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em 9 de março de 1804 e executado em 25 de junho do mesmo ano.

3.3.3 CASOS ESPECIAIS

Alguns casos no corpus, mesmo estando incluídos nas classificações precedentes, apresentam características que devem ser remarcadas. Há dois grupos de notas a seguir: dois em que há somente referência da Editora Globo e dois em que há referências de ambas as edições.

Globo: Texto de referência: “Note, meu caro menino, que teremos feito alguns rasgões em

nossa conscienciazinha, teremos passado vinte anos de aborrecimentos e misérias secretas, e nossas irmãs terão ficado para pentear Santa Catarina65.”

Classificação (I); (7) Nota 65: Pentear Santa Catarina: expressão francesa que significa “ter

passado a idade de vinte e cinco anos sem ter casado”.

A menção a esse trecho e à sua nota correspondente deve-se ao fato de que, quando se fala no trabalho de Rónai na Comédia, o exemplo mais citado por todos de suas intervenções discursivas é exatamente esse. A nota sobre a expressão “pentear Santa Catarina”, que teria correspondência em “ficar para a titia”, é mencionada em qualquer grupo de pesquisa sobre tradução. Veremos que a L&PM apresenta um outro texto para o mesmo trecho: “Observe, meu caro menino, que teremos arranhado nossa conscienciazinha, que teremos tido vinte anos de aborrecimentos, de misérias secretas, e que nossas irmãs terão ficado para titias” (1989, p. 122).

O trecho da tradução coordenada por Rónai geralmente é usado como exemplo do que não deve ser feito em uma tradução: traduzir tão “ao pé da letra” o original que acaba se fazendo necessária uma nota. Ele revela claramente a pouca liberdade que o tradutor se dá para traduzir e também a ideia que ele tem da tradução: o texto traduzido deve guardar o máximo possível uma “fidelidade” ao texto original, à materialidade textual. O tradutor do romance analisado nessa pesquisa é Gomes da Silveira, como consta da folha de rosto do volume IV da Comédia humana. Entretanto, sabemos, como Rónai mesmo diz em seu livro A tradução vivida, que ele coordenou o trabalho de tradução, inclusive nas correções de seus textos. Nesse caso, há de se dividir a responsabilidade por essa escolha entre o tradutor, Gomes da Silveira, e Paulo Rónai, o grande nome associado ao trabalho na Comédia.

Globo: Texto de referência: “Enquanto isso, o príncipe a quem todos atiram pedras e que

despreza suficientemente a humanidade para cuspir-lhe na cara tantos juramentos quantos ela lhe pede, impediu a partilha da França no Congresso de Viena: devem-lhe coroas e atiram-lhe lama73.”

Classificação: (IIb); (1) Nota 73: Alusão a Talleyrand.

Essa nota chamou nossa atenção pelo seguinte: seu texto nada informa. Verificamos nas outras notas se há alguma menção a Talleyrand e, na ausência desta, tivemos de ir a outras fontes para completar essa informação. Vimos que se trata de um político e diplomata francês, nascido em 1754 e morto em 1838, que atuou na época de Napoleão (Wikipédia, 2009). Nesse caso, pode-se levantar a hipótese de que claramente Paulo Rónai supõe que o leitor conheça a personagem. Caso seu nome seja citado no texto, mesmo assim a nota, por chamar a atenção do leitor e dar destaque à personagem, deveria ser completa. Da forma com que foi redigida ela perde sua função informativa.

Globo: Texto de referência: “O homem que prestou menos serviços à França é um ídolo

venerado, por ter sido sempre visto vestido de encarnado, e que quando muito poderia servir para ser exposto no Conservatório, entre os instrumentos, com um letreiro: La Fayette72.”

Classificação: (IIa); (8) Nota 72: Quem fala aqui é o Balzac partidário, cujas opiniões

legitimistas eram opostas ao liberalismo de La Fayette. Balzac trata este último em termos não menos severos nas Memórias de Duas Jovens Esposas.

L&PM: Texto de referência: “O homem que menos serviu à França é um fetiche venerado

por ter sempre visto tudo vermelho, ele é no máximo bom para ser posto no Conservatório73, entre as máquinas, etiquetando La Fayette74,...”

