• Nenhum resultado encontrado

7 DO DIÁLOGO COM OUTREM AO DIÁLOGO COM OS REFERENCIAIS: TECENDO

7.1 Categoria A: Conhecer para reconhecer e reconhecer para conhecer

Durante a realização das atividades da intervenção com Africanidades, notamos que os/as participantes puderam conhecer algumas coisas que ainda não conheciam para assim, desconstruir imagens e impressões negativas, abrindo espaço para o reconhecimento de outras formas de ser e estar no mundo. Além disso, apresentamos situações que destacam a necessidade de reconhecer para conhecer, ou seja, despir-se de preconceitos e estar aberto a novas aprendizagens e à diversidade para então conhecer, pois se não reconhecermos outras formas de ser e outras culturas, não poderemos conhecer.

Exemplo disso foi quando a partir da contação da história: “Histórias de nossa gente”, de Sandra Lane (2010), conversamos com os/as participantes sobre os diferentes povos que compõem o Brasil, momento em que falamos um pouco sobre a influência dos indígenas na formação do povo brasileiro. Destacamos o trecho a seguir que explicita esta situação:

Depois, pergunto sobre os indígenas, se eles já teriam ouvido falar algo sobre eles, e Arthur comenta que sua professora passou um vídeo que mostrava os portugueses em conflito com os indígenas, atirando com armas de fogo e capturando indígenas. [...] Pergunto a eles se alguma vez já tomaram algum chá para curar uma gripe, uma dor de estômago, e alguns balançam a cabeça afirmativamente, e eu digo que os indígenas utilizavam plantas para curar-se de doenças e ferimentos, e Frynkin comenta: “Até hoje fazemos isso”, e eu reforço dizendo que são muitas as contribuições dos povos que para cá vieram , bem como dos indígenas que aqui estavam, e que formaram nossos costumes e tradições, seja de religião, de música, de hábitos (DC II, 4).

Ao conversar com os/as participantes sobre a influência dos povos indígenas para nosso país, os/as participantes se referem a impressões que trazem o reconhecimento dessa influência, bem como demonstram abertura em melhor conhecer. Conversando com os/as participantes sobre a presença da cultura indígena em nossas práticas, notamos que há o reconhecimento disso, pois quando Fynkin diz que “Até hoje fazemos isso”, está demonstrando que é algo que está presente no dia-a-dia dele, no seu ambiente familiar, no entanto, nem sempre nos perguntamos sobre as origens dos conhecimentos que temos, e muito comumente a instituição escolar (desde a Educação Básica até a Universitária, pela forte influência da ciência eurocêntrica) e os meios de comunicação (nas mãos de grandes grupos corporativos capitalistas) atribuem avanços e benefícios da medicina comumente a cientistas estrangeiros (geralmente europeus ou estadunidenses), não reconhecendo o conhecimento dos primeiros habitantes de nossas terras, os indígenas, bem como dos povos africanos que para cá foram trazidos à força, escravizados.

A esse respeito, Dussel (2005) nos fala do modelo teórico de cultura eurocentrado que se estabelecia a partir de valores e referências ocidentais, fazendo com que este modelo fosse sempre pautado em referências eurocêntricas, dificultando assim que os latino-americanos encontrassem referências em suas culturas que se identificassem com os padrões estabelecidos. De acordo com o autor, para superar esta visão eurocentrada, é preciso reconstruir a identidade histórica da América Latina desde suas próprias referências, desde o povo latino-americano.

Ao buscar a dominação dos povos indígenas, os invasores tentaram estabelecer um discurso de descaracterização e inferiorização desses povos, pois os chamaram indistintamente de “índios”, não levando em consideração as diferenças entre esses povos, sendo as culturas também postas à margem, uma vez que o objetivo era de que estes habitantes interiorizassem valores estranhos às suas origens para que fossem mais facilmente submetidos ao sistema de dominação necessário à exploração. De acordo com Munanga e Gomes (2016), para aprender a conhecer o Brasil, precisamos entender e conhecer a história e cultura dos diferentes povos que formaram o país, pois:

Para entender “nossa” história e “nossa” identidade, é preciso começar pelo estudo de todas as suas matrizes culturais: indígena, europeia, africana, árabe, judia e asiática. Infelizmente, não é isso que acontece na história do Brasil que foi ensinada tradicionalmente na escola e sistematizada pela historiografia oficial (2016, p. 18).

