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CAPÍTULO 4 O BACKGROUND DAS QUESTÕES CLIMÁTICAS: O

4.3 A questão ambiental como uma questão econômica

4.3.1 Os governos justicialistas e suas concepções ideacionais e institucionais sobre o

4.3.1.1 Carlos Menem (1989-1999)

164 Em termos teóricos, o Estado é compreendido por meio da relação agência e estrutura (BARNETT, 1994; OFFE, 1991; TARROW, 2011), um amalgama de instituições e atores, com ideias e objetivos (geralmente) inconsistentes e contraditórios entre si. Uma instituição que cria e estrutura práticas, ideias, além de exercer controle, mas também que é permeada por agentes com ideias e poderes distintos, tanto da própria estrutura institucional como da sociedade.

A questão ambiental na Argentina não retorna à agenda governamental no início dos anos de 1990, pois ela foi uma continuidade do que estava sendo gestado no governo de Alfonsín, sob o manto da política de valorização dos ideais democráticos. Nessa concepção, o ambiente foi considerado um direito que, em âmbito internacional, era instrumentalizado com o intuito de demonstrar a guinada do país ao regime democrático.

O tema ganha espaço na chancelaria, depois do encerramento das discussões na instituição, no período ditatorial (1976-1983), quando essa era associada aos ideais socialistas. Sob recomendação do vice-chanceler Carlos Ortiz de Rozas, em 1989, foram criados dois grupos de trabalho com o objetivo de formular um posicionamento argentino sobre a temática ambiental (após a divulgação da resolução 44/228). Estrada Oyuela foi indicado para fazer parte dos dois grupos. Um grupo congregava os distintos setores da administração pública, e o outro, denominado “ampliado”, era composto pela sociedade civil, por representantes das duas casas legislativas e por comissões de especialistas na temática ambiental. Ambos os grupos eram assessorados tecnicamente. No que se referia à diversidade biológica, a Secretaria da Agriculta e o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA) eram expressivos; já em relação às questões atmosféricas, especificamente aos temas da camada de ozônio e à recém mudança do clima, os especialistas do Serviço Meteorológico Nacional (SMN), da Academia Nacional de Engenharia e ex-funcionários como Osvaldo Canziani165 realizavam o assessoramento (ESTRADA OYUELA, 2007).

A Comissão Nacional de Política Ambiental, presidida por Eduardo Bauzá e edificada pelo governo Alfonsín, foi transferida da Presidência para o Ministério da Saúde e Ação Social que, a partir de dezembro de 1989, passou também a ser presidido por Bauzá, permanecendo na inércia operacional (DÍAZ, 2006; ESTRADA OYUELA, 2007; GUTIÉRREZ; ISUANI, 2014).

Nesse período houve o que a literatura especializada argentina denomina de “adequação à agenda dos organismos internacionais e especificamente ao governo

165 Indicado pelo governo argentino para compor o IPCC, Canziani foi um dos cientistas do IPCC agraciado pelo Nobel da Paz em 2007, junto a Al Gore, devido às pesquisas sobre mudanças climáticas.

dos Estados Unidos” (ACUÑA, 1999; HOCHSTETLER, 2003; DÍAZ, 2006; ESTRADA OYUELA, 2007; BUENO, 2010; GUTIÉRREZ; ISUANI, 2014), em relação direta com a perspectiva do Executivo sobre a questão ambiental global, que deveria ser expressa na CNUMAD. Ainda no ano de 1991, Menem reinaugura a antiga Secretaria de Recursos Naturais e Ambiente Humano (SRNyAH) (que, assim como no governo Perón, tinha o status de Ministério), em relação direta com a Presidência, agrupando diversas funções que haviam sido fragmentadas em várias instituições.

Maria Julia Alsogaray, engenheira, filiada ao partido Unión del Centro Democrático (UCEDE), defensora do ideário de livre mercado e peça fundamental nas privatizações (empresas de telefonia e siderurgia) ocorridas durante do governo Menem, foi designada para a SRNyAH. De acordo com Estrada Oyuela (2007), Alsogaray tinha bastante conhecimento sobre a área ambiental, decorrente de sua relação pessoal com o conservacionista Francisco Erize, de atuação nacional, desde a década de 1960, na área e gestão de reservas, divulgação e valorização do patrimônio natural, membro fundador da organização Fundação Vida Silvestre Argentina (1977).