Classificação: (IIb); (4) e (1) Nota 74: Marquês Marie-Paul-Yves-Roch-Gilbert du Motier La

Fayette (1757-1834), general e político da Restauração. Participou da independência americana. (N.T.)

Esse grupo de notas, trazendo uma de cada das edições analisadas, revela-se muito interessante. Apesar de as notas se referirem ao mesmo ponto – a personagem real La Fayette –, elas são de cunho totalmente díspares. Enquanto a nota 74, da L&PM, informa sobre quem foi La Fayette, a nota 72, da Globo, por seu turno, usa a personagem para falar de Balzac. Na verdade, a nota 72 refere-se a toda a frase, e não simplesmente ao nome da pessoa. Ela trata do conteúdo da referência. Rónai, novamente aqui, revela-se um grande conhecedor da obra balzaquiana e também do seu autor.

Globo: Texto de referência: “– Para salvar a vida de Máximo, isto é, para salvar toda a

minha felicidade – acrescentou a condessa, encorajada por esses testemunhos de uma ternura calorosa e palpitante –, levei à casa daquele agiota que vocês conhecem, um homem fabricado pelo inferno, a quem nada pode comover, aquele sr. Gobseck, os diamantes de família de que Restaud tanto gostava, os seus, os meus, tudo, eu os vendi. Vendi! Compreendem? Ele está salvo, mas estou morta. O sr. de Restaud soube de tudo136.”

Classificação: (IIa); (6) Nota 136: Esse episódio é contado em Gobseck.

L&PM: Texto de referência: “– Para salvar a vida de Maxime, enfim, para salvar toda minha

felicidade – prosseguiu a condessa encorajada por esses testemunhos de um carinho terno e palpitante –, levei a esse usurário que vocês conhecem, o sr. Gobseck, um homem fabricado pelo inferno que não se amolece com nada, os diamantes de família tão cara ao sr. de Restaud105, os seus, os meus, eu vendi tudo. Vendidos! Vocês entendem? Ele foi salvo! Mas eu estou morta. Restaud descobriu tudo.”

Classificação: (IIa); (6) Nota 105: Conde de Restaud: personagem que aparece em Gobseck.

(N.E.)

E nesse último grupo uma outra importante característica apresenta-se: a nota 105, da L&PM, traz uma nova posição-sujeito. Vimos ao longo do trabalho, principalmente no capítulo 1, que as N.T. revelam o discurso do tradutor na posição-sujeito que ele assume de

tradutor, mas também de historiador, professor, especialista em Balzac, de acordo com o tipo de discurso que profere. Contudo, as notas de pé de página em geral também podem trazer uma outra posição-sujeito. Uma delas foi anteriormente citada nesta pesquisa, quando tratamos do fato de as notas da Globo não terem um N.T. como marca. Lembramos que, pelo fato de Rónai não ter sido o tradutor, mesmo tendo redigido as notas, ele não se autodenomina assim, preferindo não marcar as notas, mesmo se pudesse utilizar outra marca, como N.R.T. – nota do revisor técnico. Nesse caso, ele marcaria o seu lugar como revisor. Contudo, preferiu deixar essa definição em aberto. Mas vemos na nota 105 uma marca diferente: N.E. Surge aqui a figura do editor. Não é mais o tradutor que ocupa o lugar de discurso reconhecidamente a ele destinado na tradução, mas o editor. Aparece, nesse caso, uma outra voz, que é percebida também pela forma diferente como a nota foi redigida. Vimos anteriormente que as notas da L&PM, que guardam a classificação (6), têm uma padronização. Assim, essa nota, se tivesse sido redigida pelas tradutoras, deveria vir da seguinte forma: “Conde de Restaud, personagem de A comédia humana (Gobseck). (N.T.)” Isso nos faz perceber que o discurso da nova posição-sujeito, a do editor, é percebido não somente pela sua marca (N.E.), mas também pela forma como se apresenta.

