• Nenhum resultado encontrado

5 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS: A FAVOR DE QUÊ? CONTRA QUÊ? A

5.2 Racismo, preconceito e discriminação

Vamos inciar este tópico falando sobre as origens históricas do racismo, pois para compreender as marcas que este tem deixado nas relações, é preciso compreender como surgiu e quais foram as principais influências históricas e sociais que o consolidaram na sociedade brasileira. Concordamos com Moore (2007, p. 11) quando o autor diz que “[...] na Antiguidade o racismo sempre foi uma realidade social e cultural pautada exclusivamente no fenótipo, antes de ser um fenônemo politico e econômico pautado na biologia”. Mais tarde foi que surgiram as teorias raciais, já apresentadas no capítulo anterior, que trouxeram à tona algumas ideias sobre raça e seus consequentes desdobramentos, alicerçando o racismo ideologicamente através do mundo acadêmico e intelectual.

De acordo com Moore (2007, p. 23):

Racismo é um fenômeno eminentemente não conceitual; ele deriva de fatos históricos concretos ligados a conflitos reais ocorridos na História dos povos. Se, efetivamente, como pensamos, o racismo remete à História longínqua da interação entre as diferentes populações do globo, certas questões deverão ser respondidas. Por exemplo, de que tipo de conflitos, especificamente, se trata? Entre quais povos? Onde? Quando? Essas indagações remetem-nos ao cerne do problema – a saber, o próprio conhecimento factual da História da humanidade.

Com a conquista das Américas, foi disseminada uma ideia equivocada de que os povos negros tinham menor importância na construção da história da humanidade, sendo coadjuvantes, predominando uma ideia eurocêntrica racializada, e isso dificulta compreender como foi que o racismo surgiu na história da humanidade. No entanto, conforme nos alertam Munanga e Gomes (2016, p. 34), “entre as civilizações mais antigas da história da humanidade, algumas desenvolveram-se no continente africano, como a egípcia, a cuxita, a auximita e a etíope”. Nesse sentido, conforme Moore (2007, p. 29):

A origem africana do gênero humano, e também dos humanos anatomicamente modernos, tem implicações demográficas e históricas. Uma delas seria a antiguidade absoluta das populações africanas. A outra seria a ubiqüidade da presença africana em todos os cantos do planeta. E, derivando dessas duas implicações, surgiria uma terceira constatação: a procedência africana de todos os grupos humanos diferenciados, ou “raças”.

O autor constrói seu raciocínio a respeito da origem do racismo a partir dos gregos e romanos, cujas sociedades eram alicerçadas nas distinções entre os seres humanos a seguindo uma noção de superioridade e inferioridade, visão consolidada a partir da dominação e colonização greco-romana de partes da África do Norte e do Oriente Médio. De acordo com Moore (2007, p. 35):

O período durante o qual Grécia e Roma dominaram sucessivamente parte domundo antigo coincidiu com o auge de um raciocínio supostamente científico baseado no conceito de fenótipo racial. Os pensadores gregos denominaram, pois, tal procedimento de Fisiognomia, que se baseava na idéia de que uma observação da anatomia e do fenótipo conjugados dariam uma visão da personalidade humana.

Com a expensão colonial, o desenvolvimento da economia e do comércio grego, estes precisavam de mão-de-obra barata, o que resultou no fortalecimento do comércio e do tráfico de escravos. Sendo assim, encontramos nesses dados históricos semelhanças com o estabelecimento do racismo e das formas de subjugação e dominação de negros no Brasil. De acordo com Moore (2007, p. 48):

A originalidade do racismo grego foi ter erguido na história as bases ideológicas para um princípio de pureza racial com base no sangue, no compartilhar de um mesmo genos, e aliá-la à construção de um modo de produção escravista como instituição capaz de exterminar e subjugar o outro politicamente, e ao mesmo tempo gerar o excedente produtivo necessário para a auto-reprodução de um grupo racial dominante.

Sendo assim, o racismo é mais do que um conceito a ser abordado neste trabalho, e pode ser considerado como uma trama de relações, onde estão imersos posicionamentos, visões de mundo, posturas, gestos, crenças e pré-conceitos. Para educar as relações étnico-raciais é preciso primeiramente romper com as práticas racistas, reconhecendo sua existência e denunciando-as. O conceito de racismo é entendido como:

[...] um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como cor de pele, tipo de cabelo, formato de olho, etc. Ele é resultado da crença de que existem raças ou tipos humanos superiores e inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira. Exemplo disso são as teorias raciais que serviram para justificar a escravidão no século XIX, a exclusão dos negros e a discriminação racial (MUNANGA; GOMES, 2016, p.179).

