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2.4 MODELOS DE CARREIRA TRADICIONAL E EMERGENTES

2.4.3 Carreira Sem Fronteiras

A Carreira sem Fronteiras é um conceito proposto por Arthur (1994) e revisado por Arthur e Rosseau (1996). Nesse modelo as carreiras são caracterizadas pela mobilidade do indivíduo, não só entre organizações, mas também através de diferentes ocupações, indústrias, localização geográfica e formas de emprego, de forma não linear e imprevisível Arthur et al. (1999).

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As carreiras sem fronteiras se opõem às carreiras tradicionais precisamente pelo fato de não serem confinadas às fronteiras de uma única organização, emprego, ocupação, região ou domínio de expertise, mas pelo contrário,

implicam uma pluralização dos contextos de trabalho e um tipo de contrato psicológico (ROUSSEAU, 1995) baseado na relação instável, e movida a oportunidades, de um indivíduo com sua organização. O modelo propõe uma transversalidade dos vínculos de trabalho e não, como o modelo tradicional, uma verticalidade pela qual o indivíduo devotava às vezes toda a sua vida a uma organização, função ou ocupação (BENDASSOLI, 2009, p. 391).

Coelho apud Balassiano e Costa (2006) explical que o conceito de carreira sem fronteiras enfoca uma carreira autogerida, não mais limitada a empregos substantivos nem a promoções verticais e, cita os autores do conceito: “uma carreira sem fronteiras é uma sequência de oportunidades de trabalho que vão além do cenário de um simples emprego” (DEFILLIPPI e ARTHUR, 1994, p. 309).

De acordo com Sullivan e Baruch (2009) o conceito de carreira sem fronteiras oferece base para explorar como é a evolução das carreiras no atual e complexo ambiente de trabalho. Por exemplo, o aumento da globalização não só trouxe um fluxo de pessoas, conhecimentos, informações, ideias e produtos através das fronteiras, mas também tem influenciado a forma como os indivíduos percebem e desenvolvem a sua carreira. Assumir uma carreira global, sem fronteiras, significa atravessar fisicamente as fronteiras geográficas e, ao mesmo tempo, atravessar fronteiras culturais e psicológicas. Para alguns indivíduos, assumir uma carreira global pode não exigir transposição física de fronteiras, mas em vez disso, pode exigir a reorientação psicológica sobre como eles percebem suas carreiras.

Clarke (2008) percebe que, mais recentemente, tem havido maior enfoque na ausência de fronteiras em termos de mobilidade física - movimento real entre empregos, empresas, profissões e países - e mobilidade psicológica – caracterizada pela ausência de fronteiras psicológicas, expressa pela crença de que seria relativamente fácil mover-se entre diferentes organizações, ou que as redes extraorganizacionais podem criar relações de trabalho que apoiarão o emprego atual ou futuro.

Sullivan e Baruch (2009) salientam que, embora a pesquisa inicial com base no conceito de carreira sem fronteiras tendesse a se concentrar na mobilidade física, é importante estudar a interação entre a mobilidade física e as mudanças psicológicas. De acordo com os autores, Greenhouse e associados, em seus estudos, notaram que os padrões de mobilidade também incluíam a ideia raramente discutida de job crafiting, definido como as ações tomadas por um indivíduo para mudar e redefinir o seu trabalho. O job crafiting poderia

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ocorrer pela mudança física do trabalho (por exemplo, a natureza e o número de tarefas) ou pela mudança psicológica sobre como o trabalho é percebido e/ou a alteração de parceiros de trabalho, por exemplo.

No modelo de carreira sem fronteiras “a experiência de trabalho está desvinculada de uma organização específica, ela é mais proativa, mais portátil, mais descontínua, menos previsível e mais improvisada”, salienta Coelho in Balassiano e Costa (2006, p. 102).

Sullivan e Arthur (2006) alargaram o conceito de mobilidade, detalhando uma série de possíveis limites ou obstáculos para uma carreira sem fronteiras (por exemplo, a discriminação de gênero, diferenças culturais, e competências individuais), enfatizando que, embora os limites em geral tenham se tornado permeáveis, a facilidade de passagem entre fronteiras não é a mesma para todos os indivíduos. Eles sugeriram que, em geral, as mulheres teriam maior mobilidade psicológica, talvez por serem mais propensas a carreiras profissionais descontínuas e serem mais capazes do que os homens de perceber várias possibilidades de carreiras Em contraste, os homens teriam maior mobilidade física, porque que enfrentam menos discriminação trabalho.