Concluímos aqui o capítulo de análise do corpus. Não pretendemos a exaustividade de análise e muitas lacunas ainda ficaram por ser preenchidas. Todavia, podemos verificar, pelos exemplos apresentados, que a isenção discursiva preconizada pelos tradutores e deles exigida não procede. Mesmo com uma tradução muito próxima, lexicamente falando, ao original – como no caso muito citado de “pentear Santa Catarina” –, o discurso do tradutor revela-se nessas escolhas lexicais e também nas escolhas de se colocar ou não uma N.T. Esta, por sua vez, é sempre o ponto de suspensão do tradutor, em que houve uma dúvida, seja ela de que

tipo for. Nesse sentido, para finalizar este capítulo, ficamos com as palavras de Mittmann (2003, p. 173):

(...) Autor, tradutor e leitor produzem sentidos, ou ainda, os sentidos são produzidos nos intervalos entre autor, tradutor e leitor da tradução.

Isso não significa, porém, considerar o tradutor como um indivíduo capaz de produzir os sentidos que quiser, ou dono de seu dizer. É preciso considerar a interpelação que transforma este indivíduo tradutor em sujeito tradutor, que não está fora de seu discurso, controlando-o, mas se inscreve no discurso como uma posição-sujeito. A interpelação causa não só o efeito de reconhecimento do indivíduo como sujeito de seu discurso e do sentido como único, universal e transparente, mas também o efeito de desconhecimento do próprio fato da interpelação e dos outros sentidos possíveis que estão presentes no interdiscurso. É a interpelação – que se realiza pela Formação Discursiva – que gera a ilusão de que o sujeito tradutor sabe do que fala, como deve falar e que está apenas reproduzindo os sentidos que supõe estarem contidos no texto original. Esta ilusão é necessária para que o processo tradutório se realize.

CONCLUSÃO

O objetivo desta dissertação foi verificar o discurso do tradutor expresso nas notas do tradutor, um dos paratextos da tradução – compostos pelas notas de pé de página, prefácios, introduções – e também o lugar em que o tradutor mais ganha evidência, tendo inclusive uma marca: a sigla N.T. Para isso, seguimos duas linhas teóricas: a Análise de Discurso de Michel Pêcheux, para analisar que imagens se formam no discurso do tradutor, como se dá esse discurso, que interdiscursos o perpassam, e os estudos sobre o poder realizados por Michel Foucault, tendo como base o binômio poder-saber.

Afastando-nos da concepção tradicional de tradução, consideramo-la como processo tradutório, ou seja, de produção de discurso, em que o discurso que se apresenta no texto é o do tradutor, não mais o do autor. Verificamos que o apagamento do tradutor do texto traduzido é sempre uma ilusão, pois o tradutor nunca é neutro em suas escolhas, desde a escolha do texto a traduzir até a dos signos que serão utilizados no texto da tradução. Essas escolhas vêm determinadas por formações ideológicas, nas quais se inserem formações discursivas que permeiam os discursos, que são produzidos pelo interlocutor a partir da posição-sujeito que ele ocupa na sociedade. De onde falo e com quem são importantes para a AD.

Assim, estando o discurso do tradutor presente nos paratextos de forma explícita, a produção discursiva nas notas, objeto deste trabalho, não é marginal no sentido de que está fora, limita, mas está integrada ao texto; ambos, texto da tradução e notas de tradutor, estão em uma mesma continuidade, porque são fruto de um mesmo discurso. As N.T. são uma extensão do discurso do tradutor presente no texto da tradução. São o fora que está dentro e o dentro que está fora.

As escolhas do tradutor são estabelecidas logicamente por ele mesmo; no entanto, elas são também feitas no nível de uma memória discursiva que é apagada, que detém o saber que é difundido, sem que se saiba. Tudo isso dá a diretriz de como ele se conduzirá em seu trabalho. Este, por sua vez, acontece em uma dada época, que também estabelece as regras tanto de comportamento como de discurso. É em função disso que duas traduções de um mesmo texto feitas em épocas diferentes produzirão dois textos distintos, apesar de guardarem a mesma ideia, a mesma matriz. Da mesma forma acontece quando dois ou mais tradutores traduzem o mesmo texto, em um dado momento. Assim, o mesmo vai ocorrer com as N.T. Vimos no capítulo 3, quando da análise do corpus, que os discursos tomam diferentes linhas nas duas edições de O pai Goriot. Eles acabam por refletir a época em que se inscrevem.

