais insônias e alguma ansiedade tornaram-se minhas companheiras de percurso. Também, em virtude de não ter fixado residência em Natal durante o doutoramento, vivenciei o desconforto de sentir a cobrança oculta, subliminar e, até mesmo, explícita de colegas. E isso, ainda que eu expressasse cotidianamente o compromisso com o curso, buscando responder satisfatoriamente as demandas assumidas, gerou constrangimentos e atritos. Entretanto, vejo que, por ser multifacetada, a nossa vida é sempre nutrida por conflitos, incompreensões e acolhimentos. Felizmente, com alegria e orgulho, eu posso dizer que o acolhimento constituiu-se numa das principais marcas do GRECOM.

Ao lembrar daquele contexto, constato que as experiências vivenciadas por mim no GRECOM foram muito impactantes na minha trajetória. Tivemos muitos momentos importantes: Aulas das disciplinas ministradas por Ceiça, Tardes de Estudos, Presenças de Edgard Carvalho, Orientações Coletivas, Seminários de Pesquisa e Defesas de Dissertações e Teses.

Nesse mosaico preenchido por significativos acontecimentos, eu destaco dois momentos muitos impactantes para mim. Um momento foi o encontro oportunizado por Ceiça entre a “turma do GRECOM” com Edgar

Morin durante o 3º Congresso Internacional Transdisciplinaridade, Complexidade e Ecoformação, ocorrido em Brasília no ano de 2008. Para mim, aquele encontro foi muito marcante porque, ao ter assumido Edgar Morin como o pensador mais influente na minha trajetória intelectual e existencial, poder partilhar de uma prosa com ele num saguão de um hotel na capital federal foi um dos acontecimentos mais felizes da minha vida. Um outro momento emblemático foi ter participado da antológica conferência proferida por Edgar Morin, para aproximadamente oito mil pessoas, na Praça Cívica da UFRN no ano de 2010. Naquele momento, ao deparar com a vibrante força mobilizadora de Ceiça Almeida e de Josineide Silveira, ao ouvir Morin falar para milhares de pessoas sobre o futuro da humanidade, reafirmei o meu sentimento de que a propagação do pensamento complexo é uma exigência inadiável para que possamos construir um mundo melhor.

Enfim, a experiência intelectual e existencial que tive no GRECOM durante o doutoramento insere-se entre as melhores experiências vivenciadas por mim até o presente momento. Naquele espaço, ampliei os meus conhecimentos sobre o pensamento complexo e a transdisciplinaridade, tive contato com a leitura de autores e obras seminais insurgentes contra os desmandos da civilização, conquistei novos amigos e amigas e consolidei o meu compromisso com a propagação de uma “ciência que sonha”, conforme os ensinamentos que tive com Ceiça Almeida e os seus parceiros e parceiras de jornada intelectual.

Por ter acolhido aquela experiência como algo que nunca termina, hoje eu continuo inteiramente comprometido com a propagação dos ensinamentos ali aprendidos. Dessa forma, por meio das disciplinas que ministro, das orientações de discentes e das atividades de extensão e pesquisa em que estou envolvido, eu sigo apostando na religação dos saberes e no cultivo de valores, atitudes e ações consoantes com a ética da complexidade.