De acordo com Gutiérrez e Isuani (2014), Alsogaray empreendia suas ações à luz de paradigma neoliberal (que também pode ser definido como racionalidade administrativa), defendido pelos países desenvolvidos, cuja lógica de oferta e demanda do mercado deveria guiar a edificação do desenvolvimento sustentável no país, assim como o ambiente deveria ser administrado, principalmente, por órgãos privados, visando à maior eficiência.

Já para Estrada Oyuela (2007), mais do que a ação vinculada a um paradigma, tal como expõe Gutiérrez e Isuani (2014), a atuação de Alsogaray foi a de “concentrar competências”, espalhadas pelas diversas Secretarias e Ministérios, na SRNyAH, principalmente após a reforma ministerial empreendida pelo ministro da economia Domingo Cavallo. Constitui exemplo dessa busca por concentração a disputa com Felipe Solá, ministro da agricultura, sobre as atividades desempenhadas pelo extinto Instituto Nacional Florestal (IFONA), que resultou em uma divisão arbitrária: à SRNyAH ficaria a gestão de bosques nativos e, ao Ministério da Agricultura, a implementação de bosques de florestamento e reflorestamento. Também foi fruto dessa concentração de competências de Alsogaray a responsabilidade sobre os recursos hídricos e obras públicas, após a

dissolução da Secretaria de Águas e Energia Elétrica. Contudo, essa somatória de competências para a SRNyAH não deve ser observada como uma preocupação de Alsogaray com as questões ambientais, muito menos de Carlos Menem.

Outro detalhe da operacionalidade da SRNyAH sob direção de Alsogaray é que, diante da política econômica de incentivo ao consumo e venda de produtos, a malha ferroviária existente foi desmontada a fim de incentivar o desenvolvimento do setor automobilístico, assim como a Secretaria se recusou a identificar lugares específicos para o descarte de resíduos sólidos urbanos (ESTRADA OYUELA, 2007), práticas incongruentes com a lógica ambiental sustentável.

Essa explanação sobre a atuação da Alsogaray leva a dois entendimentos do período que podem ajudar a compreender como a questão ambiental era concebida pelo governo Menem.

O primeiro, clarividente, aponta para a política econômica empreendida por Domingo Cavallo166, tributária dos preceitos do Consenso de Washington, que, internacionalmente, visava a projetar a imagem de “país normal”, o “bom cidadão da sociedade internacional”167, nos fóruns multilaterais. De forma utilitária (e legítima), agia sob duas frentes: defendia o princípio de capacidades diferenciadas no tratamento do ambiente global (evitando obrigações e requerendo fundos e financiamentos) (ACUÑA, 1999; HOCHSTETLER, 2003), portanto, se juntava ao grande bloco de países do Sul; além disso, alegava, em consonância com os países

166 O governo de Menem (sob o comando de Cavallo) promoveu uma série de reformas estruturais baseadas no Consenso de Washington, dentre elas, privatizações e desregulamentações, abertura financeira e comercial, transformação do setor público e, em 1991, decretou a lei de conversibilidade (que se mostrou extremamente frágil na absorção a choques externos). A combinação entre abertura financeira e comercial, com restrições monetárias, enquadradas sob um regime cambial valorizado, controlou a inflação, mas levou à deterioração acelerada do quadro produtivo nacional, afetado pela competição internacional e pela especulação financeira, que culminou com a grave recessão entre 1999 e 2002, que além de eliminar os ganhos derivados do início da conversibilidade, deteriorou a situação fiscal do setor público. Em 2001, no auge da recessão, o recém-governo de De la Rúa sofreu as pressões populares conhecidas como “panelaços”. Rodriguez Saá, em sua súbita passagem, decretou a suspensão dos pagamentos da dívida do setor público, e o senador Eduardo Duhalde (ex vice-presidente do governo de Menem) empreendeu a “pesificação” da economia, o chamado “corralito”. Uma leitura atenta sobre a economia argentina contemporânea pode ser encontrada no artigo de FERRARI, Andrés; CUNHA, André M. As origens da crise argentina: uma sugestão de interpretação. Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n.2 (33), p. 47-80, ago. 2008.

167 Cujos exemplos são: a mudança de voto nas Nações Unidas, relacionada com a saída do país do Movimento dos Países não alinhados (que, por muitos anos, a Argentina defendeu); o envio de aviões ao Golfo Pérsico; a participação na intervenção humanitária do Haiti; a ratificação do Tratado de Thatelolco e do Tratado de não proliferação de armas nucleares; o apoio à condenação de Cuba, nas Nações Unidas; e o cancelamento do projeto Cóndor.

desenvolvidos, que o desenvolvimento sustentável deveria ser pensado e articulado de forma equidistante de qualquer devir de justiça social.