Nesse sentido, as traduções podem ser responsáveis pela construção de representações e imagens. E a primeira destas é exatamente a imagem do tradutor. Ainda se preconiza em algumas linhas teóricas de tradução – como a defendida por Rónai – a possibilidade de um trabalho “fiel” ao texto original. Por isso o tradutor é chamado de “traidor” quando não atinge essa “fidelidade” almejada. No entanto, vimos que fidelidade em termos de tradução é impossível, pois toda tradução – e toda leitura, em um sentido mais amplo – é interpretação, e sendo assim não pode ser fiel, pois é pessoal, intransferível, única. Tal noção de fidelidade se atém a uma concepção de língua que não se aplica no caso da AD, pois para essa teoria todo discurso é prática. Dessa forma, se toda tradução e toda leitura são interpretação, o tradutor, ao ler o texto para traduzi-lo, o está interpretando, e esse feito terá um resultado diferente (a tradução, no caso) do resultado de um mesmo feito realizado por outro tradutor, pois ambos os profissionais são indivíduos distintos, com referenciais distintos também. Ou seja, o tradutor produz um texto próprio, seu, pois é fruto de sua interpretação do texto original, não podendo haver fidelidade, então. Indo mais além, o leitor, ao ler a tradução, também a

interpreta, produzindo um outro texto, um outro discurso, diferente daquele do tradutor, e também daquele do autor. Assim, teremos três textos diferentes: o original, o do tradutor e aquele produzido pelo leitor, tendo os dois últimos como matriz o primeiro.

As N.T., nesse sentido, são importantes porque são portadoras do discurso explícito do tradutor. É nesse lugar que o profissional da tradução aparece, que seu discurso ganha vida, que ele passa a ser visto como autor. Mas, além de portadoras do discurso explícito do tradutor, lembrando que esse discurso está presente em todo o texto, as notas também denotam algumas imagens: do tradutor, do leitor visto por esse tradutor, da tradução, do país ao qual se dirige a tradução. Esse fato é relevante, pois, segundo a AD, qualquer discurso está sempre inserido em formações imaginárias, ou seja, imagens do outro a quem me dirijo, da posição que ele ocupa, mas também da nossa posição na situação discursiva. Essas imagens sempre serão fruto de uma interpretação, e é o que gera as visões diferentes que as pessoas estabelecem sobre uma mesma pessoa ou fato. Isso também ocorre na tradução, e vimos que o tradutor deve ser cauteloso com o seu discurso, pois, partindo da sua posição de um saber institucionalizado, ele pode transmitir ao leitor um tipo de imagem que de certa forma pode se mostrar antiética. Nesse caso, deve-se ter em mente sempre uma “ética do discurso”, em que levaremos em conta quais efeitos determinadas formulações discursivas podem ter sobre certos interlocutores. Deve-se levar em conta que lugares ocupamos na teia discursiva. E o tradutor, sem dúvida, por sua posição legitimada, deve estar atento aos efeitos que seu trabalho pode produzir.

Pela perspectiva foucaultiana, mostramos também que as N.T. se constituem em lugar de poder-saber, no sentido de que o lugar de tradutor exercido por Paulo Rónai – e em diferente grau também pelas tradutoras da L&PM –, no caso, a posição-sujeito, expressa o saber legitimado de um especialista em Balzac, acadêmico, tradutor renomado, ou seja, um

poder-saber exercido por ele e expresso através de seu discurso nas notas, mas também em trechos de seu livro A tradução vivida.

Para Foucault, o papel do discurso não é o de refletir a realidade, mas é sempre formado na realidade, imbricado com ela, sendo sempre prática, daí se falar em prática discursiva, um dos pontos no qual as duas teorias – pêcheuxiana e foucaultiana – se encontram.

