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LINGUAGENS COMPARADAS

4.1 ESTUDO DE LINGUAGEM

4.1.3 Carolina da Capa

A história de Ariela Lopes Messias, estudante de Ribeirão Preto, São Paulo, foi selecionada para análise por representar um tipo de inclusão que a revista Sou Mais Eu realiza e que norteia as capas. Todas as edições trazem em destaque uma mulher que sofria com o excesso de peso e emagreceu.

As histórias de luta contra o peso ancoram comercialmente a revista. São matérias muito vendáveis em termos de relato e de imagem, pois, depois de conquistarem a perda de peso e passarem por uma produção, figurino e maquiagem, as mulheres se enquadram ‘adequadamente’ nos padrões estéticos difundidos pela grande imprensa feminina.

Estes apontamentos mercadológicos, que representam muito da imagem da revista, não poderiam ser ignorados em qualquer reflexão mínima sobre a Publicação até porque eles também revelam as pressões impostas por uma percepção de peso ideal. Assim, dentro deste contexto, a mídia pode ser compreendida também como

[...] lugar extremamente poderoso no que tange à produção e à circulação de uma série de valores, concepções, representações – relacionadas a uma aprendizado cotidiano sobre quem nós somos, o que devemos fazer com nosso corpo [...] de que modo deve ser feita a nossa alimentação diária, como devem ser vistos por nós os negros, as mulheres, pessoas de camadas populares, portadores de deficiências, grupos religiosos, partidos políticos e assim por diante. Em suma: torna-se impossível fechar os olhos e negar-se a ver que os espaços da mídia constituem-se como lugares de formação – ao lado da escola, da família, das instituições religiosas. (FISCHER, 2002, p.153)

Apesar de parecer uma ideia ‘seculovintista’ ligada à emergência das mídias, as representações do feminino como belo sexo são notadas desde o século 15 em obras como Nascimento de Vênus, de Boticelli. No século 16, escritores se dedicaram a exaltar a beleza da mulher em minúcias. Exemplo disso são os “brasões”, poemas celebravam parte a parte o corpo feminino. Clement Marot inaugura o gênero com um poema dedicado ao ‘belo mamilo’, Beau Tétin. Lipovetsky ressalta que na época “as próprias mulheres tomam a pena para maravilhar-se com sua beleza [...] Marguerite de Navarre faz uma mundana dizer: ‘Amo meu corpo, perguntai-me por quê. Pelo belo e agradável o vejo” (2000, p.119) .

Os séculos que separam Navarre de Ariela Lopes Messias (Figura 5) não impedem que as semelhanças entre as narrativas sejam vistas como desconectadas

da história sobre as representações do feminino. Os pontos em comum são insígnias do belo sexo ainda eternizado nas nossas falas mais corriqueiras, mas que não satisfazem às expectativas de mudança. Exemplo disso é a leitora Renata Fernandes, de São José dos Campos, São Paulo. Em carta enviada para a Sou Mais Eu, ela critica: “acho que a revista erra ao pagar R$ 1.000 para as histórias de ex-gordas. Essa ênfase toda é lamentável. Histórias de superação merecem muito mais” (SOU MAIS EU, 2011, Ed. 230, p.3). O descontentamento da leitora é verificável num simples passar de olhos sobre algumas das 24 capas analisadas neste estudo. Em termos de exemplo, seguem duas capas que ilustram a questão:

Figura 1 - Capa com Ariela Lopes Messias

Figura 2 - Capa da revista Sou Mais Eu

Fonte: Sou Mais Eu, Edição 302, Agosto de 2012

Depois desta reflexão em termos de conteúdo, vamos à forma, pensando Ariela (Figura 1) a partir da 'linguagem carolínea'. Na revista, a reportagem sobre a jovem é iniciada assim:

Meu medo de morrer virou desespero quando fui parar no pronto-socorro depois de um aumento brusco de pressão. Eu tinha só 24 anos...aquele foi o dia do meu basta! Cansei daquela tortura e decidi correr atrás da minha felicidade, de uma nova identidade.[...]Hoje, aos 26 anos, depois de ter perdido metade de mim, descobri que amo meu corpo de mulher e adoro cuidar dele. Passei a gostar de sair na rua, passear e me relacionar com as pessoas. (SOU MAIS EU, 318, 2012, p.14-15)

No Diário, ao despertar de um sonho, Carolina o descreve:

Passei uma noite horrível. Sonhei que eu residia numa casa residivel, tinha banheiro, cozinha, copa e até quarto de criada. [...] Eu comia bife, pão com manteiga, batata frita e salada. Quando fui pegar outro bife despertei. Que realidade amarga! Eu não residia na cidade. Estava na favela. Na lama, as margens do Tietê. [...] Eu estou ao lado do pobre, que é o braço. Braço desnutrido. [...] Eu ontem comi aquele macarrão do lixo com receio de morrer [...] (JESUS, 2010, p.40)

O medo da morte é o elemento desencadeador dos dois textos. Para além dessa fronteira temática, a tentativa de relacionar experiências de vidas tão antagônicas revela o abismo que as separa. A primeira mulher relata o sofrimento e a reclusão promovidos pelo excesso de comida. A segunda confidencia o medo de morrer por ser obrigada a comer lixo. O excesso e a falta do alimento as separam

drasticamente. O encontro possível entre elas se dá pelos caminhos da linguagem, na necessidade da autonarração como catarse.

No tocante à linguagem, as narrativas seguem por caminhos diferenciados em termos de construção frasal. A brevidade das sentenças de Carolina contrapõe-se às frases mais extensas de Ariela. Tomemos a primeira frase de cada texto como ponto de comparação. Carolina introduz o assunto de forma objetiva: “Passei uma noite horrível”. Já a abertura do texto de Ariela se diferencia pela extensão: “Meu medo de morrer virou desespero quando fui parar no pronto-socorro depois de um aumento brusco de pressão”. O contraste entre as aberturas dos textos é marcante e indica uma provável edição. Tomando-se a ‘linguagem carolínea’ como referência, é possível afirmar que, num processo de escrita não-mediada pelo jornalismo, Ariela teria escrito: “Meu medo de morrer virou desespero. Fui parar no pronto socorro com pressão alta. Ela subiu de brusco”.