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1.2 Desatando os nós da costura e do bordado

Foto 6- Casa de uma façonista de bordado

Fonte: Pesquisa de Campo, 2009.

Diante das fotos apresentadas, podemos observar que, em sua maioria, os trabalhadores domiciliares são pessoas com rendimentos muito baixos e isso fica explícito na simplicidade das casas, observada tanto nas fachadas, como no interior das casas visitadas.

Os trabalhadores contam com seu trabalho para custear as despesas e para isso realizam jornadas de trabalho, em média muito elevadas, como podemos verificar na Tabela 3, varia de 5 a 12 horas por dia. Todas as costureiras relatam que não têm hora certa para terminar o serviço do dia, muitas delas estendendo a jornada até as 23h, a fim de finalizar os pedidos, pois a quantidade de peças a ser confeccionadas/bordadas é bastante variável, de acordo com a sazonalidade das vendas. Também relataram que houve períodos nos quais não havia muito serviço e, apesar do trabalho árduo e intenso, é nítida a preferência para que não falte serviço, porque a remuneração é por peça.

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Tabela 3 - Identificação, Jornada de Trabalho e Rendimento das Trabalhadoras Domiciliares pesquisadas

Nº de questionários Nome fictício Ocupação Contratante Renda mensal Jornada de trabalho

1 Antônia Costureira Tropical Baby 3SM 6h 2 Adelaide Costureira Príncipe Baby 3SM 9h 3 Cíntia Costureira Príncipe Baby 3SM 9h 4 Eulália Costureira Meu Xodó Confecções 3SM 8h 5 Inês Costureira Berço de Ouro 3SM 6h 6 Dulce Costureira Príncipe Baby 3SM 6 h 7 Cristina Costureira Universo Infantil 3SM 3 h 8 Joelma Costureira Berço de Ouro 3SM 9h 9 Cláudia Costureira Príncipe Baby 3SM 10 h 10 Cassia Costureira Príncipe Baby 3SM 8h 11 Lauane Costureira Universo Infantil 3SM 5h 12 Juliane Laço Universo infantil 3SM 12 h 13 Carla Limpar bordado Para a bordadeira

Adriane

3SM 3 h 14 Scheila Limpar bordado

(cabeleleira)

Meu Xodó Confecções 3SM 3h 15 Arlete Bordadeira- fação Paraíso Bordados 3 a 5sm 12 h 16 Adriane Bordadeira - fação Aconhego do Bebê 3 a 5SM 10 h 17 Deise Bordadeira - fação Berço de Ouro 3 SM 12 h 18 Rita Bordadeira Bady Confecções 3 SM 7 h 19 Jéssica Bordadeira

(manual)

Universo Infantil 3SM 8 h 20 Alcina costureira Tropical Baby 3SM 8h 21 Mariana Costureira Tropical baby 3SM 10h 22 Laura Costureira Brinky Brinky 3SM 12h 23 Ana costureira Tropical Baby 3SM 12h 24 Angélica Costureira - fação Tropical Baby 3SM 10h 25 Aurora Costureira fação Doces Momentos 3 a 5 8h 26 Geni Costureira - fação Tropical Baby 3 SM 8h 27 Andreia costureira Universo Infantil 3 SM 8 h 28 Camila costureira Doces Momentos 3SM 8h 29 Yolanda Bordadeira - fação Doces Momentos 3 a 5 SM 6 h 30 Madalena costureira JE Confecções 3SM 10h 31 Suelen costureira JE Baby 3 SM 10 h 32 Cleide costureira J E Baby 3 SM 8 h 33 Sonia Bordadeira manual Universo Infantil 3 SM 4 h 34 Franciele Costureira Maria Bambina 3 SM 4 h (10c

diarista) 35 Flavia Costureira Tropical baby 1 SM 10,11h 36 Alzira e José Laços Paraíso Bordados 600,00 12 a 15 h 37 Nilza Costureira Paraíso Bordados 1 SM 10 a 12 h 38 Eliana Bordadeira - fação Paraíso Bordados 3 a 5 SM 06 h 39 Maria Costureira J. Baby 500,00 10 h

Fonte: Pesquisa de Campo, 2007, 2008 e 2009.

De acordo com a Tabela 3, apenas duas costureiras pesquisadas disseram trabalhar menos que cinco horas por dia; uma delas (Franciele) disse trabalhar cerca de 4 horas por dia, porque também trabalha como diarista. A outra trabalhadora (Cristina) trabalha na costura por três horas, porque, além da prestação de serviço para a indústria, faz igualmente serviços

73 particulares de costura, como forma de garantir um rendimento mínimo, quando a quantidade de serviço pedido pela indústria diminui.

No caso do bordado e dos laços, há uma jornada que gira em torno de 12 horas por dia de trabalho, porque, na confecção dos laços, o baixo valor pago por unidade é que determina a quantidade de horas trabalhadas.

Assim, é possível perceber que são as façonistas as que recebem um pouco mais por mês pela produção, na faixa de 3 a 5 salários-mínimos41. Mas também devemos nos atentar ao fato de que as máquinas de bordado computadorizadas são importadas e que, na maioria das vezes, são financiadas pelas trabalhadoras, o que talvez justifique por que trabalham mais horas por dia. Além disso, as façonistas possuem funcionários e precisam pagar os seus salários.

Das cinco bordadeiras pesquisadas, cinco trabalham de 7 a 12 horas por dia, sendo que a única (Eliana) que trabalha seis horas por dia, e que possui máquina computadorizada, tem uma sócia e um funcionário, que se revezam na jornada diária de 18 horas.

