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CAPÍTULO 4 O BACKGROUND DAS QUESTÕES CLIMÁTICAS: O

4.4 Normas constitucionais do problema ambiental e climático

As normas jurídicas são consideradas expressões de como as causas dos problemas ambientais (que são problemas públicos) são construídas e materializadas, em uma determinada sociedade e tempo histórico. Na Argentina, pode-se argumentar que há, até o presente momento, duas fases de criação: a de construção de um ambiente saudável, garantido pelo Estado e operacionalizado pelas províncias, e a de um ambiente geral (LGA) e suas especificidades (pressupostos mínimos), apresentados a seguir.

A problemática ambiental tornou-se constitucional na Argentina a partir do

Pacto dos Olivos (um pacto entre peronistas e radicales)188, por meio dos artigos 41 e 124, da “Constituição Reformada”, de 1994, que respectivamente reconhecia o direito de todos os habitantes a um ambiente saudável e o direito de domínio sobre os recursos naturais, das províncias189.

Todos los habitantes gozan del derecho a um ambiente sano, equilibrado, apto para el desarrollo humano y para que las atividades productivas satisfagan las necesidades presentes sin comprometer las de las generaciones futuras; y tienen el deber de preservarlo. El daño ambiental generará prioritariamente la obligación de recomponer, según lo establezca la ley. Las autoridades proveerán a la proteccion de este derecho, a la utilización racional de los recursos naturales, a la preservación del patrimônio natural y cultural y de la diversidad biológica, y a la información y educación ambientales.

188 Menem, consciente da possibilidade de reeleger-se, vê na reforma constitucional (Constituição de 1853, recuperada pelos militares) uma possibilidade. Além de ter maioria parlamentar, Menem busca legitimar a sua proposta e propõe um acordo com o principal partido de oposição, a UCR, partido do ex presidente Alfonsín (ACUÑA, 1995; SMULOVITZ, 1995). E, depois de um longo processo de negociação, em 14 de novembro de 1993, Menem e Alfonsín firmam o Pacto de Olivos, ou seja, um pacto entre peronistas e radicais juntos pela reforma constitucional, que representa ganhos para ambas as partes: Alfonsín garantiria a incorporação dos temas elencados pelo CCD, dentre eles, o direito ao ambiente, e Menem sua reeleição (GUTIÉRREZ; ISUANI, 2014).

189 Sobre o sistema federativo e suas características, ver: BAZÁN, V. (2013). El federalismo argentino: situación actual, cuestiones conflictivas y perspectivas. Estudios Constitucionales, 11(1), pp. 37-88.; GRANATO, L. (2015). Federalismo argentino y descentralización: sus implicancias para la formulación de políticas públicas. Revista Prolegómenos Derechos y Valores, 18, 36, 117-134. DOI:http://dx.doi.org/10.18359/dere.937. GUTIÉRREZ, Ricardo A. Federalismo y Políticas Ambientales en la Región Metropolitana de Buenos Aires, Argentina. EURE. Vol.38, n. 114, mayo 2012, P. 147-171.

Corresponde a la Nación dictar las normas que contengam los presupuestos mínimos de protección, y a las provincias, las necesarias para complementarlas, sin que aquéllas alteren las jurisdicciones locales. Se prohíbe el ingresso al territorio nacional residuos actual o potencialmente peligrosos, y de los radiactivos190. Essa lei ambiental, também denominada de direitos ambientais, devido aos direitos processuais que a acompanham191, está diretamente concatenada com a proposta construída pelo CCD no governo de Alfonsín, sendo os pontos semelhantes o desenvolvimento das gerações presentes e futuras; os direitos e deveres individuais; o dever do Estado em preservar; a divisão dos poderes; e, os pressupostos mínimos de preservação (CCD, 1986: p.202-211 apud GUTIÉRREZ; ISUANI, 2014). A diferença existente está relacionada ao entendimento que se faz sobre o que é questão ambiental. Os direitos ambientais, declarados em 1994, estão vinculados à prosperidade econômica, que poderia ocorrer primordialmente pelo Estado, mas também pela atuação de governos estaduais e municipais, empresas, organismos multilaterais, Ongs e sociedade em geral, que, para Hajer (1994), se enquadram no paradigma de modernização ecológica, diferente do primeiro que estava relacionado à “sustentação da vida” (enquanto um direito humano). Declara as competências legislativas e executivas entre o Estado nacional e as províncias, cabendo, ao Estado, o estabelecimento dos pressupostos mínimos de proteção, e, às províncias, o sancionamento e a execução da legislação complementar.