Outro pressuposto importante desse modelo é que, para sustentar uma carreira sem fronteiras, o indivíduo deve cultivar três competências: primeiramente, ele deve conhecer os motivos de seu engajamento profissional, seus valores, necessidades e interesses. DeFilippi e Arthur (1994) denominam essa competência “saber por que”, ou know-why. A segunda competência consiste no “saber fazer”, ou know-how. Por último, a competência “saber com quem”, ou know-whom, diz respeito ao papel das redes sociais (BENDASSOLI, 2009, p. 391).

Briscoe and Hall (2005) desenvolveram uma escala de 13 itens para avaliar as duas dimensões da carreira sem fronteira, quais sejam: a mentalidade sem fronteiras ou mobilidade psicológica e mobilidade física. Utilizaram uma escala Likert de 5 pontos para avaliar em que extensão os indivíduos concordavam com cada afirmação, conforme quadro abaixo.

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Escala de mensuração de atitudes da Carreira Sem Fronteiras

1. Eu procuro atribuições de trabalho que permitam-me que aprender algo novo. 2. Eu gosto de trabalhar em projetos com pessoas em muitas organizações.

3. Eu gosto de atribuições de trabalho que exigem-me trabalhar fora da organização.

4. Eu gosto de tarefas no trabalho que exigem-me a trabalhar além do meu próprio departamento. 5. Eu gosto de trabalhar com pessoas fora da minha organização.

6. Eu gosto de empregos que me exige me interagir com pessoas em muitas organizações diferentes. 7. Tenho procurado oportunidades no passado que me permitam a trabalhar fora da organização. 8. Eu sou energizado em situações e novas experiências.

9. Eu gosto a previsibilidade que acompanha a trabalhar continuamente para a mesma organização. 10. Eu me sentiria muito perdido se eu não poderia trabalhar para minha organização atual. 11. Eu prefiro ficar em uma empresa que eu estou familiarizado com em vez de procurar emprego em outro lugar.

12. Se minha organização forneceu emprego vitalício, eu nunca desejaria à procura de trabalho em outras organizações.

13. Se minha carreira ideal trabalharia para uma única organização.

Pontuação: Itens de 1-8 > Mentalidade “sem fronteiras” (mobilidade psicológica) e itens de 9-13 > Mobilidade Física

Quadro 5: Escala de mensuração de atitudes de carreira sem fronteiras Fonte: Adaptado (tradução livre) de BRISCOE; HALL; DE MUTH, 2006

DeFillippi e Arthur (1994), a partir do conceito original da carreira sem fronteiras, propõem a ideia de “carreira inteligente”, concebido como resposta as ideias de Quinn (1992) sobre "empresa inteligente". O paradigma proposto por Quinn, em 1992, percebia o sucesso da empresa como decorrência da acumulação e conversão perpétuas de "recursos intelectuais". Pressupunha o ambiente de emprego em turbulência como uma característica permanente das sociedades da nova economia. Nesse ambiente, descreveu o emprego como "voluntário" na medida em que “as melhores pessoas [não] tem que trabalhar para [qualquer] empresa em particular” (QUINN, 1992, p. 151 apud PARKER, KHAPOVA et al., 2009), mas devem ficar apenas enquanto queriam estar lá. Nessa perspectiva o ator de carreira é visto como um investidor temporário em sua empresa atual e não como subserviente às metas e objetivos (e muitas vezes deslocamento) determinados pela empresa. Dessa forma, a mobilidade de emprego seria uma característica permanente e importante da economia emergente.

Paralelamente, Quinn apud Parker, Khapova et al. (2009) descreveu um conjunto de "competências essenciais" através das quais as empresas operam e que determinam seu sucesso. Tais competências, segundo ele dividem-se em três categorias focadas: 1) na cultura de uma empresa, 2) seu know-how e 3) suas redes. Resumidamente, a cultura engloba os valores dominantes e crenças através dos quais a empresa funciona, o know-how que envolve as habilidades e conhecimentos acumulados, e as redes que representam as relações através das quais a empresa participa no mercado econômico.

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Segundo Parker, Khapova et al. (2009) o conceito de carreira inteligente responderia às categorias sugeridas por Quinn, sugerindo três correspondentes "modos de saber" dos indivíduos em resposta às exigências do novo ambiente de trabalho. As três formas de conhecimento podem ser descritas resumidamente da seguinte maneira:

Know-why ou saber-porque diz respeito à cultura da empresa, e envolve a motivação

de cada um, a construção de significado pessoal e a expressão da identidade através do trabalho. Incorpora ainda atitudes, a adaptabilidade, o compromisso, acomodação às questões familiares e os sentimentos sobre outros aspectos de não trabalho e vida que afetam a escolha da carreira. De acordo com Colakoglu (2010) uma carreira sem fronteiras, caracterizada por alto padrão de mobilidade, oferece mais oportunidades para o indivíduo desenvolver o know-

why, já que a cada movimento os atores da carreira encontram-se envolvidos na

autoconstrução do conhecimento em sobre si mesmo (suas necessidades, preferências e aspirações) e do ambiente de carreira, através da exploração de oportunidades e coleta de informações sobre as opções de carreira.