Em outros momentos também foram abordados assuntos referentes às culturas, povos indígenas e história do Brasil, como por exemplo, no dia em que falamos sobre o 13 de maio como Dia de Luta e Combate ao Racismo a partir da perspectiva do Movimento Negro, abordando também a prática da escravidão como forma de exploração do trabalho tanto dos povos originários do Brasil, como dos/as negros/as africanos/as sequestrados/as de África para serem escravizados/as em terras brasileiras. Isto se expressa em trecho de roda de conversa em que a pesquisadora explicava aos/às participantes o que os povos indígenas tem a ver com a escravidão de que estávamos falando:

Eles (os invasores) chegaram e tentaram escravizar os indígenas [...]os indígenas resistiram, eles não queriam trabalhar pra eles, e até muitos indígenas morreram por conta disso e também por conta das doenças que vieram junto com eles, (os invasores) e que os indígenas ainda não tinham contato com essas coisas e nem com outros remédios além da medicina natural deles (DC XI-6).

Podemos perceber que ao falar sobre práticas de exploração e dominação, também aparecem referências aos povos indígenas, confirmando as ideias difundidas desde a colonização, e que pela colonialidade se perpetuam até hoje, reproduzindo a imagem dos indígenas como atrasados, que andavam nus, eram canibais, praticavam sacrifícios humanos, não tinham religião (MUNANGA; GOMES, 2016,p. 12). Esse ideário difundido pelos invasores se perpetua através de estereótipos que desqualificam os povos indígenas e, consequentemente, suas culturas, sendo que somente através de práticas de problematização e

questionamento destas ideias é que podemos possibilitar espaços para que outras histórias possam ser contatas, a partir de outros pontos de vista, no caso, dos colonizados.

A prática de falar sobre as origens e história se dá também nas atividades de capoeira que já fazem parte da rotina do projeto, pois ao falar e praticar a capoeira de maneira contextualizada, os/as participantes podem conhecê-la e reconhecê-la como prática de resistência e fortalecimento da luta dos/as negros/as escravizados/as por condições de vida e trabalho dignas. Exemplo disso aparece no trecho do diário de campo a seguir:

Depois, Eiri explicou o golpe “Benção” e sua origem, explicando que os senhores de escravos costumavam dar benção aos escravos, fazendo com que estes tivessem que se curvar aos pés do senhor. E o movimento da benção consiste em um golpe à frente do corpo em que se usa o calcanhar para atingir a boca do estômago. Então, a partir da demonstração do educador, participantes e os outros educadores fazem o movimento da ginga e da bênção. Depois, Eiri pede ajuda para a educadora Abayomi para explicar o golpe de defesa da bênção, que é a negativa, e ela explica como se faz, e os participantes tentam fazer também, mas como é uma defesa com um pouco de dificuldade, Eiri ensina também a esquiva lateral, e os participantes também experimentam fazer (DC II, 8).

Ao falar com os/as participantes sobre as origens dos movimentos da capoeira, estamos buscando uma contextualização que auxilie não só na prática da capoeira, mas também no entendimento de como e por que surgiu essa prática. A partir dessa perspectiva, percebemos que os/as participantes veem mais sentido no que estão fazendo, compreendendo inclusive os nomes que foram dados aos movimentos da capoeira, como no caso da bênção. Mais que isso, os/as participantes puderam conhecê-la e reconhecê-la como forma de resistência e fortalecimento da luta dos/as negros/as escravizados/as por: liberdade, condições de vida e trabalho dignas, afirmação de sua corporeidade.

