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3.3 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS …

3.3.2 Procedimentos …

Cada um dos participantes foi apresentado aos experimentadores no início dos procedimentos, e foi informado de que seria convidado a “fazer música”, ou

“tocar um instrumento”, e que depois ainda conversaria com um dos adultos. As crianças foram informadas de que nenhuma das perguntas a serem feitas seria alvo de avaliação. Os participantes ainda foram questionados se gostariam ou não de participar do que lhes estava sendo proposto.

As crianças, entrevistadas uma a uma, foram convidadas a se posicionar em um dos lados da mesa sobre a qual foram colocados os xilofones. Os dois

experimentadores que participaram da pesquisa foram posicionados na outra extremidade da mesa, de modo que pudessem ser vistos com facilidade pela criança. Os participantes foram instruídos a se colocar de joelhos sobre um banco, de modo a alcançarem um dos xilofones, e foram indagados se conseguiam visualizar todos os instrumentos posicionados sobre a mesa. Em frente à criança foi colocado um xilofone contralto com apenas uma tecla. Do outro lado da mesa, logo em frente ao xilofone do participante, foi colocado outro instrumento igual ao da criança. Este foi tocado por um dos experimentadores, denominado doravante experimentadora 1. O segundo experimentador (colaborador) foi posicionado ao lado do experimentador 1, e foi responsável pela execução de um xilofone soprano, com 5 teclas. A criança foi convidada a observar as diferenças entre o tamanho e a quantidade de placas dos instrumentos a sua frente, a fim de que o participante estivesse consciente da sua configuração espacial.

A criança foi inicialmente convidada a assistir a um conjunto de breves execuções musicais. Ela foi informada, de forma lúdica, que cada um dos instrumentistas (experimentadores) à sua frente possuía sua “receita” própria para fazer música, ou seja, cada um dos músicos tocaria seu instrumento de uma maneira diferente. Após esse esclarecimento, cada um dos experimentadores demonstrou, em separado, um breve trecho de sua “receita” (ou melodia) para a criança.

A experimentadora 1 tocou, em seu xilofone contralto, uma melodia lenta, e executada em apenas uma tecla (a única que o seu instrumento possuía). Essa melodia está grafada na figura abaixo, no pentagrama inferior. O experimentador 2 tocou, no xilofone soprano, uma linha melódica composta de várias notas, tocadas de modo rápido. Essa melodia está representada no pentagrama superior da figura abaixo. Este instrumentista (experimentador 2) ainda explorava uma região ampla do seu instrumento ao tocar. Ele tocava 3 teclas durante a demonstração (metade da melodia), estabelecendo-se assim um contraste com o que havia sido feito pela experimentadora 1. Esse contraste não foi mencionado. Foi apenas demonstrado.

Para concluir a sessão inicial de observações, as crianças foram convidadas a ouvir a execução simultânea das melodias dos dois experimentadores (sem que

essa simultaneidade fosse enfatizada verbalmente). A música resultante dessa execução conjunta é mostrada na figura a seguir.

Figura 4 – Partitura com a música apresentada aos participantes.30 FONTE: a autora.

Após assistir a essa execução, a criança foi convidada a aprender a “receita”

da experimentadora 1 e a tocá-la em um segundo xilofone contralto. Essa “receita”, ou melodia, foi apresentada de forma lúdica, visando facilitar a sua aprendizagem: a criança foi convidada a lançar, com a baqueta do xilofone, uma série de ingredientes mágicos imaginários sobre a tecla do instrumento. Esses ingredientes eram

“lançados” de acordo com a duração (ou ritmo) da música, como mostra a figura abaixo:

Figura 5 – Melodia tocada pela criança em conjunto com a experimentadora 1. Aqui cada um dos

“ingredientes mágicos” (salamandra, lagartixa, etc) está associado a uma duração musical. FONTE: a autora.

30 Esse trecho musical é composto por duas linhas melódicas – ou simplesmente “melodias” – e cada uma delas é representada por uma das pautas (conjunto de 5 linhas sobre as quais se escrevem as notas musicais). Cada pauta é executada por um dos instrumentistas. A primeira melodia (a da pauta de cima), executada pelo experimentador 2, é composta por várias notas que, quando tocadas no xilofone, geram um deslocamento amplo da mão do instrumentista. Essas notas também são executadas com relativa rapidez. A segunda melodia (da pauta de baixo), tocada pela experimentadora 1, ao contrário, é formada por apenas uma nota tocada de modo mais lento e repetida 5 vezes. As duas linhas melódicas, tocadas cada uma por um dos experimentadores, são iniciadas e terminadas simultaneamente, mesmo apesar de suas diferenças, e portanto, possuem durações idênticas.