Vimos também que Paulo Rónai forma uma imagem do leitor a quem se dirige a obra: alguém que ele deve poupar de “se indispor” com o texto da tradução em virtude de não ter conhecimento das inúmeras “alusões a instituições, acontecimentos, fatos, romances, peças e poesias da época, além de referências incessantes às artes das épocas anteriores, especialmente da Antiguidade clássica e da mitologia greco-romana” (1981, p. 189). Assim, o “tradutor” Paulo Rónai se revela, sobretudo, como um intelectual, mas um intelectual que pensa, segundo nossa leitura, que o saber deve ser exercido por aqueles que o detêm e que são legitimados para tal. Nesse sentido, a inserção de tantas notas na Comédia revela-se, na sua visão, imprescindível, pois o tradutor deve ser “fiel” ao texto original, ou seja, deve ser isento ao produzir seu texto, mas, contraditoriamente a essa isenção, em que sua presença não deveria ser percebida, ele tem o dever de esclarecer o leitor sobre quaisquer aspectos “nebulosos” que, para ele (frise-se, para o tradutor), poderiam atrapalhar a leitura. Assim, a pretensa “isenção” é desmascarada pela forte presença do discurso do tradutor presente nas notas, lugar de evidência, mas também de poder-saber.

O número excessivo de N.T., então, se revela sob dois aspectos: ao mesmo tempo em que mostra a dificuldade do tradutor em lidar com o texto do autor, também apresenta o discurso do tradutor de forma ostensiva, o que, por outro lado, pode denunciar neste um desejo de ser participante, interventor. Segundo Mittmann, o tradutor é cobrado, por sua posição, a não deixar espaços em aberto nos sentidos.

Como contraponto ao discurso de Rónai, percebemos que as duas tradutoras da L&PM seguiram a mesma linha preconizada por ele, em função do número de notas – quase o mesmo para ambas as traduções – e também do texto presente nelas. Vimos que, no caso dessa tradução mais recente, levou-se a explicação sobre a obra da Comédia à exaustão, presente na classificação de número (6), que trata das notas alusivas a outros romances da obra ou às personagens que apareceram ou aparecerão nesses outros romances, ou a qualquer fato relativo a essas personagens. Assim, ambas as traduções refletem a concepção tradicional de tradução e detêm uma imagem do leitor de que precisa ser “conduzido pela mão”, como Rónai diz em seu livro, como se faz com um aluno. Tal fato nos levou à conclusão de que as duas traduções são edições eruditas, que não simplesmente têm o intuito de divertir, mas também de instruir, transmitir conhecimento e saber. Nesse sentido, já que todo saber está ligado ao poder, essa faculdade de instrução que elas apresentam deve-se ao fato de o tradutor ser legitimado para isso, visto como especialista, que faz a leitura mais profunda da obra e que, muito mais, consegue acessar o pensamento do tradutor e reproduzir na língua de chegada a mensagem que ele queria transmitir.

Observa-se também que o interdiscurso, no caso analisado, apresenta-se, sobretudo, com o recurso aos dicionários e enciclopédias, na forma de fornecimento das datas de nascimento e morte das personalidades, principalmente nas notas da L&PM, e também no uso das palavras de origem estrangeira para explicar os termos que suscitam dúvidas. Mesmo que o interdiscurso não seja explícito, como seria no caso de uso de citações, ele é percebido na forma como o texto é apresentado.

Assim, a questão que se deve responder, e à qual devemos ficar atentos, é se é possível fazer uma tradução que consiga dar conta de todos os problemas inerentes às estruturas das duas línguas e ser um texto que “reproduza fielmente” o original. Vimos que não, que ambas

as coisas não são possíveis. Então, podemos passar a uma outra questão: qual o papel que o tradutor exerce com seu trabalho e em que este se torna importante? Trata-se, aqui, de pensar o tradutor não como imitador, copista e tantas outras designações possíveis nesse sentido, mas como produtor de discurso, discurso esse que não somente é visto por ocasião das notas produzidas por ele, mas no próprio texto traduzido, que lhe pertence, a partir desse momento, e não mais ao autor do texto original. Discurso esse que não está à margem do texto, mas totalmente inserido nele, imbricado, e que tem como consequência dotar o trabalho da tradução de um caráter de ineditismo, pois cada discurso é único.

BIBLIOGRAFIA

APEL, Karl-Otto. A ética do discurso como ética da responsabilidade. Cadernos de Tradução, n. 3, DF/USP, 1998, p. 8-37.

ARAÚJO, Inês Lacerda. A noção de discurso em Foucault. In: Do signo ao discurso:

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 104-118)