Houve outros momentos em que falamos sobre as origens da capoeira com os/as participantes, buscando contextualizá-la. Exemplo disso foram as atividades em que trabalhamos com a história de dois grandes Mestres de Capoeira brasileiros: Mestre Pastinha e Mestre Bimba. Através da própria história de vida desses Mestres, que por sinal sempre esteve muito ligada à capoeira, pudemos trazer à tona informações relevantes sobre a prática da capoeira ao longo da história. Por exemplo, no dia em que falamos sobre a história do Mestre Pastinha, Frynkin relaciona o que ouviu com outros aprendizados que já tinha:

Depois de contar a história, explico a eles que Vicente Joaquim Ferreira Pastinha foi um mestre de capoeira muito conhecido no Brasil, sendo ele quem desenvolveu a modalidade da capoeira Angola. Pergunto aos participantes se já tinham ouvido falar de Pastinha, e Frynkin diz que ouviu que ele foi um grande mestre de capoeira (DC VI - 5).

Ao falar sobre Mestre Pastinha, estamos colocando em destaque a história de um negro brasileiro que resistiu às desigualdades e discriminação, lutando pelo reconhecimento da capoeira como parte da cultura brasileira, e isso contribui para que referências de homens e mulheres negros/as sejam lembradas e colocadas como parte da história, buscando as raízes, buscando alimento no passado para construir o futuro, como bem nos ensina Tedla (1995) em sua obra Sankofa.

Ao trazer à tona práticas e culturas postas à margem em nossa sociedade, estamos buscando romper com o que Santos e Meneses (2009) chamam de “epistemicídio”, pois em nome da homogeneização do mundo imposta pela “missão civilizadora”, houve a supressão dos conhecimentos locais para que predominassem os valores dos invasores, e “com isso, desperdiçou-se muita experiência social e reduziu-se a diversidade epistemológica, cultural e política do mundo” (2009, p. 10).

A capoeira é uma das práticas de resistência à dominação e à escravização mais significativa desenvolvida no Brasil, sua prática e história se mostram presentes até os dias de hoje, pois os negros/as escravizados/as eram obrigados a trabalhar sem cessar, sendo obrigados a agir e se comportar de acordo com a vontade dos colonizadores, encontrando na capoeira a expressão corporal de resistência e construção da identidade, cultivando as tradições, crenças e até mesmo a própria dignidade de homens e mulheres negros/as.

Através da fala dos/as participantes é possível destacar o entendimento dado por eles à capoeira como prática de resistência à opressão dos invasores, o que podemos ver a partir do trecho de diário de campo a seguir:

Pergunto então aos participantes se eles saberiam dizer por que a capoeira foi criada [...] Milena diz que esta foi inventada para que os escravos pudessem se defender. [...] pergunto a eles por que ou de quem eles precisavam se defender. Pelé diz que eles precisavam se defender dos portugueses e Frynkin lembra que tinha um nome que era alguma coisa do mato, e Max diz que era do capitão do mato que os escravizados precisavam se defender (DC VII - 1).

A partir deste trecho, podemos colocar em destaque o entendimento dos/as participantes sobre a corporeidade dos/as negros/as como instrumento de resistência

sociocultural e forma de emancipação frente à escravização imposta, pois através dela, foi possível, para além de resistir, cultivar as tradições de homens e mulheres negros/as, resgatando o corpo como símbolo da identidade negra, guardando a memória ancestral e recriando as tradições e introduzindo novos hábitos a partir das vivências em terras brasileiras.

No entanto, nem sempre a capoeira foi vista dessa forma, como expressão de luta e resistência, pois ao longo da história essa prática foi reprimida e perseguida, mas continuou a resistir às estratégias que buscavam exterminá-la, sendo suas técnicas aperfeiçoadas e transmitidas para as gerações seguintes, o que garantiu que esta se encontre ativa até os dias de hoje, passando por transformações e adaptações, mas mantendo sua essência cultural.