Essa associação de ritmos à palavras constitui uma estratégia de ensino denominada mnemônica. Segundo Caregnato (2011), ela facilita a aprendizagem porque se vale de uma aplicação de conhecimentos rítmico-linguísticos (a fala também pode ser regida por princípios rítmicos), já adquiridos pela criança, ao campo da música. Ela também substitui os tradicionais “1 e, 2 e, 3 e...”, usados no ensino de música e que são incompreensíveis e vazios de significado para as crianças mais jovens, que ainda não adquiriram noções de tempo métrico. Essa forma lúdica de abordagem também foi escolhida porque permite uma aproximação maior com o universo da criança e sua linguagem, necessária para a efetivação do método clínico (DELVAL, 2002). Se fossem usados termos musicais, a compreensão infantil seria prejudicada, e o interesse das crianças pela atividade seria praticamente nulo, ficando comprometida dessa forma a realização do experimento.

Retomando os procedimentos, cada vez que um ingrediente era mencionado pela experimentadora 1, ela e o participante tocavam os seus instrumentos em simultaneidade. Após a criança haver aprendido a tocar sua “receita” (ou melodia) em conjunto com a experimentadora 1 – o que usualmente se dava em duas ou três tentativas – o experimentador 2 unia-se ao grupo, tocando a sua própria linha melódica, diferente daquela que estava sendo executada pelos outros dois participantes (experimentadora 1 e criança). Após duas ou três execuções com o grupo completo (criança e dois experimentadores), realizadas em perfeita simultaneidade e, portanto, com igualdade de durações, as crianças foram entrevistadas.

Esse experimento foi construído a partir da adaptação dos experimentos piagetianos apresentados em “A noção de tempo na criança” (PIAGET, 2002) envolvendo bonecos ou outros objetos móveis. Nos experimentos do pesquisador suíço, as crianças eram convidadas a observar o deslocamento de objetos que partiam juntos de um dado ponto espacial, e se detinham também em simultaneidade. Esses movimentos eram realizados em velocidades diferentes, de modo que cada um dos móveis desempenhava um deslocamento espacial diferente em um mesmo período de tempo.

No experimento realizado neste trabalho, os objetos de Piaget (2002) foram

substituídos por xilofones, os movimentos oriundos do deslocamento dos móveis tiveram seu lugar tomado por movimentos das mãos dos instrumentistas, e as variações de velocidade desses objetos móveis foram trocadas por variações na velocidade de execução das notas musicais. Desse modo, o experimentador 1, assim como a própria criança, e o experimentador 2 tomam as vezes, por exemplo, dos bonecos que Piaget (2002) utiliza.

Os problemas que envolvem objetos que se movem com velocidades iguais, elaborados por Piaget (2002), também foram adaptados neste trabalho. No momento em que a experimentadora 1 toca sua “receita” em conjunto com a criança, estão em curso duas ações simultâneas realizadas com a mesma velocidade. Piaget (2002) observou que essas ações são facilmente concebidas em termos temporais pela criança porque, nela, o tempo se confunde com o espaço.

A participação da criança no experimento também foi tomada de empréstimo das experiências piagetianas. Em alguns momentos de sua pesquisa, o autor convidava seus participantes a executar os movimentos, fazendo-os, por exemplo, correr por uma sala acompanhados de um experimentador. Desse modo, o experimento aqui apresentado consiste em uma adaptação dos problemas propostos por Piaget (2002) para uma situação musical.

As crianças que, durante a entrevista, reconheceram a simultaneidade e a igualdade de durações, foram expostas a um teste extra, que teve por objetivo verificar se os participantes haviam chegado a suas respostas por meio do pensamento operatório ou se por meio da intuição. Durante esse teste verificou-se se a criança dominava a transitividade, que é uma das características do pensamento operatório.

Nesse teste extra, o seguinte problema foi proposto aos participantes: a

“receita” (ou melodia) do experimentador 2 foi dividida em quatro partes. A criança foi informada que cada uma dessas partes era tocada em uma das teclas do xilofone (nesse momento, a última tecla foi retirada, ficando assim o instrumento apenas com quatro placas). A primeira parte da música (parte A) foi então demonstrada pelo experimentador à criança. Após essa execução, a criança foi informada de que a segunda parte (parte B), tocada na segunda tecla, possuía duração igual à parte

anterior (A). O segundo trecho da música era então tocado para que o participante ouvisse. Após constatar a relação A = B através da observação da execução musical, a criança era informada, dessa vez sem que o trecho fosse tocado, que a parte C era igual a B, e que a parte D era igual a C, ou seja, B = C, C = D. Por fim, era proposto o seguinte problema à criança: A demora o mesmo tempo para ser tocado, mais ou menos tempo do que D?

Esse experimento testa, portanto, o reconhecimento da transitividade ou, em outras palavras, o reconhecimento das relações A = B, B = C, C = D, e a dedução, a partir dessas informações, da relação A = D (entre outras possíveis, como B = D, etc). Quando a criança reconhece a igualdade entre A e D, ou a transitividade, podemos dizer que ela utiliza pensamento operatório. Em caso contrário, o pensamento operatório ainda não se encontra desenvolvido na música.

Esse experimento consiste também em uma adaptação do experimento usado por Piaget (2002) para observar a manifestação do pensamento operatório nos participantes de seu estudo.