O segundo momento se destaca pela concentração de competências na SRNyAH, que em 1996, passou a designar-se Secretaria de Recursos Naturais e Desenvolvimento Sustentável (SRNyDS), com a justificativa de que o órgão refletia a concepção do desenvolvimento sustentável (racionalidade econômica). Essa justificativa, no entanto, não revelava a existência de uma política pública; o que ocorreu foi um fortalecimento institucional, devido à disponibilidade de recursos e à criação de funções específicas, decorrente de empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – cerca de 30 milhões de dólares – para a execução do Programa de Desenvolvimento Institucional Ambiental (PRODIA)168, uma das indicações da Agenda 21, executado entre 1993 e 2000. Esse programa visava a fortalecer o marco legal e a estrutura organizacional de agências federais e provinciais169. Contudo, nenhuma lei foi edificada entre 1994 e 2001.

Em um contexto de crise econômica, social e política, Fernando de la Rúa (Aliança União Cívica Radical (UCR) – Frente País Solidário (FREPASO)) (1999- 2001) chega ao poder executivo federal (de dezembro de 1999 a dezembro de 2001). E, como uma de suas primeiras medidas, transfere a SRNyDS, que passa a denominar-se Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Política Ambiental (SDSyPA), para o Ministério do Desenvolvimento Social (sob o comando de Gabriela Fernández Meijide, ativista dos direitos humanos, mas sem expressividade na gestão pública), perdendo a maioria das funções que Alsogaray havia concentrado na antiga SRNDS (ESTRADA OYUELA, 2007).

De acordo com a literatura da área, há três prováveis razões da indiferença de De la Rúa para com a questão ambiental e, por conseguinte, com a inércia da

168 COFEMA. Agencias ambientales nacionales y provinciales. Disponível: <www.iadb.org/en/projects/project-description-title,1303.html?id=AR0065>. Acesso em: jul. 2018. 169 A descontaminação do Rio Riachuelo (ou Matanza-Riachuelo) situado na cidade de Buenos Aires é sempre uma promessa política. A SRNDS, sob gestão de Alsogaray, ao anunciar o programa de descontaminação do rio (em 4 de fevereiro de 1993), afirmou que "En mil días vamos a poder tomar agua del Riachuelo", além de "tiraría a nadar". O Rio Riachuelo, ainda hoje (2019), encontra-se poluído e sobre Alsogaray recaíram várias acusações de corrupção, dentre elas, a de contratos fraudulentos no caso da descontaminação do Riachuelo. TODO NOTÍCIAS. María Julia Alsogaray: de la promesa a limpiar el Riachuelo al tapado que hundió su carrera política. Disponível em: https://tn.com.ar/politica/maria-julia-alsogaray-de-la-promesa-limpiar-el-riachuelo-al-tapado-que- hundio-su-carrera-politica_822538. Acesso em: 13 ago. 2019.

política ambiental. Uma delas é o simples desinteresse do presidente e do secretário da pasta, Nicolás Gallo, para com a temática, além de a SRNDS ser considerado pela Alianza o símbolo deteriorado de Menem, centro das acusações de corrupção (ESTRADA OYUELA, 2007). A segunda razão estaria associada ao contexto de crise vivenciado pelo país, que levou à renúncia de Fernando de la Rúa, em 2001. E a terceira, intercalada com a segunda, afirmava que, em decorrência da crise econômica, a prioridade governamental foi direcionada à diminuição do desemprego, da pobreza e do fim da crise (DÍAZ, 2006). Talvez um pouco das três razões tenha permeado a não ação do governo da Alianza em relação à questão ambiental.

Já sob o governo de Eduardo Duhalde (Partido Justicialista) (2001-2003), houve uma expressiva produção legislativa em matéria ambiental, contudo, compactuando com a leitura de Gutiérrez e Isuani (2014), essa produção estava relacionada a uma situação específica: o estreito vínculo entre o secretário Carlos Merenson – da rebatizada SAyDS, que Duhalde manteve sob o comando do Ministério do Desenvolvimento Social, administrado primeiramente por Juan Pablo Cafiero e, em seguida, por Nélida Doga – e a legisladora Mabel Müller, que impulsionou vários projetos que se converteram em lei, definindo os pressupostos mínimos de proteção e as orientações para a política ambiental nacional (ESTRADA OYUELA, 2007; BUENO, 2010; GUTIÉRREZ; ISUANI, 2014).