Entendemos que a capoeira e muitas outras práticas de origem africana, como por exemplo, a religiosidade e espiritualidade de matriz africana, encontram dificuldade de reconhecimento e aceitação devido às ideias anteriormente difundidas que descaracterizavam essas práticas buscando inferiorizá-las. De acordo com Quijano (2009) e Galeano (1990), o padrão mundial do poder capitalista sustenta a imposição de uma classificação racial, na qual brancos/as são superiores a negros/as e indígenas, inclusive nos conhecimentos, transformando em capital europeu ou, mais recentemente, estadudindense: a terra, os frutos, os recursos naturais e os recursos humanos. É uma visão que tem se prolongado também pelas informações e imagens distorcidas transmitidas pelos meios de comunicação em massa, e um exemplo disso são as imagens que são veiculadas a respeito do continente Africano. De acordo com Munanga e Gomes (2016):

Até hoje, nas imagens que são veiculadas sobre a África, raramente são mostrados os vestígios de um palácio real, de um império, as imagens dos reis e muito menos as de uma cidade moderna africana construída pelo próprio ex-colonizador. Geralmente, mostram uma África dividida e reduzida, enfocando sempre os aspectos negativos, como atraso, guerras “tribais”, selva, fome, calamidades naturais, doenças endêmicas, Aids etc (MUNANGA, GOMES, 2016, p. 32).

A fim de desconstruir as imagens negativas acerca do continente africano, desenvolvemos uma atividade em que os/as participantes deveriam primeiramente partilhar suas impressões e conhecimentos sobre o continente africano, para que depois pudéssemos conversar e conhecer outras formas de ver a África. Isso foi feito a partir de uma dinâmica em que os/as participantes responderam à pergunta: “Quando você pensa em África, o que vem à

sua cabeça?” com apenas uma palavra. Nem todos quiseram falar, e conforme trecho de diário de campo: “As palavras que surgiram foram: africano, animal, cidades, seca, pobre, dificuldades, ruas, capoeira, terra, leão, fome, safári, escola” (DC IV, 20).

A partir das informações e conhecimentos trazidos pelos/as participantes, buscamos trabalhar com imagens de cidades localizadas em países da África, tais como: Luanda (Angola), Antanarivo (Madagascar), São Tomé (São Tomé e Príncipe), Adis-Abeba (Etiópia), Maputo (Moçambique) etc; mapas (impresso e o globo terrestre) e informações sobre o continente africano, como extensão territorial, população; para desconstruir as imagens negativas de África que comumente são divulgadas pela mídia, possibilitando que participantes e educadores/as pudessem conhecer outras formas de ver e de ser do continente africano para reconhecer tanto os equívocos da divulgação de imagens negativas pelos meios de comunicação, quanto a diversidade e beleza do continente.

O intuito desta atividade foi compartilhar com participantes e educadores imagens e informações sobre África pouco divulgadas, quer seja nas escolas de Educação Básica, quer seja nos meios de comunicação de massa, tais como: que África é um continente e não um país, que, aliás, possui em seu território mais de 50 países; que o atlas (mapa do mundo) transmite, visualmente, ideia de que o território africano é bem menor do que efetivamente é; que há imensa diversidade de povos e culturas; que além de povos que vivem em aldeias de modo tradicional há também inúmeras cidades em zonas altamente urbanizadas, com ruas asfaltadas, casas, prédios e arranha-céus; que a maior parte das pessoas se veste de modo muito parecido com as brasileiras ou europeias ou estadunidenses, inclusive devido à influência da televisão e internet, que também são vistas nos países africanos, o que por vezes envolve invasão cultural, conforme asseveraram Ngoenha e Castiano (2011).

Quando falamos sobre os habitantes do continente africano, também surgiram discursos que reforçam as visões do continente que comumente são veiculadas pelos meios de comunicação em massa, visão que deixa de considerar a diversidade presente nos mais de 50 países, conforme trecho a seguir:

Pelé: Sem querer magoar, mas eu acho que a maioria que vive lá é negra. [...] Frynkin: Eu! A escola é muito precária.

[...] Pelé: Foi de lá que eles foram pegar os escravos (DC IV, 5).

