• Nenhum resultado encontrado

Cartografias dos ilhéus

No documento A ORDEM DO DISCURSO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL (páginas 129-141)

DIAGRAMA 09 – Etimologia de anomalia e anormal

3.4 Cartografias dos ilhéus

Nunca andamos de camelo, e certamente também você não conhece os desertos de Nabak ou Chatira. Mas quem já galgou o áspero animal, arremedo de jangada e escada de Jacó ao mesmo tempo, não estranharia a mesma sensação no subir e no descer do pescoço destas ruas. (Imagine se Ponge vem beber na Praia Grande, Antonio Ailton dos Santos, 2008)

Os dias perambulados do professor-poeta Antonio Ailton dos Santos, que também vem para aceitar o Brinde Fúnebre de Mallarmé (2007), agora na Praia Grande, em São Luís, conectam a modernidade, seus percalços à vida dos habitantes desta ilha. Se Francis Ponge não viria, Michel Foucault se aproxima.

Realizo um estudo cartográfico de três dissertações de mestrado produzidas entre o período de 2006 a 2008 que versam sobre atualidades na política educacional municipal, destacando aquilo que toca a Educação Especial/Inclusiva.

Entretanto, antes, faz-se necessário contextualizar a área de Educação Especial em São Luís, localizando especificamente a Superintendência da Área de Educação Especial (SAEE), vinculada à Secretaria Municipal de Educação (SEMED).

A SEMED atualmente está organizada em quatro níveis: administração superior, assessoramento, execução instrumental e execução programática. A SAEE se encontra no nível de execução programática, juntamente com as Superintendências das Áreas do Programa Bolsa Família, do Ensino Fundamental, da Educação Infantil, da Educação de Jovens e Adultos, de Apoio ao Educando, e das Coordenações do Centro de Formação do Educador e de Informação Estatística Educacional, além da Direção de Núcleo de Ensino. A FIGURA 01 apresenta as competências da SAEE, segundo Regimento Interno da SEMED (SÃO LUÍS, s/d).

FIGURA 01 – Competências da Superintendência da Área de Educação Especial (SAEE/SEMED), segundo Regimento Interno

No site da SEMED (SÃO LUÍS, 2010) destaca-se que a SAEE atualmente tem a configuração conforme expresso na FIGURA 02. Expõe ainda que o objetivo da SAEE consiste em “oferecer os serviços de atendimento educacional especializado, aos alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, possibilitando autonomia moral, social e intelectual” (SÃO LUIS, 2010, p. 19).

FIGURA 02 – Configuração atual da Superintendência da Área de Educação Especial (SAEE/SEMED)

No que diz respeito aos Projetos de Apoio, coloca-se que a SAEE atualmente desenvolve os seguintes (SÃO LUIS, 2010, p. 19):

• OPORTUNIZAR - Educação Profissional

• FALANDO COM AS MÃOS - Difusão de LIBRAS • VENDO COM AS MÃOS - Difusão do Sistema Braille

• PROJETO CAMINHAR JUNTOS - Instrumentalização da Família • PROGRAMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: direito à diversidade/ MEC

Difusão da Política de Inclusão – 100 Municípios.

Ainda sobre a localização política da SAEE dentro da SEMED, o organograma disponibilizado no site (SÃO LUIS, 2010) tem algo a nos dizer conforme expresso na FIGURA 04.

Quanto ao Programa de Formação Continuada vigente na SEMED, até Abril de 2010, a SAEE tinha planejado e executado os seguintes cursos (FIGURA 03).

Essa configuração atual remete a uma história da SAEE de 17 anos. Os serviços da área de Educação Especial no poder municipal em São Luís iniciaram-se em 1993, através do convênio nº 914/93 firmado entre a SEMED e o MEC. Acordo esse que dava um prazo até o ano de 1999 para a implantação e implementação da Educação Especial no município, através da ampliação das Unidades de Ensino, aquisição de equipamentos e capacitação dos recursos humanos (SÃO LUIS, 1997).

Em 1999, foram estabelecidas as diretrizes para a Educação Especial no município de São Luís, através do Projeto de Lei nº 111/99 (SÃO LUÍS, 1999). Nestas diretrizes, em seu artigo primeiro, dizia-se que:

A educação especial será oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino municipal, e visa atender a crianças, adolescentes e adultos com necessidades especiais (SÃO LUIS, 1999, p. 01)

Este dispositivo demonstrava preocupações evidentes sobre a garantia do aluno com deficiência ser integrado à rede regular e esta dispor de profissionais com “preparo adequado às características específicas de seus alunos” (SÃO LUIS, 1999, p. 03). Tal Projeto de Lei foi aprovado e culminou na Lei nº 3933/00 (SÃO LUÍS, 2000).

No que tange à entrada discursiva da Educação Especial municipal na Educação Inclusiva, esta ocorreu no ano de 1998. Neste, houve um processo de sensibilização realizado com 10% das 134 escolas da rede, através de oficinas e palestras (SÃO LUIS, 2002).