Em relação à operacionalidade dos artigos, dois problemas podem ser definidos, um de ordem jurídico-conceitual, relacionado aos pressupostos mínimos, pois não havia um consenso entre os experts sobre como conceituá-los (SABSAY; DI PAOLA, 2008), e outro, de caráter político-federal (que persiste até hoje), relacionado à primazia executiva das províncias sobre os recursos naturais (na

190 FARN. DI PAOLA, María M.; RIVERA, Inés. Informe nacional sobre el Estado y calidad de las políticas públicas sobre cambio climático y desarollo en Argentina. Sector agropecuario y forestal. Septiembre 2012.

191 Os direitos processuais são: direito à educação e à informação ambiental (que é diferente de acesso a informação pública ambiental); direito à reparação de acordo com os procedimentos estabelecidos; direito a recurso (demanda judicial para proteção constitucional de direitos e garantias); direito à ação coletiva (demandas coletivas podem ser apresentadas pelos afetados diretamente por contaminação ou riscos ambientais, pelo defensor público ou por associações civis) (GUTIÉRREZ, ISUANI, 2014). Em relação à informação ambiental, o Estado deve “coletar e processar adequadamente dados”, além de “fornecer, divulgar e atualizar informações, de modo eficaz e dinâmico”. O acesso à informação pública ambiental foi formulado pelo princípio 10, da Declaração da CNUMAD (1992) e foi incluído na LGA (DI PAOLA; RIVERI, 2012)

presente lei, recursos naturais é sinônimo de ambiente e natureza; trata-se também dos recursos considerados renováveis e não-renováveis192). A primazia provincial sobre os recursos naturais está posta em consonância direta com a lei 41, que deve ser irradiada sobre todo o conteúdo das demais leis.

Em um segundo momento, sob o governo do presidente interino Eduardo Duhalde, em 2002, sancionou-se a lei geral do ambiente (25.675) (LGA)193 que, em seu artigo 1, define que “a gestão sustentável e adequada do ambiente, a preservação e a proteção da diversidade biológica e a implementação do desenvolvimento sustentável” deve ocorrer por meio de “pressupostos mínimos”194. Em seu artigo 3, define a prioridade dos conteúdos dessa legislação em relação às leis anteriores, com as quais as leis provinciais devem estar em concordância, e com os seus pressupostos mínimos195, mas também reforça a primazia das províncias na execução da política ambiental196, cujo exemplo é a ratificação, também em 2002, da Ata Constitutiva de criação do Conselho Federal de Meio Ambiente (COFEMA)

192 Há uma gama diversa de autores que discutem a relação homem e natureza, no campo da economia, da geografia, dos estudos sociais e antropológicos, dentre outros, tais como Engels (1975), Marx (1973), Kay Milton (1996), Marvin Harris (1979), Bruno Latour (1994), Tim Ingold (2001), Martínez Alier (1991), Carnevali (1983), dentre muitos outros. Em termos jurídicos, a Argentina visa regular a ação dos agentes socioeconômicos (privados e/ou públicos, nos níveis federal, estadual e municipal e, desses, em sua relação com o internacional) sobre os recursos (ambiente/natureza), a partir das múltiplas condições sociais de apropriação (aquelas que determinam os recursos renováveis e não renováveis e os impactos socioambientais de seu uso).

193 INFORMACIÓN LEGISLATIVA. Política Ambiental Nacional. Disponível em: http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/75000-79999/79980/norma.htm. Acesso em: jul. 2019.

194 De acordo com Di Paola e Rivera (2012), a LGA introduz elementos de suma importância para a operacionalidade da PAA, como o Ordenamento Ambiental Territorial (OAT) e a Avaliação de Impacto Ambiental (EIA), que devem ser sancionados como pressupostos mínimos, mas que, como outros, ainda não foram.

195 De acordo com a lei geral, por pressuposto mínimo compreende-se “toda norma que concede uma tutela ambiental uniforme ou comum para o território nacional e tem por objeto impor condições necessárias para assegurar a proteção ambiental. No seu conteúdo deve fornecer as condições necessárias para garantir a dinâmica dos sistemas ecológicos, a manutenção de sua capacidade de absorção e, em geral, assegurar a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável” (DI PAOLA; RIVERA, 2012; Tradução minha). As leis setoriais promulgadas até o momento são: resíduos industriais e atividades de serviço (25.612/02); gestão e eliminação de poly chlorinated biphenyls (pcb) (25.670/02); gestão ambiental da água (25.688/03); lei de acesso à informação pública ambiental (25.831/04); gestão de resíduos domiciliares (25.916/04); proteção ambiental dos bosques nativos (26.331/07); controle de queimadas (26.562/09) e proteção dos glaciais e do ambiente periglacial (26.639/10).

