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CAPÍTULO 4 O BACKGROUND DAS QUESTÕES CLIMÁTICAS: O

4.3 A questão ambiental como uma questão econômica

4.3.1 Os governos justicialistas e suas concepções ideacionais e institucionais sobre o

4.3.1.2 Néstor Kirchner (2003-2007)

4.3.1.2.2 SAyDS e interesses intraestatais

Dentre as várias versões sobre a chegada de Romina Picoloti ao comando da SAyDS, em 2007, a mais sensata talvez é que, visando modificar a imagem da SAyDS, depois do conflito ambiental (caso Papeleras) e Romina Picolotti sendo uma representante por excelência da mobilização civil, a coordenação da SAyDS passou a ela, em uma clara demonstração do governo, para a sociedade em geral, sobre o que havia pronunciado em Gualeguaychú: o compromisso do governo com a “causa ambiental” (ESTRADA OYUELA, 2007; REY, 2011; ALCAÑIZ; GUTIÉRREZ, 2009).

A Secretaria passou a ser operacionalizada por uma equipe escolhida por Picolotti (motivo de crítica à sua gestão) e a receber novos recursos financeiros (tanto nacionais, como internacionais), o que proporcionou uma dinamicidade das atividades da instituição, que pode ser visualizada em números. Houve a avaliação de mais de 8.707 empresas (in situ), das quais 120 tiveram seu fechamento prescrito imediatamente, 646 foram notificadas com sanções e 734 receberam notificações de medidas de precaução, além da reavaliação de mais de 2000 multas que estavam prestes a prescrever, em um ano de gestão (VISIÓN SUSTENTABLE, 2011).

Assim como Ortiz buscou empreender em 1973, a atuação pragmática e legalista de Picolleti no comando da SAyDS (que é o órgão de controle ambiental) atraiu uma infinidade de adversários e passou a gerar conflitos que, segundo ela, “não tinha importância, haja vista que não desejava uma carreira política, mas mudar as coisas relacionadas aquilo para que havia sido designada”. Os conflitos surgiram principalmente após as ações empreendidas às empresas petroquímicas do Parque

Dock Sud (dentre elas, a Shell), a fim de iniciar as ações de descontaminação da

Bacia Matanza-Riachuelo e a acenar que iria propor um projeto de lei que tinha como intuito modificar a legislação existente em relação à prática da mineração (principalmente a de céu aberto) no país.

Diante desse sinal, uma coalização formada por governadores de províncias mineradoras passou a reivindicar, do Ministério de Planejamento Federal, via Jorge de Vido, e do presidente Néstor Kirchner, que isso não ocorresse177. O projeto de modificação da lei de mineração nunca chegou ao Congresso. O que ocorreu foi um acordo de colaboração entre a SAyDS (Picolotti) e a Secretaria de Mineração, cujo titular era o engenheiro Jorge Mayoral. Nos termos do acordo, as Secretarias deveriam trocar informações e ofertar assistência técnica mútua, deixando às províncias a liberdade sobre o uso dos recursos naturais, dentre eles os minérios178. Esse ato foi lido, de modos diferentes, pelos diversos grupos, e a atuação de Picolotti foi lida como contraditória à sua atuação militante, segundo ativistas; outros observaram o acordo como uma extrapolação do poder das Secretarias, diante do poder Executivo (ESTRADA OYUELA, 2007); outros, ainda, viam o ato como expressão do poder Executivo, nacional e provincial, na determinação do que é considerado problema ambiental.

O tema da mineração reapareceu, de forma implícita, no projeto de lei de proteção dos glaciares (26.639)179, na qual está posta a necessidade de construção

177 Sobre a atividade de mineração na Argentina, ver: ECyT-AR. Minería em Argentina Disponível em: https://cyt-ar.com.ar/cyt-ar/index.php/Miner%C3%ADa_en_Argentina. Acesso em: jul.2019.

178 MINERÍA CHILENA. (Argentina) Acuerdo marco entre la Secretaría de Minería y la de Medio Ambiente. 15 de março de 2007. Disponível em: http://www.mch.cl/2007/03/15/argentina-acuerdo- marco-entre-la-secretaria-de-mineria-y-la-de-medio-ambiente/. Acesso em: jul. 2019.

179 O projeto de lei foi posto em votação pela primeira vez na Câmara dos deputados pela legisladora Marta Maffei em 2008 (o qual Picolotti ajudou a formular); depois em 2010, foi reescrito pelo congressista Miguel Bonasso (um projeto nos mesmos moldes do projeto de Maffei), mas não foi aprovado; um outro projeto de lei, bem distinto do de Maffei e Bonasso, foi produzido por Daniel

de um inventário nacional das geleiras e a proibição de atividades industriais, tais como exploração mineral e petrolífera, nessas formações e em seu entorno. Porém, o projeto de lei, depois de aprovado no Congresso, foi vetado pela presidente Cristina Kirchner sob a alegação de que haveria “repercussões negativas no desenvolvimento econômico e nos investimentos” do país e das províncias, reafirmando-se ao lado de Vido e da coalização de governadores que cobrava “um peronismo pragmático”. Essa situação evidenciava a insustentável atuação de Romina na SAyDS180 (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008)181, que deixa o cargo logo em seguida.

É inegável a mudança que Romina Picolotti opera na SAyDS, em termos institucionais, operacionais (mesmo que haja críticas à não conclusão de trabalhos iniciados por ela, como o de descontaminação da bacia Matanza-Riachuelo) e organizacionais. Sua atuação na Secretaria e os impedimentos que sofreu (no caso da lei da mineração ou da lei dos glaciares) evidenciam a tese já legitimada na literatura (TOKATLIAN; MERKE, 2014; GUTIÉRREZ; ISUANI, 2014) de preponderância do Executivo nas questões da temática, mas, também, de um Executivo refém de coalizões legislativas regionais e dessas para com núcleos empresariais e agroexportadores, composto, no caso da mineração, majoritariamente por capitais estrangeiros.

Filmes. Alguns meses depois foi aprovada a lei dos glaciares (uma conjunção dos três projetos). A Lei dos glaciais aprovada em 2010. UBA Derecho. Disponível em: http://www.derecho.uba.ar/academica/derecho-abierto/archivos/Ley-26639-PP-para-la-Preservacion- de-los-Glaciares-ydel-ambiente-periglacial.pdf. Acesso em: 24 set. 2019.

180 De acordo com Romina Picolotti, um de seus equívocos à frente da SAyDS foi empreender distintas ações ao mesmo tempo, como o Plano de descontaminação da Bacia Matanza-Riachuelo (depois da decisão da SCJ), as avaliações de impacto de risco promovidas pela mineração, o controle das fronteiras agropecuárias em relação com a lei dos bosques nativos; o controle de contaminação de bacias hídricas, como as de rio Reconquista e Salí-Dulce, dentre outras. LA NACIÓN. Romina Picolotti: una ecologista en arenas movedizas. 26 de novembro de 2006. Disponível em: https://www.lanacion.com.ar/opinion/romina-picolotti-una-ecologista-en-arenas-movedizas-nid862093. Acesso em: set. 2019.

181 FOLHA DE SÃO PAULO. ARGENTINA. Lei de proteção a geleiras "derrete" no Parlamento. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0512200804.htm. Acesso em: 24 set. 2019.

4.3.1.2.3 Um jogo de soma zero ou a prevalência do poder executivo na