Em 2004, o Conselho Municipal de Educação publica a Resolução nº 10/04-CME (SÃO LUÍS, 2004), que versa sobre a implementação em São Luís das Diretrizes Nacionais

para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001d), já abordando o discurso da inclusão.

FIGURA 03 – Cursos de Formação Continuada da Superintendência da Área de Educação Especial

Percebe-se que o processo histórico da Educação Especial em São Luís anda como no ritmo da poesia de Santos (2008). Muitas iniciativas, mas em um balançar constante, fruto de seu vínculo ao ritmo que a própria Educação municipal oferece, que por sua vez, mantém o mesmo ritmo da Educação brasileira (CARVALHO, 2004).

Passemos agora para as análises que os pesquisadores vêm fazendo acerca da política educacional municipal de São Luís, notadamente da Educação Especial/Inclusiva, nos últimos tempos. Busco mapas que apresentem novas configurações acerca das práticas sociais que conformam a Educação Especial entre os ilhéus, transversalizando-as àquelas já apresentadas em nível nacional.

Leite (2006) realizou uma pesquisa que visava analisar o processo de inclusão escolar de alunos com deficiência mental41 no ensino fundamental da rede municipal de São Luís. Para tanto, entrevistou diretores de escolas e professores. Teve como resultados a constatação que os diretores têm uma percepção de alunos com deficiência como pessoas com limitações e possibilidades. Por outro lado, os professores sentiam uma necessidade de rotular esses alunos. Para Leite (2006) as barreiras atitudinais e a precária formação de professores são os principais entraves para a inclusão escolar de alunos com deficiência mental no ensino fundamental. Em contrapartida, na visão dos diretores e professores, uma formação especializada poderia ser um fator impulsionador de uma inclusão eficiente. Outra conclusão de Leite (2006) é que a rede não praticava a inclusão propriamente dita, mas uma inclusão com moldes de integração, na medida em que o aluno com deficiência mental não se adaptava a freqüentar a sala regular.

Nesse sentido, Leite (2006, p. 53) coloca que

[...] a inclusão implica, em primeiro lugar, na aceitação de todas as crianças como pessoas, como seres humanos únicos e diferentes entre si, o que acontecerá realmente quando todas as escolas se modificarem. A modificação não é somente nas instalações físicas, mas em todas as propostas pedagógicas, metodológicas e administrativas.

Outra ponderação que Leite (2006) traz para o debate é que há um distanciamento entre o desejável nos dispositivos e o possível nas práticas sociais. Aqui, penso que é necessária uma reflexão profunda. Pois o Estado, utilizando suas tecnologias de controle, não vem (não vinha) conseguindo moldar as práticas sociais dos professores no que diz respeito aquilo tido como vontade de verdade. A pergunta arqueogenealógica que cabe aqui é: por quê? Penso, pelos dados que Leite (2006) nos trouxe, que isso se deve ao fato do saber

41

compartilhado entre os professores e diretores ser de outra ordem, em relação àquele que os dispositivos traziam como verdade. Se o Estado buscava identificar os professores regulares como aqueles capacitados para ensinar o aluno com deficiência mental; por outro lado, os professores não se colavam à essa identidade, tendo como saber-verdade a idéia de que tal atividade caberia a um professor especializado, que não eles. Essa discussão encontra no caminho a invenção do professor inclusivo.

No que tange à crítica que Leite (2006) faz acerca de uma falsa inclusão por parte da SAEE, prefiro pensar que as imposições da governamentalidade neoliberal, que sempre advém de um ideal de globalização, não se encaixam automaticamente em todas as regiões. O município de São Luís passa por um processo de transição (ainda), tendo uma releitura dos dispositivos federais em seu contexto. Mais uma vez a Educação Especial percorre percursos adaptativos conforme sua situação na Educação como um todo. Há lutas, táticas e estratégias de poder também entre as instâncias de poder institucionalizado.

Nesse sentido, o trabalho de Prazeres (2007) parece nos oferecer elementos mais críticos sobre o contexto das relações de poder que envolvem os sujeitos dessa trama (alunos, professores, SEMED, MEC, CEPAL, BM).

Prazeres (2007) tem por objetivo identificar as políticas educacionais municipais compartilhando a mesma lógica da trama de saber-verdade-poder dos organismos internacionais, o que lhe configuraria como pertencente à governamentalidade neoliberal. Especificamente, a autora analisa como se constrói o raciocínio que formula o Programa São Luís te quero lendo e escrevendo (PSLTQLE)42, no que tange à formação continuada de professores da rede. Além de analisar os dispositivos norteadores do Programa e da política educacional internacional, nacional e local, Prazeres (2007) elaborou um grupo de discussão com formadores de formadores e aplicou questionários em coordenadores pedagógicos.