Nesse sentido, podemos pensar, com Colli (2000), sobre se as façonistas seriam patroas ou assalariadas de si mesmas, porque, nas pequenas empresas, o patrão é freqüentemente o próprio trabalhador. O façonista faz parte de uma espécie de trabalhador que comporta relações contraditórias, pois, como possuidor dos meios de produção, é capitalista, todavia, como trabalhador, é assalariado de si mesmo.

Dessa maneira, pudemos verificar a pulverização, a fragmentação das trabalhadoras, ao se inserirem na produção em casa, sob a forma de façonistas ou

“empregadas” dessa fação.

A longa jornada de trabalho se deve ainda às várias interrupções do trabalho, ao longo do dia, pois tudo se torna motivo de desconcentração, já que estar em casa pode significar estar de folga, de férias, estar aposentada, ser dona-de-casa e, por isso, não ter hora para receber visitas, seja de vizinhos, seja de parentes e conhecidos.

Isso obviamente, além da própria execução das funções domésticas, como limpar, passar roupa, cozinhar, cuidar de filhos e marido, que depende de tempo para ser realizado e

41

De acordo com a Tabela 3, para as cinco últimas mulheres pesquisadas, além do questionário utilizado como metodologia, também realizamos entrevista. O salário-mínimo a que nos referimos é o valor da época da pesquisa de campo, em 2007, que era de R$ 380,00, mas, a partir de 2008, passou a ser de R$ 415,00. Importante esclarecer que, mesmo que no questionário tenhamos optado pelo valor da renda mensal ser de, pelo menos, três salários-mínimos, a média recebida pelas costureiras gira em torno de R$ 500,00.

74 que se consumam num intervalo e outro da costura, ou durante o tempo em que param para preparar as refeições da família. São várias as funções, num mesmo espaço, que consomem as trabalhadoras em jornadas intensas e extensas.

Tendo em vista as entrevistas realizadas, é possível apreender que o trabalho domiciliar que, por ora, pode apresentar-se como uma alternativa para as mulheres, as quais também são donas-de-casa, pode ser visto como de extrema exploração e precarização, pois não há um salto escalar em direção a sua emancipação de gênero e classe, já que elas continuam a realizar as funções domésticas, num mesmo espaço/tempo em que executam o trabalho remunerado, todavia sem conseguir ao menos pagar uma pessoa para colaborar com as tarefas da casa, ou seja, mantêm sua subordinação de gênero e se inserem precariamente no mercado de trabalho, em pouco contribuindo para uma efetiva transformação nas relações sociais de produção e reprodução social.

A jornada de trabalho é longa, porque se misturam as funções domésticas, o serviço é incerto e há a exigência do mercado quanto à qualidade do trabalho. Contudo, os empregos existentes na cidade são, em geral, ofertados pelas indústrias de confecção/bordado de Moda Bebê, de sorte que a concorrência é grande e por estarem numa faixa etária em que há menores oportunidades de emprego, as mulheres acabam se sujeitando ao trabalho domiciliar, a despeito do baixo e rendimento.

Algumas costureiras falam do alto nível de estresse e ansiedade em que vivem, porque se, por um lado, gostam do trabalho que realizam em casa, pois podem conciliar suas atividades, por outro, sentem-se sozinhas, de maneira que algumas falam com nostalgia do tempo em que trabalhavam fora de casa.

Expressam contradição em relação aos seus sentimentos, visto que, ao mesmo tempo em que garantem preferir estar em casa, por não terem patrão, aludem ao estresse do dia-a-dia e ao fato de mal saírem de casa, evidenciando uma falta de sociabilidade. Apontam a circunstância de terem poucas atividades de lazer, da falta de condições para viagem e passeios de fim-de-semana. Muitas vezes, o lazer se resume a passeios aos parentes da própria cidade, como à casa de pais, irmãos e filhos.

O que podemos apreender, por conseguinte, é que a casa é lar e prisão. Que o trabalho de autônoma mascara a realidade de não ter o controle da produção, em contraposição ao estar em casa e trabalhar quando quiser, porque, na verdade, acaba sendo um trabalho solitário e mal remunerado, sendo possível apenas o pagamento de contas de casa, como água e luz, e a ajuda na compra de poucos mantimentos. Concomitante a esse processo,

75 algumas trabalhadoras apontaram a instabilidade e a falta de uma garantia financeira, no final do mês, sendo impossível, por exemplo, a realização de prestações, conforme pudemos verificar nas entrevistas e questionários aplicados, em virtude de a imensa maioria das pesquisadas terem mencionado o fato de fazerem compras somente à vista.

O trabalho domiciliar, segundo Lavinas (2000), não tem estatuto específico na CLT, de sorte que as empresas transferem para as trabalhadoras os custos sociais, mediante sua condição de autônoma, transformando a relação entre independentes. Ou seja, sendo autônomas, as trabalhadoras deixam de ser responsabilidade das empresas, quanto ao registro em carteira e aos encargos sociais pressupostos para o empresário. Em acréscimo, aparentemente, torna-se uma relação entre iguais, já que uma empresa contrata outra, para realização de serviços, porém essa empresa contratada resume-se em muitos casos a uma pessoa42, a qual acaba abrindo firma para a legalização de suas tarefas de prestação de serviços.

Lavinas (2000) ainda aponta que, no Brasil, o mercado de trabalho tem encontrado soluções próprias e intermediárias entre o modelo típico de assalariamento e a flexibilização absoluta, que implica a transformação das relações de trabalho em contratos de prestação de serviços.

Na maioria dos casos pesquisados, havia logo a percepção de que não se tratava de relação de trabalho entre iguais, já que foram poucos os trabalhadores que obtinham o registro de autônomos, sendo em sua grande parte trabalhadores que fornecem para as indústrias, numa espécie de prestadores de serviços informais.

1.2.1 – O trabalho domiciliar como opção ou imposição para as mulheres?