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CAPÍTULO 3 O PROJETO DE MUNDO DE PERÓN: A QUESTÃO AMBIENTAL

3.3 A Fundação Bariloche

A gênese da Fundação Bariloche (FB) foi fomentada por um grupo de especialistas da Comissão Nacional de Energia Atômica (CNEA)110 e

108 Ortiz, que já sofria críticas severas por sua atuação “linha dura” na SRNyAH, foi rotulada de subversiva e destituída do cargo, assumindo a sua função o engenheiro florestal Lucas Tortorelli. Um ano depois, devido ao Golpe de Estado, a SRNyAH foi dissolvida e os funcionários que trabalhavam na Secretaria foram readaptados em seus antigos postos de trabalho (decreto 520/76) (ESTRADA OYUELA, 2007). Ortiz se refugia na Venezuela e, em 1979, retorna à Argentina. Ainda em 1979, funda a organização não governamental CAMBIAR, dedicada a educação ambiental e ao assessoramento governamental em relação às temáticas de ambiente e gênero. Articuladora ideacional do Conselho Federal de Meio Ambiente (COFEMA), atuou como consultora ad Honorem desse Conselho (membro do Comitê da Montanha) até o seu falecimento, em 2019.

109 A Associação visa promover investigações científicas sobre processos ecológicos, além de divulgar modos sustentáveis de uso dos recursos naturais. As principais áreas de pesquisa da Associação são: manejo sustentável de recursos e ecossistemas, terrestre e aquático; destruição e alteração de habitats; perda da biodiversidade; mudança climática global; e desertificação e restauração. Bienalmente promovem o seminário de Ecologia no país (ASOCIASIÓN ARGENTINA DE ECOLOGÍA, 2019).

110 A criação da CNEA é fruto do primeiro governo de Perón no fomento de uma Nueva Argentina, baseada na busca por energia de baixo custo, junto à política de substituição de importação de matérias-primas e de componentes da indústria pesada (portanto, no uso pacífico da energia nuclear) e, por conseguinte, da expansão do ramo siderúrgico e na edificação de uma Argentina expressiva em termos regionais. Em sua fase inicial, a CNEA foi marcada pela atuação exclusiva de físicos e

empresários111, em confluência com as experiências do Instituto Di Tella e do Instituto de Investigações Bioquímicas de Buenos Aires. É uma instituição privada sem fins lucrativos, associada ao Conselho Nacional de Investigações Científicas e Tècnicas (CONICET)112, cujo objetivo é promover a pós-graduação e a pesquisa científica em distintas áreas, como economia, planejamento energético, desenvolvimento humano e social, epistemologia, filosofia e meio ambiente113. Constitui um dos trabalhos mais expressivos o MMLA (ou MML), realizado entre 1972 e 1975, coordenado por Herrera, por meio de uma ação articulada entre o Departamento de Matemática e de Ciências Sociais (pioneiro no uso de recursos quantitativos em análises sociais na Argentina), expondo que

o objetivo central do desenvolvimento dos povos deveria ser a eliminação da fome não fundamentada no estilo consumista dos países centrais, pois isso garantiria a continuidade dos recursos

especialistas estrangeiros, dentre eles, o austríaco Ronald Richter, que chega à Argentina por meio de um convite realizado pelo engenheiro alemão Kurt Tank, e é recebido por Perón com entusiasmo devido à proposta de obtenção de energia nuclear por meio do hidrogênio e não mais pelo urânio (Projeto Huemul). Contudo, depois de Perón anunciar em 1951 que o país havia alcançado as reações termonucleares controladas, a Comissão Técnica, coordenada por José Balseiro, em 1952 (formada devido à delonga de Richter em apresentar os resultados), descobriu-se que o pesquisador austríaco havia fraudado os resultados, gerando a destituição do cargo e o fechamento das instalações nucleares na ilha (MARZORATI, 2012).

111 Dentre eles, os cientistas e empresários Carlos Mallmann (o primeiro presidente do Conselho Diretivo), Jorge Sábato, Fidel Alsina, Arturo Mallmann, Guillermo Linck, Cecilio Madanes (QUIROGA; TOTONELLI, 2015).

112 O CONICET é um órgão público autônomo, hoje descentralizado. Em 1951, por meio do decreto 9695, Perón criou o Conselho Nacional de Investigações Técnicas e Científicas (CNITyC), reformulado pelo governo ditatorial de Pedro Eugenio Aramburu, em 1958, quando passou a denominar-se CONICET. Em 2007 (decreto 310), o CONICET ficou dependente da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva, do Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia (MECT), transformado no governo Macri em Ministério da Educação, em 2018. De acordo com o decreto 1661/96 o objetivo primordial do CONICET “é fomentar e executar atividades científicas e tecnológicas no território argentino, nas distintas áreas do conhecimento; fomentar intercâmbio e cooperação científico-tecnológica dentro do país e entre o Estado argentino e outros Estados; outorgar subsídios a projetos de investigação; outorgar estágios e bolsas de capacitação e aperfeiçoamento de universitários no país e no estrangeiro; organizar e financiar institutos, laboratórios e centros de investigação; gestar as carreiras de pesquisadores e técnicos; instituir prêmios, créditos e outras ações de apoio à investigação científica e aconselhar entidades públicas e privadas, dentro de suas competências” (CONICET, 2019).

113 Inicialmente a FB tinha seis departamentos (Biologia; Ciências Sociais; Extensão; Matemática; Música; e Recursos Naturais e Energia) e atualmente possui quatro: Ambiente e Desenvolvimento – investigação, assistência técnica e capacitação sobre o interior do sistema ambiental (biótico, físico- químico e antrópico) e os aspectos econômicos e sociais; Análise de Sistemas Complexos – criado em 2017, com o intuito de ser um espaço de discussão interdisciplinar sobre ecossistemas e sociedades; Energia - pesquisa básica e aplicada no campo da economia, planejamento e política energética junto às dimensões ambientais e sociais, ou seja, a articulação entre sistemas energéticos e desenvolvimento sustentável; Política e Desenvolvimento Integrado – composto por um reduzido grupo de investigadores (FUNDACIÓN BARILOCHE, 2019).

naturais e de solo fértil para uma população três vezes maior do que a existente no mundo no início da década de 1970, juntamente com uma política de natalidade, que antes de tudo deve ser educacional e social (FUNDACIÓN BARILOCHE, 2019).114.

A FB é uma das instituições centrais na construção da concepção estatal argentina sobre mudanças climáticas e esteve presente na coordenação da Primeira e da Segunda Comunicação Nacional, principalmente em relação ao inventário de GEE e aos impactos das mudanças climáticas na economia argentina. Como relatado por Girardin (2018), foi “excluída da Terceira Comunicação Nacional”. É uma instituição que não apenas participou da construção da concepção estatal argentina sobre mudança climáticas, mas que também foi significativa na produção do pensamento periférico latinoamericano sobre a recém (1970) universalidade dos problemas ambientais, edificado por pesquisadores que tiveram suas formações iniciais no país, mas que se pós-graduaram no exterior, nos ditos centros de referência. Ao retornarem, esses pesquisadores construíram suas análises questionando a localidade dos problemas ambientais globais, no caso, em relação à desigualdade econômica e social que afligia de modo distinto países desenvolvidos e subdesenvolvidos.