196 É exemplo da primazia atribuída às províncias a criação do Sistema Federal de Coordenação Interjurisdicional, cuja autoridade máxima desse sistema é o COFEMA (GUTIÉRREZ, 2012).

(edificado em La Rioja, em 1990) e do Pacto Ambiental, assinado em Luján, em 1993.

De acordo com o próprio Conselho, o organismo é fruto de um sistema federalista que pressupõe a coexistência e o protagonismo do governo federal e das províncias em um mesmo plano de participação e decisão, em relação a problemas e soluções que envolvam o meio ambiente argentino. Trata-se da “expressão do debate entre o federalismo de consenso e de debate, na qual a Constituição Nacional, de 1994, se inspira” (COFEMA, 2019). Criado com o intuito de evitar que políticas ambientais sejam postas de forma desigual (em termos regionais197 e/ou local). O Conselho é presidido por um representante provincial, eleito entre seus pares (diferente de outros Conselhos federais, cuja presidência é exercida por um representante do governo federal), o que demonstra maior controle das províncias sobre as questões ambientais (REY, 2011).

Em um país com uma elite agrária atuante, principalmente no poder político estadual, manter a autonomia das províncias e, por conseguinte, a lógica de funcionamento de sistemas informais constitui um fim. Nesse contexto, o COFEMA representa mais do que um espaço de coordenação interjurisdicional que trata da temática ambiental, mas um instrumento de resistência (desde a sua origem) às ações do governo federal sobre as províncias, principalmente no que se refere ao uso dos recursos naturais (REY, 2011).

De acordo com Bueno (2010b), as capacidades operacionais das leis expostas são pífias, assim como a operacionalidade institucional do COFEMA na resolução de problemas ambientais na Argentina, pois, desde a incorporação da temática na agenda governamental, na década de 1970, a questão ambiental foi compreendida como uma questão de segunda ordem, tanto em termos de políticas públicas domésticas como externas. Esse entendimento de irrelevância e ineficiência da política ambiental no país é reafirmado por uma série de estudiosos da área, que denominam a política com adjetivos ou expressões adjetivas, tais como recente, de

197 As regiões, segundo o COFEMA, são: Centro (Buenos Aires, Ciudad de Buenos Aires e Córdoba); Patagônia (Chubut, Santa Cruz, Tierra del Fuego e Islas del Atlántico Sur); Patagônia do Norte (La Pampa, Neuquén e Río Negro); Noroeste (NOA) (Catamarca, Jujuy, Salta, Santiago del Estero e Tucumán); Nordeste (NEA) (Chaco, Corrientes, Entre Ríos, Formosa, Misiones e Santa Fe); e, Novo Cuyo (Mendoza, San Juan, La Rioja e San Luis). COFEMA. Qué es el COFEMA? Disponível em: http://cofema.ambiente.gob.ar/?IdArticulo=3042. Acesso em: jul. 2019.

baixa relevância, ambivalente, pendular, imprevisível, estimulada do exterior, insensível, dentre outros (ESTRADA OYUELA, 2007; BUENO, 2010b; FRANCHINI, 2011). Essas adjetivações direcionadas a PAA são interpretações que observam a política ambiental como um dever de todo Estado, cuja referência são as políticas ambientais realizadas por países desenvolvidos, Estados que estendem suas emissões a outros países (em desenvolvimento), sendo um exemplo, a empresa Metsa-Botina da Finlândia, instalada na Argentina.

Em 2003, sancionou-se o Regime de Livre Acesso a Informação Pública (lei 25.831/04), pedra angular na construção dos Inventários Nacionais (base do entendimento dos fenômenos climáticos e das negociações internacionais do clima), a fim de se garantir o acesso à informação ambiental sob o poder do Estado, advinda do Sistema de Informação Ambiental Nacional (SIAN), criado em 1998, com o objetivo de coletar e processar informações ambientais e disponibilizá-las a organismos governamentais ambientais, não governamentais e à sociedade em geral198, juntamente com o SMM.

198 De acordo com o Conselho Federal de Meio Ambiente (COFEMA), a SIAN é o sistema que administra os dados e as informações ambientais disponíveis, de acordo com o solicitado pela LGA de 2002. O SIAN é um sistema que junto ao SMM provê informações climáticas, principalmente após o fechamento de estações ferroviárias em todo país, onde se encontrava a maioria das estações meteorológicas de medição de temperaturas e índice pluviométrico (DI PAOLA; RIVERI, 2012).