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O pensamento revoluciona em ação

No documento A ORDEM DO DISCURSO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL (páginas 55-59)

DIAGRAMA 03 – A caixa de ferramentas: noções imbricadas e em movimento

1.5 O pensamento revoluciona em ação

Os filósofos: O mundo não tem idade. A humanidade se desloca, simplesmente [...] Filósofos, vocês pertencem ao Ocidente de vocês. (Uma temporada no inferno, Arthur Rimbaud, 1873)

Eis o momento em que a afirmação-pergunta é retomada para ganhar sentido de comentário-resposta25. Foucault revoluciona a história. Foucault revoluciona a pesquisa em Educação? Foucault revoluciona a pesquisa em Educação Especial?

Veyne (1982, p. 151) inicia afirmando que Michel Foucault é “o historiador acabado, o remate da história [...] poderia, também, ser o autor da revolução científica atrás da qual andavam todos os historiadores”. E, ao longo de seu texto, busca demonstrar em que consiste essa revolução foucaultiana. A primeira e revolucionária contribuição que Veyne (1982) destaca quanto ao pensamento de Michel Foucault é que as coisas não são dadas, não são universais. Assim, coloca Veyne (1982), antes de estudar e realizar uma análise historiográfica sobre os “governantes” ou os “governados”, tem-se que se perguntar que práticas existiram que fizeram com que esses objetos emergissem como “governantes” e “governados”. Perceberá então que aqueles que antes eram situados em um mesmo objeto, não possuem nada de semelhante, a não ser a nomeação em comum.

Segundo ele, a mudança da análise dos objetos para a análise das práticas demonstra o quanto práticas totalmente diferentes são erroneamente analisadas sob um mesmo prisma de um objeto universal e único. Ademais, são as práticas que determinam os objetos, há-se que iniciar as análises de forma ascendente. Veyne (1982, p. 155) continua:

aparentemente, isso não é senão um modo de falar, uma modificação das convenções de vocabulário; na realidade, opera-se uma revolução científica nessa mudança de palavras: as aparências são invertidas como quando se vira pelo avesso uma roupa, e, imediatamente, os falsos problemas morrem por asfixia e o problema verdadeiro aparece.

Desta forma, Michel Foucault não inventa uma nova instância chamada “práticas”, mas apenas faz o que todo historiador já faz, analisar o que os indivíduos fazem. Todavia, a revolução na atitude metodológica foucaultiana refere-se a idéia de que essas análises tratam essas práticas pela superfície, como elas realmente são, descrevendo seus contornos pontiagudos, destaca Veyne (1982).

Este autor ilustra a metodologia foucaultiana através da metáfora de um iceberg. Muitos historiadores não enxergam a história por estarem presos apenas à ponta aparente do

iceberg, assim analisando a história, como Rimbaud (2007) aponta lá do inferno: apenas por

seu ponto de vista. Outros historiadores afirmam saber da existência da parte submersa do

iceberg e logo não tardam em analisá-la sob prismas místicos e deterministas. Mas um

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“[...] o comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro” (FOUCAULT, 1996, p. 25).

historiador, à luz de Foucault, percebe que esse iceberg tem sim uma parte submersa e busca analisá-la, como ela é realmente, apenas o próprio iceberg, composto pelo mesmo material da ponta aparente. Ele percebe que a única diferença que há entre a parte submersa e a aparente desse iceberg é que a submersa está abaixo da sua linha de visibilidade, e isso é tudo, fecha Veyne (1982).

Assim, pode-se concluir que o que é feito, o objeto, se explica pelo que foi o fazer em cada momento da história. Quando Michel Foucault estudou a loucura, ele destacou que a loucura não existia como objeto, mas como feito de determinadas práticas, e ainda, estas mesmas práticas não eram e não poderiam ser tratadas como a loucura.

Ao longo de seu ensaio, Veyne (1982, p. 180) vai desenrolando sua defesa sobre o revolucionário pensamento de Michel Foucault. Conclui que

a história-genealogia de Foucault preenche, pois, completamente o programa da história tradicional; não deixa de lado a sociedade, a economia, etc., mas estrutura essa matéria de outra maneira: não os séculos, os povos nem as civilizações, mas as práticas; as tramas que ela narra são a história das práticas em que os homens enxergaram verdades e das suas lutas em torno dessas verdades.

Rago (1995) destaca que talvez esse texto de Veyne (1982) seja tão revolucionário quanto às contribuições de Michel Foucault para a História. Segundo ela, quando o texto de Veyne (1982) foi publicado, os historiadores se atentaram para uma revolução que já perdurava desde a década de 60 e 70 e que eles não tinham olhares muito favoráveis. Assim, o ensaio de Veyne (1982) foi ao mesmo tempo foucaultianamente polêmico e instigante.

No que tange ao texto de Fischer (2003), já referenciado no início deste capítulo, a autora busca comentar-responder à afirmação-pergunta delineando o que ela coloca como atitudes metodológicas do pensamento de Michel Foucault, a saber:

primeira delas, compreender que nossas lutas (e pesquisas) sempre têm a ver com linguagem; segunda atitude, atentar para a idéia de que as palavras e coisas dizem respeito a fatos e enunciados que, a rigor, são raros, isto é, não óbvios, estão para além das “coisas dadas”; terceira, que fatos e enunciados referem-se basicamente a práticas, discursivas e não discursivas, as quais constituem matéria-prima de nossas investigações, seja em que campo estas se encontrem, e dizem respeito sempre a relações de poder e a modos de constituição dos sujeitos individuais e sociais; finalmente, a atitude de entrega do pesquisador a modos de pensamento que aceitem o inesperado, especialmente aqueles que se diferenciam do que ele próprio pensa (FISCHER, 2003, p. 372-373).

Como acredito que tais discussões já foram contempladas neste texto, passemos às considerações da autora. Fischer (2003) conclui afirmando que talvez Michel Foucault possa sim revolucionar a pesquisa em educação, mas somente, acrescenta ela, se nós pesquisadores

utilizarmos os conceitos por ele estudados, como ferramentas efetivamente produtivas em nossas pesquisas. Assim, cabe aos pesquisadores foucaultianos movimentarem os estudos desenvolvidos por Michel Foucault. Somente assim seu pensamento continuará vivo, somente assim será possível uma revolução na Educação e, por conseguinte, na Educação Especial. Assim pesquisar com Foucault é ir à busca de ecos dissonantes e abalos sísmicos revolucionários.

Desta forma, após localizar meu lugar (o que é um autor?), localizar minha coletividade (a paixão de “trabalhar com” Foucault), meu campo, minha trajetória e minhas ferramentas, localizo aqui o sentido dessa empreitada: contribuir com o deslocamento de uma revolução na Educação Especial. De modo que o questionamento de Cardoso (2005) - E agora? Em que obra haverá feito? - tenha um indicativo de respostas.

2 CARTOGRAFIAS DAS PROBLEMATIZAÇÕES ACERCA DA POLÍTICA

No documento A ORDEM DO DISCURSO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL (páginas 55-59)