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Uma das participantes entrevistadas demonstrou dificuldades especiais em estabelecer uma tomada de consciência espontânea das suas ações. Essa criança hesitou em reconhecer que suas execuções musicais e as execuções dos experimentadores eram simultâneas e possuíam igualdade de durações. Conforme se verá a seguir, após uma série de procedimentos extra, não previstos inicialmente, a criança foi conduzida a esse reconhecimento.

Após apenas ouvir,

Sim após apenas ouvir.

após apenas ouvir uma segunda vez,

Sim Por que?

“Porque faz mais som [quando todos tocam juntos]”

diferentes

*Como a participante afirmou não saber responder à maioria das questões que lhe foram propostas inicialmente, optou-se por realizar a entrevista com ela após demonstrações que não envolvessem a sua participação, ou seja, após ela atuar apenas como ouvinte. Embora, após isso, a criança tenha respondido a todas as perguntas, ela respondeu tendo como base a atividade dos pesquisadores.

Nesse experimento ainda, ao tocar o seu instrumento a criança pareceu encontra-se de tal forma envolvida na sua atividade que não lhe foi possível observar a execução musical dos dois experimentadores. Em função disso parece ter sido impossível que a criança estabelecesse relações entre a sua ação e a ação dos outros músicos.

Quadro 7 – Transcrição do experimento realizado com MAM. FONTE: a autora.

MAM, uma das participantes mais jovens (5 anos e 11 meses), afirmou não saber responder à maioria das questões que lhe foram propostas. Até as questões mais simples – que giravam em torno do reconhecimento da simultaneidade e da igualdade de durações de melodias idênticas – geraram insegurança. Para que a participante respondesse a essas questões da primeira etapa da entrevista foram necessárias até três execuções extras, ou seja, três repetições da ação.

As dificuldades em responder às questões que comparavam a ação da criança com a ação do experimentador 2 (segunda etapa da entrevista – reconhecimento da simultaneidade e da igualdade de durações de vozes musicais diferentes) foram ainda maiores. A participante só conseguiu se mostrar um pouco mais assertiva em suas respostas após ser convidada a apenas ouvir o mesmo que ela havia acabado de executar.

Apesar de a criança ter chegado a admitir a simultaneidade e a igualdade de durações, como se pode observar no quadro acima, ela chega a essas conclusões por meio da sua intuição. Ela não reconhece a igualdade de durações a partir do reconhecimento da simultaneidade, como fazem as crianças que apresentam uma compreensão operatória do tempo. Ao contrário, ela fundamenta suas crenças sobre a igualdade de durações em coisas que, ao que tudo indica, pouco explicam sobre o

ponto de vista temporal, como “fazer uma musiquinha bonitinha”.

A intuição é uma das principais características dos estádios iniciais de desenvolvimento musical, como demonstrou o trabalho de Barcelo I Ginard (1988 apud KEBACH, 2003b) sobre a seriação auditiva da escala.

Parece haver no caso de MAM também uma atividade de centração perceptiva bastante forte, que leva a menina a se focar sobre a sua ação e a impossibilita de reconhecer o restante daquilo que ocorre em seu entorno. A apreciação da atividade musical, empreendida durante o segundo momento da entrevista, possibilitou à criança uma paulatina descentração. Foi graças a esta que se deu o reconhecimento final da simultaneidade e da igualdade de durações apresentado pela participante.

Como se viu neste trabalho, a tomada de consciência ocorre graças a uma coordenação de ações. Durante o momento da simples observação, a criança conseguiu coordenar os movimentos dos dois experimentadores. Essa ação seria impossível enquanto a criança continuasse envolvida na atividade. Suas centrações, focadas sobre a ação própria, não lhe permitiriam coordenar os seus movimentos com os de outrem.

Contudo, na situação de execução musical mais elementar (primeiro momento da pesquisa, ou execução de melodias idênticas pela criança e pela experimentadora 1) as centrações foram desfeitas mais facilmente após algumas repetições da ação (assimilação reprodutora), e a fixação do esquema de tocar xilofone. Durante essas seguidas execuções, ou esse aumento na atividade de exploração, devem ter sido formadas várias centrações que, por fim, foram unidas graças à atividade perceptiva, e transformadas em descentrações.

Infelizmente, o comportamento da criança ao longo das várias repetições da execução musical não foi melhor observado pela pesquisadora. É provável que essas observações mostrassem um processo de coordenação, possível justamente graças à realização das descentração de que se falava há pouco. Ao se descentrar, ou se liberar apenas da sua própria ação, a criança pode ter efetuado coordenações dos seus movimentos de bater (tocar o xilofone) com a observação do que a experimentadora 1 fazia. Contudo, não ocorreu à pesquisadora observar isso no

momento apropriado. O método clínico é extremamente difícil de ser aplicado e, em função dessas dificuldades, a pesquisadora falhou na formulação de hipóteses que guiassem a sua observação e a fizessem anotar as transformações na ação da criança.

O que as repetições extras da execução possibilitaram a MAM foi ainda uma tomada de consciência paulatina de seu fazer musical. Essas alterações no procedimento padrão levaram a criança a uma exteriorização, ou seja, a uma realização não apenas de assimilações e acomodações que lhe permitissem repetir o que havia sido feito pela experimentadora 1. A partir das várias execuções musicais realizadas, começaram a ser empreendidas acomodações cada vez mais amplas daquilo que havia sido assimilado. Essas acomodações permitiram, por sua vez, a formulação de compreensões também ampliadas da situação apresentada, ocorrendo dessa forma um desenvolvimento no sentido C', ou seja, no conhecimento do tempo, concomitante com um desenvolvimento no sentido de C, ou da criança. A criança constrói o tempo, ou a simultaneidade e a igualdade de durações, à medida em que se constrói e amplia seus processos de interação com o meio (assimilação e acomodação).

O que MAM demonstra é, então, o quanto as experiências com o objeto são importantes para que ocorra o desenvolvimento. Se o que se busca é a compreensão da simultaneidade e da igualdade de durações da criança, é preciso que se permita à ela agir seguidas vezes sobre o “objeto” música, tocando instrumentos, cantando, interagindo com os sons, etc. Como apontam Kebach (2007) e Bündchen (2005), só essas interações com o meio, ou verdadeiras experiências de exploração musical, poderão levar crianças como MAM a construir suas descentrações, a coordenar suas ações, e a compreender o tempo e o mundo, construindo-se assim também a si mesmas.

Ainda cabe frisar que, como demonstraram Maffioletti (1987) e Rodrigues (2007), a educação musical também favorece o desenvolvimento rítmico e temporal da criança. Contudo, é importante ressaltar que essa educação não pode visar apenas o processo de assimilação, como frisa Beyer (1988), através de atividades de repetição. Para que o processo de adaptação (assimilação e acomodação) ocorra

de forma completa, é preciso que a criança possa agir sobre o material, como foi dito acima. Ainda se deve observar que, como foi discutido ao longo deste trabalho, o desenvolvimento da criança pode ser acelerado, mas certos limites devem ser observados. O educador não pode jamais esquecer que tudo aquilo que pretende ensinar à criança precisa passar por um processo de equilibração, que demanda mais do que simplesmente o esforço do aprendiz, e sim tempo.

A seguir são apresentadas as entrevistas dos participantes que apresentaram uma tomada de consciência espontânea (casos diferentes do de MAM) ao menos em algum nível, ou seja, que demonstraram alguma compreensão da simultaneidade e da igualdade de durações nas execuções musicais.

4.3 CASOS EM QUE HÁ SUCESSO NA AÇÃO E, AO MENOS EM ALGUM NÍVEL,