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CAPÍTULO 4 O BACKGROUND DAS QUESTÕES CLIMÁTICAS: O

4.3 A questão ambiental como uma questão econômica

4.3.1 Os governos justicialistas e suas concepções ideacionais e institucionais sobre o

4.3.1.3 Cristina Kirchner (2007-2015)

Após a saída de Picolotti, em 2008, a gestão da SAyDS viveu uma alta rotatividade entre seus gestores. O primeiro a ocupar a pasta foi Homero Bibilioni (que havia ocupado o cargo no início do governo de Néstor Kirchner), em seguida, o médico Juan José Mussi atua no período de dezembro de 2010 a dezembro de 2013, quando renuncia para assumir o cargo de deputado pela província de Buenos Aires. Depois, a pasta passa a ser coordenada pelo engenheiro Omar Vicenti Judis até março de 2015 e, sem demora, por Sergio Lorusso, até em dezembro do mesmo ano, quando a SAyDS foi transformada em Ministério do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (MAyDS).

No governo de Mauricio Macri, assume o MAyDS o rabino Sergio Bergman, o mesmo que atua como secretário na SAyDS atualmente, depois da reestruturação ministerial efetuada pelo presidente.

A alta rotatividade de secretários na SAyDS, no governo de Cristina Kirchner, não é uma exceção aos governos anteriores, mas o número foi maior185. Porém, como se pode observar atualmente, a permanência de um mesmo secretário, ao longo de um governo, não necessariamente representa coesão na definição do que é considerado problema ambiental e nem efetividade de políticas públicas (soluções), sendo exemplos as ações empreendidas por Bergman no comando da SAyDS, no governo de Macri.

Além da lei dos glaciares, outro resultado transcorrido no governo de Cristina Kirchner, cuja discussão se alastrou por mais de uma década (de 2004 a 2015), foi a lei de proteção dos bosques nativos (LBN) (26. 631), aprovada pelo legislativo em 2007 e sancionada pela presidente em 2009. A lei, assim como a lei dos glaciares, não é fruto da ação do governo federal; origina-se de reivindicações de distintos grupos sociais, como legisladores186, tais como Miguel Bonasso187, agentes da estrutura governamental (como Picolotti) e diversos grupos da sociedade civil.

185 Quando Cristina Kirchner chega ao poder Executivo pela primeira vez, em 2007, há uma continuidade política. Contudo, o cenário econômico internacional é de recessão, que repercute em âmbito nacional, sendo um exemplo a queda do superávit fiscal e do PIB, devido à desvalorização do valor de produtos exportados, com exceção da soja, que alcançava preços recordes (KUFAS, 2016). Em decorrência de uma estratégia política desastrosa (a qual Alberto Fernández se opôs de imediato), de retenção de impostos sobre os valores de exportação (2008) (federalismo fiscal), o governo cria um enorme conflito com a oligarquia nacional, com apoio da mídia e das diversas oposições (Mesa de enlace rural), o que paralisou o país, em termos econômicos. No ano seguinte (2009), o governo não atinge maioria nas duas casas legislativas nas eleições parlamentares, o que anuncia dificuldades para governar. Em meio a esse cenário, a concentração do poder Executivo torna-se exacerbada (como muitos dizem, “chega ao limite”) junto à crescente prática de territorialização política e fragmentação partidária. Diante desse cenário, todos os ministérios e secretarias vivenciam uma alta rotatividade nos cargos de chefia, e isso não foi diferente na SAyDS, assim como canais de participação e transparência de informações retraem. Todo esse complexo, incabível em uma nota de rodapé, também foi marcado por feitos que elevam a popularidade de Cristina Kirchner, como o apoio à ciência e à pesquisa (sendo um exemplo a criação do MCTyIP), a renacionalização de empresas, dentre elas a YPF/Repsol, a lei dos meios de comunicação (principalmente após o conflito com o Grupo Clarín), as políticas assistencialistas, como a asignacion universal por hijo, as pautas progressistas, como o casamento igualitário, a descriminalização do aborto, a valorização da memória, a integração latino-americana via Mercosul, dentre outras (MOREIRA; BARBOSA, 2010; CORIGLIANO, 2011; COLOMBINI NETO, 2016; CUBILLAS, 2016). 186 Para uma compreensão sobre como os distintos atores estatais e sociais que interagiram e influenciaram na formulação da política de proteção dos bosques nativos, na Argentina, entre 2004 e 2015, ver: GUTIÉRREZ, Ricardo. Cómo los actores estatales y sociales de distintos niveles de gobierno interactúan e inciden en la formulación de la política de protección de bosques nativos en Argentina entre 2004 y 2015. Revista SAAP (ISSN 1666-7883) Vol. 11, Nº 2, noviembre 2017, 283- 312.

187 Para que houvesse cumprimento da LBN, as províncias poderiam ter acesso a um recurso financeiro do Fundo de Compensação, mas como condicionalidade de acesso, cada província deve aprovar o Planejamento Territorial de Florestas Nativas (OTBN), no qual as áreas são divididas em quatro, que vão da conservação total à propícia à agricultura.

O sancionamento pela presidente ocorreu depois de um evento extremo “anunciado” em 2006, que se repetiu de modo ampliado em 2009: a inundação da cidade de Tartagal, província de Salta, associado diretamente ao desflorestamento e ao avanço da fronteira agrícola (monocultura de soja), cujo apelo midiático se edificou na culpabilização do governo federal. O tratamento da questão ambiental no governo de Cristina Kirchner possui algumas diferenças em relação ao governo de Néstor Kirchner, mesmo que ambos tenham exercido uma política econômica muito semelhante, na qual desenvolvimento econômico é expressão de desenvolvimento social (kirchernismo).

Enquanto que para Néstor Kirchner o ambiente é sinônimo de produção, mas também de justiça social (tomada de decisão frente ao caso Papeleras), para Cristina Kirchner o ambiente é antes de tudo produtivo, rentável. Enquanto que o posicionamento de Néstor Kirchner e Alberto Fernández com relação ao ambiente pode ser explicado pelo contexto econômico favorável, o que favoreceu múltiplas alianças políticas. Cristina Kirchner, após o desgaste com o setor agrícola, a exaustiva política das emissoras de desqualificação de seu governo e os vaivéns econômicos, passou a responder aos interesses de grupos específicos, como o da mineração e agrícola em relação ao ambiente (lei dos glaciares e dos bosques), além de empreender uma política de retirada das controvérsias, o que fica evidente pela alta rotatividade nos postos de comando de Secretarias e Ministérios.

O que fica claro é que, a partir de 2006, a nomeação e a exoneração dos três primeiros secretários da SAyDS (Picolotti, Bibilioni e Mussi) estava relacionado a conflitos ambientais na época (o caso Papeleras, o saneamento da Bacia Matanza- Riachuelo e a mineração), e que, mesmo com o avanço normativo (lei dos glaciares, lei de proteção dos bosques nativos e lei de controle de atividades com queimadas), a política ambiental não alcançou institucionalização e, por conseguinte, implementação.

As gestões posteriores a de Picolotti na SAyDS, embora sem sucesso, buscaram afastar-se dos divergentes interesses setoriais do governo e do próprio poder Executivo, atuando no cumprimento da decisão da SCJ em relação ao saneamento da Bacia Matanza-Riachuelo, na promoção e participação das atividades da ACUMAR, na erradicação de aterros a céu aberto e na demarcação de terras indígenas e de parques nacionais. Porém, como os itens são reveladores,

distintos interesses públicos e privados estavam em jogo e o afastamento foi impossível.