Neste trecho, a primeira fala de Pelé demonstra a interiorização de um discurso permeado por preconceitos que estão enraizados na sociedade racista em que vivemos, em

que o participante entende que dizer que uma pessoa é negra pode magoar. O participante trouxe a sua visão a respeito do tema que estava sendo tratado, porém se mostrou aberto a conhecer as outras informações e perspectivas trazidas na roda de conversa sobre as populações não só do continente africano, mas também do Brasil, que é o segundo país no mundo com a maior população negra, informação esta que também foi enfatizada durante a realização dessa atividade. Concordamos com Freire (2011):

Nas relações entre brancos e negros, a não ser que eu esteja totalmente errado, parece haver, por parte de muitos brancos que se declaram não racistas, algo que os minimiza e obstaculiza a, autenticamente, lutar contra o racismo. Refiro-me ao que, pelo menos a mim, me parece ser um forte sentimento de culpa com que se relacionam com homens negros e mulheres negras. E se há algo que deve irritar as as pessoas discriminadas é a maneira culposa com que alguém as trata (FREIRE, 2011, p. 210).

Compreendemos que o combate às posturas e atitudes racistas e ao próprio racismo começa pelo reconhecimento de sua existência em meio às relações sociais. E esse reconhecimento nos cobra uma postura de tomada de atitude frente à problemática que faz parte de nosso cotidiano, pois se reconheço que me encontro imerso em uma sociedade racista e não me mobilizo ao encontro de outras práticas que sejam coerentes e respeitosas com a diversidade, estou negando a existência do racismo.

Em outro momento desta mesma atividade falamos sobre como são as pessoas que vivem no continente Africano, e surgiram algumas ideias que expressaram a inferiorização e simplificação dos povos africanos, como por exemplo, quando a participante Cátia diz que em África “tem bastante tribo”, e ao perguntar como essas pessoas vivem, o participante Mateus responde: “com caça”. Sobre como é o lugar onde essas “tribos que caçam” vivem, o participante Mateus diz: “Não tem centro, não tem shopping” (DC IV - 3). São falas que revelam a invasão cultural que citamos anteriormente, que faz com que seja encontrada somente uma forma de ver o continente africano.

Durante a conversa, a pesquisadora trouxe algumas fotos de países africanos e informações, propondo a problematização do que havia sido dito anteriormente pelos/as participantes. Com isso, as falas anteriores passaram a ser questionadas, como quando Cátia diz: “Eu achava que no Egito só existiam pirâmides”, e Pelé completa: “E deserto, deserto...” (DC IV - 10), mostrando que, ao final, outras impressões foram sendo construídas.

Ao apresentarmos outras informações sobre o continente africano e sobre os povos de África, os/as participantes puderam abrir-se para o reconhecimento de outras formas

de ver para então conhecer a partir de outra perspectiva. No fragmento do diário de campo trazido anteriormente que apresenta a fala do participante Pelé, os povos de África são vistos como majoritariamente negros/as, não sendo este o problema que está em questão, pois reconhecemos a presença de habitantes negros/as no continente, a questão que nos incomoda é a presença de formas de referir-se aos/às negros/as de maneira preconceituosa “sem querer magoar”, mas associando o “ser negro” à noção de precariedade, a partir da fala de Frynkin, que diz que “as escolas são precárias” e também à escravidão, quando Pelé diz que foi do continente africano que vieram os negros que foram escravizados no Brasil. Não queremos dizer, de forma a expressar um discurso vazio que os participantes são preconceituosos, mas sim chamar a atenção para a reprodução de ideias que estão enraizadas em nossa sociedade. Compreendemos que as relações sociais no Brasil fundaram-se a partir da ideia de raça, configurando-se em relações de dominação, ou seja, “raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população” (QUIJANO, 2005, p. 117), o que favorece a formação de ideias de inferiorização dos negros/as, que buscavam legitimar as práticas de dominação e exploração.

A esse respeito, Meneses (2010) fala sobre a hierarquização dos saberes, dos sistemas econômicos e políticos, que contribuem para que aconteça o predomínio de culturas de raiz eurocêntricas sobre outras culturas. De acordo com a autora:

Uma das expressões mais claras da colonialidade das relações de poder acontece com a persistência da colonização epistêmica, da reprodução de estereótipos e formas de discriminação. Os grupos identitários considerados inferiores, ou seja, os que estão nos escalões mais baixos da hierarquia etno- racial estão normalmente associados a imagem e representações negativas. Se antes os africanos eram os preguiçosos sem saberes, hoje a África negra é o continente atrasado, necessitando de ajuda internacional econômica e científica do Ocidente para se afirmar no espaço mundo [...] O legado