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Caso nº 2 Recurso extraordinário nº 158.215 Incidência do artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988 nas relações

4 Estudo de casos: a eficácia das garantias do contraditório e da ampla defesa na jurisprudência do Supremo Tribunal

4.2 Caso nº 2 Recurso extraordinário nº 158.215 Incidência do artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988 nas relações

privadas. Exclusão de associados de cooperativa de produtores rurais sem observação das garantias do contraditório e da ampla defesa.

O primeiro precedente envolvendo especificamente o problema da aplicabilidade do artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988 nas relações jurídicas de direito privado tem por substrato de fundo a expulsão de associados de uma cooperativa de produtores rurais, sem que lhes fossem franqueados, previamente, o exercício das garantias do contraditório e da ampla defesa.

O relatório apresentado pelo ministro Marco Aurélio sintetiza algumas questões fáticas importantes e que compõe o núcleo da controvérsia: os associados, aos quais foram imputadas práticas contrárias ao estatuto da cooperativa, teriam publicamente desafiado a diretoria da entidade a submeter as questões à assembleia geral da instituição para que esta, órgão máximo

deliberativo, os julgasse pelos atos a eles irrogados. A diretoria da cooperativa aceitou o desafio e convocou assembleia para tal fim, que acabou deliberando por excluir os associados do quadro societário. Diante tal situação atípica, não foram respeitadas as disposições constantes do estatuto da cooperativa, que previa o direito de defesa e o exercício do contraditório, em harmonia com o comando constitucional.

Inconformados, os associados excluídos promoveram ação judicial objetivando a declaração de nulidade do ato por violação às disposições estatutárias e ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em grau recursal, julgou a ação improcedente, fundamentando a decisão no fato de que a cooperativa nada mais fez do que adotar o procedimento escolhido pelos próprios associados excluídos. Tais fatos constam no relatório do acórdão proferido em recurso extraordinário:

O acórdão impugnado mediante o extraordinário consigna que o fato de os Recorrentes terem sido excluídos da Cooperativa, ora Recorrida, sem observância às regras estatutárias alusivas à defesa restou justificado por terem levado a questão ao foro externo, via imprensa, com veiculação radiofônica, exigindo que a Assembleia Geral julgasse-os pelos acontecimentos que relataram no comunicado. Assim, segundo o decidido, a deliberação da Assembleia, sem a obediência aos Estatutos Sociais, teria resultado do próprio procedimento adotado pelos Recorrentes, em um verdadeiro desafio (folhas 244 a 249).

Opostos os embargos declaratórios [...]. Reafirmou-se que, muito embora descumprida a norma estatutária atinente a exclusão de associado, harmônica com o preceito constitucional, a Assembleia da Cooperativa nada mais fez que a tender proposta publicamente lançada pelos Recorrentes, excluindo-os da sociedade, alternativa por eles mesmos aventada. Tal aspecto estaria a afastar a possibilidade se cogitar de vulneração ao inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal279.

O recurso extraordinário teve seguimento obstado no tribunal local, situação que foi reparada pelo provimento dado ao agravo de instrumento

279 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª. Turma. Recorrente: Ayrton da Silva Capaverde e

outros. Recorrido: Cooperativa Mista São Luiz Ltda. Recurso extraordinário nº 158.215. Relator: ministro Marco Aurélio. Brasília, 30 abr. 1996. Diário da justiça de 07 jun. 1996.

então manejado. No mérito, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, deu provimento ao recurso extraordinário para declarar a nulidade do ato de exclusão por ofensa direta ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, determinando a readmissão dos associados excluídos no corpo social da cooperativa recorrida. A decisão recebeu a seguinte ementa:

DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa280. Embora faça referência às disposições constantes do estatuto da entidade, a decisão proferida contém elementos importantes para a pesquisa desenvolvida e aqui relatada. A partir dos fundamentos invocados pelo acórdão proferido281, é possível sintetizar alguns pontos fundamentais:

280 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª. Turma. Recorrente: Ayrton da Silva Capaverde e

outros. Recorrido: Cooperativa Mista São Luiz Ltda. Recurso extraordinário nº 158.215. Relator: ministro Marco Aurélio. Brasília, 30 abr. 1996. Diário da justiça de 07 jun. 1996.

281 O acórdão é curto, permitindo sua transcrição integral neste espaço: “Exsurge, na espécie, a

alegada contrariedade ao inciso LV do rol de garantias constitucionais. Conforme ressaltado pela Procuradoria Geral da República, os Recorrentes foram excluídos do quadro de associados da Cooperativa em caráter punitivo, tal como depreende-se do acórdão atacado (folgas 245 a 249). O Colegiado de origem acabou por mitigar a garantia da ampla defesa, levando em conta o desafio lançado pelos Recorrentes no sentido de serem julgados pela Assembleia da Cooperativa. A exaltação de ânimos não é de molde a afastar a incidência do

− A eficácia plena do disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, permitindo sua aplicabilidade direta, imediata e integral às relações jurídico-sociais;

− A vinculação de todos os sujeitos da ordem jurídica ao disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, sejam entes estatais ou não estatais;

− As garantias do contraditório e da ampla defesa protegem qualquer cidadão que esteja com seus direitos ou interesses ameaçados, ainda que tal ameaça seja exercida por outro cidadão, grupo ou entidade privada que concentre poder para, com seus próprios desígnios, atingi-los por qualquer forma. − Qualquer ato jurídico de natureza sancionatória só pode ser considerado válido se produzido sob a vigilância do contraditório e da ampla defesa, sob pena de lhe faltar elemento essencial de validade, tornando-o absolutamente nulo.

preceito constitucional assegurador da plenitude da defesa nos processos em geral. Mais do que nunca, diante do clima reinante, incumbia à Cooperativa, uma vez instaurado o processo, dar aos acusados a oportunidade de defenderem-se e não excluí-los sumariamente do quadro de associados. Uma coisa é a viabilização da defesa e o silêncio pela parte interessada, algo diverso é o atropelo das normas próprias à espécie, julgando-se o processo sem a abertura de prazo para produção da defesa e feitura de prova. Na esteira do pronunciamento da Procuradoria Geral da República, tenho que o recurso extraordinário interposto está a merecer conhecimento e provimento. Provejo-o para, reformando o acórdão de folhas 246 a 249, julgar procedente o pedido formulado na demanda anulatória. Fulmino o ato da assembleia da Recorrida que implicou a exclusão dos Recorrentes do respectivo quadro social, reintegrando- os, assim, com os consectários e que estão previstos no Estatuto da Recorrida” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª. Turma. Recorrente: Ayrton da Silva Capaverde e outros. Recorrido: Cooperativa Mista São Luiz Ltda. Recurso extraordinário nº 158.215. Relator: ministro Marco Aurélio. Brasília, 30 abr. 1996. Diário da justiça de 07 jun. 1996.

4.3 Caso nº 3. Recurso extraordinário nº 201.819. A