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3.3 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS …

3.3.3 Entrevista …

Após uma breve execução musical realizada com sucesso pela criança, acompanhada dos dois experimentadores, os participantes da pesquisa foram submetidos a uma entrevista semi-estruturada. Os dados coletados foram anotados em duas planilhas para cada criança. Essa entrevista foi dividida em dois momentos.

Durante o primeiro deles os participantes foram levados a refletir apenas sobre a sua execução musical e a execução musical da experimentadora 1 (que tocava a mesma melodia que as crianças, ou seja, a melodia mais lenta). As crianças foram levadas a pensar, em síntese, sobre a execução de vozes (ou melodias) iguais. Dito de outra forma ainda: os participantes foram levados a pensar sobre movimentos simultâneos com velocidades iguais. As questões dessa primeira parte da entrevista buscaram verificar se havia:

1) reconhecimento da simultaneidade do início da execução;

2) reconhecimento da simultaneidade do término da execução;

3) reconhecimento da igualdade das durações (caso não houvesse reconhecimento, quem demorou mais e por que?).

As questões desse primeiro momento foram formuladas do modo como segue. Cada uma dessas três questões e seus desdobramentos, buscou verificar, respectivamente, cada um dos três itens apresentados acima. Eis o procedimento de entrevista:

A experimentadora 1, que conduz a entrevista, prepara a primeira questão fazendo uma espécie de introdução. Esse passo tem por finalidade esclarecer qual o momento do experimento estará sendo analisado com a criança:

Segue-se imediatamente a primeira pergunta:

Nós começamos a tocar juntos ou separados?

Cabe observar que o experimentador tem o cuidado de apresentar todas as possibilidades de resposta na pergunta, para não induzir a resposta da criança.

Assim, ao invés de indagar simplesmente “nós começamos a tocar juntos?”, ele completa a questão.

Caso a criança não compreenda o que lhe foi proposto, ou simplesmente não responda, essa questão é refeita, desde a introdução (o mesmo é realizado nas outras questões sempre que se fizer necessário). Segue-se então a continuação da primeira questão, caso a criança tenha respondido que a execução não foi simultânea:

E quem começou primeiro, eu (experimentadora 1) ou você?

Em seguida:

Por que? (ou, como você sabe isso?) Então, a segunda pergunta:

E nós terminamos de tocar separados ou juntos?

Observe-se que, evitando induzir a criança, a segunda questão é feita em ordem diferente da primeira (inicialmente “nós começamos juntos ou separados?” e depois “nós terminamos separados ou juntos?”). Novamente, caso a criança tenha afirmado que o término se deu em separado, é feita a complementação da questão:

Quem terminou por último (“por último” evita a repetição de “primeiro”, já presente na continuação da questão anterior)? Por que? (ou, como você sabe isso?)

Essa questão fecha a investigação da compreensão de simultaneidade em casos de vozes iguais. O reconhecimento da igualdade de durações de melodias tocadas com a mesma velocidade (vozes iguais) é verificado através da seguinte questão:

Nós demoramos o mesmo tempo para tocar nossas músicas, ou alguém demorou mais?

Essa pergunta poderia ser refeita da seguinte forma:

Isso que você tocou aí (aponta o xilofone) demorou o mesmo tanto que isso que eu toquei aqui?

Quando a criança afirma que demorou o mesmo tempo, é indagada “por que?”. Caso a resposta fosse “alguém demorou mais”, perguntava-se então:

Quem demorou mais, eu ou você? Como você sabe isso? (ou, por que?) Dessa forma se encerrava o questionário sobre as vozes iguais.

Caso a criança hesitasse em dar uma resposta ou, de alguma forma, se mostrasse insegura, não sabendo explicar o porquê de suas crenças, eram então feitas questões por contra-sugestão (DELVAL, 2002, p. 146). Essas perguntas foram montadas de acordo com o modelo: “esses dias um(a) menino(a) da sua idade me disse... (o contrário do que a criança havia afirmado)”. Ao realizar questões dessa forma o que se busca saber é se a criança se mantém firme nas suas convicções.

Caso a criança volte atrás na resposta, é possível que ela ainda possua dúvidas sobre o que pode ser a melhor solução para o problema proposto, encontrando-se em um estádio de transição, é possível que da primeira vez ela tenha dado uma resposta aleatória, ou é possível ainda que ela tenha sido motivada, por alguma indução, a afirmar uma coisa na qual não acreditava. Como afirma Dolle (1978, p.

23), a contra-sugestão busca justamente desfazer qualquer indução que tenha sido provocada, ao invés de induzir a criança em uma resposta. Prova disso é que, ao se formular a contra-sugestão, tem-se o cuidado de usar a figura de uma criança de mesma idade e, de preferência, de mesmo sexo que o entrevistado, como sendo a

autora da afirmação contraditória. Evita-se usar a figura do adulto ou de uma criança mais velha para que o participante não se sinta pressionado a acreditar naquilo que os maiores acreditam.

Neste estudo foram usadas questões de contra-sugestão como as que seguem:

- Esses dias um(a) menino(a) da sua idade me disse que nós começamos (ou terminamos) a tocar separados (ou juntos), e ainda disse que eu comecei primeiro (ou, que ele(a) havia começado primeiro). Esse(a) menino(a) está certo(a) ou errado(a)?

- Esses dias um(a) menino(a) da sua idade me disse que nós não demoramos o mesmo tempo tocando. Ele(a) me disse que eu (ou ele(a) tinha tocado mais (ou menos). Ele(a) está errado(a) ou certo(a)?