Segundo a autora, o PSLTQLE é um projeto articulador dos paradigmas neoliberais e através de suas formações, busca delinear e instrumentalizar a conduta dos professores para o alcance de metas definidas, centralizadamente. Em outras palavras, o PSLTQLE é o dispositivo da governamentalidade neoliberal municipal. Através dele o poder municipal tenta conformar os professores, subjetivando-os a uma identidade que trata o saber instrumental como objetivo último do docente. Trata-se da mesma lógica que apresentei no DIAGRAMA 08.

42

Programa implementado em São Luís em 2002, planejado a partir de uma dinâmica organizacional que envolvia eixos de formação, gestão, rede social, acompanhamento e avaliação. Pretendia, por meio da articulação sistêmica entre esses eixos, construir as condições e possibilidades para desenvolvimento de novos paradigmas educacionais para a educação escolar da rede municipal de ensino.

Prazeres (2007) afirma ainda que nesse processo de sujeição, este dispositivo restringe o professor quanto à sua autonomia e reflexão crítica. Por isso, podemos pensar que o professor inclusivo da governamentalidade neoliberal não passaria de um sujeito técnico capacitado por saberes-verdades que os dispositivos supostamente fornecem. Impossível pensar a conclusão de tal invenção, se não há “espaços-tempos” para se discutir a diferença.

Contrapondo a intenção do dispositivo do PSLTQLE, Prazeres (2007, p. 101) aponta até uma perspectiva de se formar o professor inclusivo. Segundo ela, necessita-se de

[...] um quadro mais amplo em que se faz necessário levar em conta, não apenas as questões relacionadas ao cotidiano escolar, como também as questões educacionais como um todo, inseridas em contextos políticos, econômicos e culturais, articulando-os dialeticamente.

Esse posicionamento responde as ações que se focam no problema que o professor tem com um aluno com deficiência, seja ela qual for, em detrimento de se planejar uma formação que atenda a compreensão da diversidade e diferença humana, focada na concepção de um sujeito social, cultural, histórico, desiderativo etc.

Outro aspecto valioso que Prazeres (2007) apresenta em sua pesquisa, centra-se nos movimentos de volta no processo identitário do professor municipal. Pois se de um lado a governamentalidade neoliberal, através de seus dispositivos, busca alocar um lugar pragmático-instrumental ao professor “reflexivo”; por outro, o professor se subjetiva também por suas resistências nas relações de poder. Segundo a autora, no caso do PSLTQLE, as estratégias de resistências se manifestaram tanto nas críticas à parceria que executou o projeto, como também nos espaços-tempos destinados à formação, e ainda dos formadores dos formadores.

A pesquisa de Prazeres (2007) cumpre um papel conectivo neste meu trabalho, pois ela articula a discussão que travei aqui acerca da constituição de uma governamentalidade neoliberal brasileira às políticas educacionais municipais. A autora nos apresenta o cenário de São Luís de acordo com o raciocínio que construimos nesta pesquisa, na medida em que apresenta a política educacional municipal buscando subjetivar os professores, por seus dispositivos específicos, pela lógica do custo-benefício e pela racionalidade prática- instrumental.

Melo (2008) traz em seu estudo a discussão sobre as possibilidades do aluno com deficiência intelectual ser incluído ao currículo da rede regular de ensino no município. O eixo central de sua análise é a sala de recursos, que segundo a autora, no contexto da Educação Inclusiva constitui um apoio fundamental para a acessibilidade curricular do aluno

com deficiência. A pesquisadora utilizou como procedimentos metodológicos a observação, além de entrevistas semi-estruturadas com professores da sala regular e da sala de recursos, diretor, equipe técnica e superintendente da SAEE. Como resultados, Melo (2008) constatou que na sala de aula investigada ainda há um distanciamento quanto aos objetivos e fundamentos teórico-metodológicos, no que tange ao que é posto pelos dispositivos oficiais.

Em diálogo com Leite (2006), Melo (2008, p. 147) apresenta que

constatou-se que o acesso ao currículo regular pelos (as) alunos (as) com deficiência intelectual ainda não se constitui uma visível realidade, segundo o contexto observado da sala de recursos. Por outro lado [...] percebeu-se que essa inclusão encontra-se em ascendente movimento de construção, influenciada não só pelas contradições estabelecidas entre o planejado e o realizado, em nível de SEMED, mas também pelo que surge de correlações de forças, concepções, saberes e práticas, às vezes com caráter coletivo, às vezes individual.

Esse debate no qual as autoras se inserem reflete mais uma vez os dias perambulados e outros tortos girassóis (SANTOS, 2008) que a Educação Especial/Inclusiva de São Luís vivencia. Melo (2008) soma ao debate a necessidade de avançar mais, indo mais além (ou aquém) do campo cultural, social, histórico, moral etc. Mas se tem uma defasagem ainda no campo teórico-metodológico. Isto afirma que o teor programático da governamentalidade neoliberal não oferece nem o que ele se propõe, que é instrumentalizar os professores. Em São Luís, Fausto continua se queixando

No documento A ORDEM DO DISCURSO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL (páginas 129-141)