Know-how ou saber-fazer reflete as habilidades e conhecimentos que uma pessoa traz

para o trabalho. No entanto, Parker e Arthur (2002) observam que as pessoas podem ter ou querer desenvolver um knowinghow de competências mais amplo que suas demandas de trabalho atuais e, por isso, podem querer buscar novas oportunidades para aumentar as possibilidades de desenvolvimento de carreira e empregabilidade. Colakoglu (2010) ressalta que, em uma carreira tradicional típica a organização encoraja os indivíduos a desenvolverem e acumularem conhecimentos e habilidades específicos e especializados para o próprio empregador. Já em uma carreira sem fronteiras, dada a transposição das fronteiras profissionais, interorganizacionais e industriais, o indivíduo tem a chance da acumulação flexível de conhecimentos e desenvolvimento de um portfólio de competências de trabalho portáteis e transferíveis, facilmente adaptáveis a outras configurações de emprego – que os tornam continuamente empregáveis.

Know-whom ou saber-quem envolve as relações internas e externas que contribuem

para as redes de uma empresa. Alguns relacionamentos são prescritos pelas expectativas de trabalho e da empresa, outros desenvolvem-se de maneira informal. Conexões com outros departamentos, fornecedores, clientes e assim por diante podem oferecer suporte para o desenvolvimento de carreira das pessoas, bem como os contatos com a família, amigos e conhecidos profissionais, de acordo com Parker e Arthur (2002). Colakoglu (2010) reforça que as carreiras sem fronteiras podem ajudar os indivíduos a construir redes que vão além de sua organização, pois oferecem maiores oportunidades para iniciar e estabelecer relações

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profissionais com pessoas fora do círculo imediato de amigos, colegas e gerentes, desenvolvendo e ampliando a rede de relacionamentos que poderá fornecer informações, influência, orientação e apoio ao desenvolvimento da carreira.

Power (2010) diz que o caráter inovador da tática de networking ou rede é o seu atual foco intra e extraorganizacional, significativamente diferente daquela com foco interno que dominou a carreira organizacional. Ibarra e Hunter apud Clarke (2008) em estudo recente sobre líderes dentro das organizações especificam que os gestores devem desenvolver três tipos de redes: (1) uma rede operacional relativa ao trabalho atualmente realizado; (2) uma rede pessoal de identificação de oportunidades de desenvolvimento; (3) e uma rede estratégica para ajudar seus empregadores a atingir seus objetivos.

Power (2010) salienta um artigo escrito por Inkson e Arthur, em 2001, no qual os autores descreveram pragmaticamente como usar essas três áreas do conhecimento para construir o sucesso de uma carreira sem fronteiras. Sua lista incluía: ser proativo em adaptação à mudança no mercado de trabalho - com foco no seu segmento, bem como na organização ; manter-se em boa companhia para aumentar as possibilidades de networking e reconhecer constantemente como suas três áreas de conhecimento da carreira estão crescendo (ou seja, saber como, por que e quem).

Para o modelo de carreira inteligente as três formas de saber são interdependentes. Por exemplo, a motivação de carreira de uma pessoa (saber por que) pode influenciar seu investimento em novos conhecimentos (saber-fazer), assim como na construção de relacionamentos (saber-quem) que ajudem a desenvolver determinada competência. Por sua vez, novas competências e relacionamentos podem influenciar a motivação futura (saber- porque), e assim por diante. Tais interações vão mudar ao longo do tempo, à luz da experiência adquirida, numa adaptação perpétua, conforme ponderam Parker e Arthur (2002).

Cada um desses três tipos de conhecimento também tem referências inter-relacionadas nos domínios do trabalho, da empresa, profissional, e da indústria. Mais uma vez, com o desenvolver da carreira, um ou outro desses domínios podem ser salientes no indivíduo. Além disso, o aprendizado em um domínio pode contribuir para conhecimento e desenvolvimento de competências em outro, segundo Parker e Arthur (2002).

Colakoglu (2010) diz que carreiras com extensivo padrão de mobilidade, que cruzam inúmeras fronteiras, teriam a capacidade de incrementar o desenvolvimento e acumulação das três competências: saber-porque, saber-fazer e saber-quem.

Fontes Filho apud Balassiano (2006) observa que, na perspectiva da carreira sem fronteiras, um fator que pode mostrar-se atraente é a incorporação, pelo trabalhador, de

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habilidades e competências valorizadas pelo mercado, já que tais habilidades são obtidas principalmente pela execução de trabalhos diferenciados e inovadores. Tal aspecto pressupõe transitar entre ocupações, empresas e mercados que possibilitem a aquisição dessas competências.

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