A figura abaixo apresenta a planilha que foi utilizada no momento da entrevista para anotar as respostas da criança e conduzir perguntas extras.

Figura 6 – Planilha com o roteiro do primeiro momento da entrevista. FONTE: a autora.

Durante o segundo momento da entrevista, os participantes foram levados a estabelecer comparações entre a sua execução musical e a execução musical do experimentador 2 (lembrando que, nesse caso, haviam diferenças de velocidade e quantidade de notas entre a melodia da criança e a do adulto). Assim sendo, analisaram a simultaneidade e a igualdade de durações de vozes diferentes (melodias tocadas em velocidades diferentes). As questões dessa segunda parte também buscaram verificar se por parte da criança havia:

4) reconhecimento da simultaneidade do início da execução;

5) reconhecimento da simultaneidade do término da execução;

6) reconhecimento da igualdade das durações (caso não houvesse reconhecimento, quem demorou mais e por que?).

As questões do segundo momento são bastante semelhantes às do primeiro.

É feita a introdução:

Agora, depois que o XXXX (nome do experimentador 2) começou a tocar a receita dele também...

Segue-se imediatamente a primeira pergunta dessa etapa da entrevista:

Vocês começaram a tocar separados ou juntos?

Se a resposta for “separados”:

Quem começou primeiro, ele ou você? Como você sabe isso?

A segunda pergunta:

Vocês terminaram de tocar juntos ou separados?

Se a resposta for “separados”:

Quem terminou por último, ele ou você? Como você sabe isso? (ou, por que?) A questão que verifica o desenvolvimento da igualdade de durações de vozes diferentes foi assim formulada:

Vocês demoraram o mesmo tempo para tocar as suas músicas, ou alguém demorou menos?

Caso a resposta fosse “o mesmo tempo”, perguntava-se então “por que?”.

Caso fosse “alguém demorou menos”:

- Quem? Ele ou você? Por que?

Na figura da próxima página está apresentado o roteiro de perguntas utilizado durante a segunda fase da entrevista, na forma de planilha.

Figura 7 – Roteiro do segundo momento da entrevista. FONTE: a autora.

Ao término da entrevista, alguns participantes realizaram o teste de transitividade. Esse teste extra foi realizado apenas com as crianças que obtiveram sucesso no reconhecimento das simultaneidades e das igualdades de durações em todos as situações do experimento (nos casos de vozes iguais e vozes diferentes), e foi descrito acima (em “procedimentos”).

Para concluir essa exposição sobre a entrevista, cabe salientar que além de questões versando sobre os itens apresentados, porventura outras perguntas foram propostas às crianças com o intuito de melhor explorar o pensamento dos participantes.

Todas as questões aqui apresentadas constituem uma adaptação das

questões desenvolvidas e aplicadas por Piaget (2002) para investigar o desenvolvimento da simultaneidade e da igualdade de durações (em outras áreas que não a música).

Todas as perguntas foram feitas a partir de execuções que foram realizadas em simultaneidade, ou seja, a criança sempre começou e terminou junto com os experimentadores, independente das semelhanças ou diferenças entre o que foi tocado pelos envolvidos no experimento. Assim sendo, todas as execuções também possuíam durações iguais. O que as questões buscaram verificar foi o reconhecimento, por parte da criança, de sua ação. Para os adultos, uma negação das simultaneidades e das igualdades de duração nesses casos parece impossível, contudo, conforme se verá, algumas crianças não hesitam em afirmar, por exemplo, que um dos experimentadores começou a tocar antes dela, embora na prática a simultaneidade tenha ocorrido. Os participantes que não obtiveram sucesso na ação, tocando em simultaneidade com o experimentador, não foram entrevistados.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Na sequência será apresentada a transcrição e a análise das entrevistas realizadas com os participantes deste estudo. Visando objetivar essa exposição, optou-se por apresentar apenas as principais respostas de cada uma das crianças, em forma de quadro. As falas dos participantes que fornecem “pistas” para identificar o pensamento infantil também são expostas de forma direta e sucinta dentro dos quadros a seguir. Uma análise qualitativa dos dados levantados ainda será feita de forma concomitante com essa exposição.

Já que este estudo buscou entender de que forma a criança compreende a sua prática musical, não serão encontradas, em alguns dos relatos abaixo, as descrições das entrevistas dos participantes que não obtiveram sucesso na ação, ou seja, na execução musical em conjunto. Só foram entrevistados os participantes que, durante o experimento apresentado acima, realizaram execuções musicais em simultaneidade com os experimentadores. De qualquer forma, as dificuldades encontradas durante o experimento são descritas e analisadas na sequência.

Para fins de análise, os participantes foram divididos em dois grandes grupos, de acordo com suas respostas. O primeiro grupo compreende os participantes que não obtiveram sucesso na ação de tocar em simultaneidade, e não foram entrevistados. O segundo grupo é formado pelos casos em que houve sucesso na execução simultânea das melodias. Esse último grupo foi dividido em dois subgrupos: o primeiro, é formado por participantes que não procederam a uma tomada de consciência espontânea de sua execução; e o segundo subgrupo é formado por participantes que, em alguma medida, demonstraram possuir consciência de suas ações. Por fim, o segundo subgrupo foi dividido de acordo com o nível de tomada de consciência da sua execução musical em três etapas, que correspondem às etapas de desenvolvimento da noção de simultaneidade e de igualdade de durações, apresentadas por Piaget (2002). Os resultados da sequência serão apresentados de acordo com essa divisão de grupos.