Munanga (2009) destaca que o racismo tem como postulado fundamental da existência de uma hierarquia de raças dentro da espécie humana, existindo nessa concepção raças superiores e raças inferiores, e que funcionam como uma categoria de dominação e exclusão. Para o autor, ser negro/a é ser excluído/a em uma sociedade racista.

O autor alerta para que se tenha cautela, pois há risco de que haja manipulação da cultura negra por parte da ideologia dominante, manifestando-se através de discursos sobre as contribuições das culturas negras para o Brasil, quando a finalidade é negar a existência do racismo e reafirmar a democracia racial. Neste trabalho, abordamos a cultura africana e afro- brasileira como formas de fortalecer conhecimentos que durante muito tempo nos foram negados em uma sociedade que se pretendia branca e eurocêntrica.

Munanga (2009) fala sobre a o erro metodológico envolvido ao pensar de maneira separada os conceitos de raça e classe, pois os não se pode analisar uma sem a outra. Compreendemos que os oprimidos/as da sociedade muitas vezes não percebem que a exclusão política e econômica do/a negro/a só traz benefícios para a classe dominante, e assim torna-se cada vez mais difícil a solidariedade com o/a oprimido/a negro/a, que também é educado/a e socializado/a em uma cultura racista na família e na escola. Segundo o autor:

Os que pensam que a situação do negro no Brasil é apenas uma questão econômica, e não racista, não fazem esforço para entender como as práticas racistas impedem ao negro o acesso na participação e na ascensão econômica. Ao separar raça e classe numa sociedade capitalista, comete-se um erro metodológico que dificulta a sua análise e os condena ao beco sem saída de uma explicação puramente economicista. (MUNANGA, 2009, p. 19)

Somente a partir de uma luta coletiva, que reconheça no passado colonizado do Brasil e as semelhanças dos/as escravizados/as, explorados/as e marginalizados/as, é que podemos vislumbrar novas posturas, questionando estereótipos, preconceitos, discriminações. Conforme Munanga, a recuperação da identidade começa com a aceitação dos atributos físicos de sua negritude, pois o corpo é a sede material de todos os aspectos da identidade (2009, p.19).

Entretanto, esta luta coletiva é dificultada devido à prática de negação do racismo, que contribui para que este seja silenciosamente perpetuado e disseminado em práticas que se tornaram naturalizadas pelo peso do ideário de uma sociedade racista. No Brasil, isso acontece de forma bastante peculiar, pois:

O racismo no Brasil se dá de um modo muito diferente de outros contextos, alicerçado em uma constante contradição. As pesquisas, histórias de vida, conversas e vivências cotidianas revelam que ainda existe racismo em nosso país, mas o povo brasileiro, de modo geral, não aceita que tal realidade exista. Dessa forma, quanto mais a sociedade, a escola e o poder público negam a lamentável existência do racismo em nosso país, mais ele se propaga e invade as mentalidades, as subjetividades e as condições sociais e educacionais dos negros (MUNANGA; GOMES, 2016, p.181).

As ideias racistas permanecem nas relações através de práticas de discriminação, de segregação, de piadas que desqualificam o/a negro/a, sua estética, sua origem e pertencimento. São difundidas e naturalizadas sem questionamentos sobre a violência dessas práticas e das consequências para a vida e formação de pessoas negras nessa sociedade. Observamos ser pertinente trazer os conceitos de preconceito e discriminação, também relevantes para o entendimento das práticas racistas de nossa sociedade.

O preconceito é outra compreensão central neste estudo, pois está relacionado às ideias difundidas na sociedade sobre a superioridade de determinados grupos sobre outros. As teorias raciais criadas para justificar a dominação dos colonizadores sobre os/as escravizados/as podem ser consideradas como responsáveis por formar um conjunto de ideias que favoreciam a prática do julgamento prévio, julgando as pessoas pelos seus aspectos físicos, a cor da sua pele, incorrendo em generalizações e estereótipos. Entendemos que:

O preconceito é um julgamento negativo e prévio que os membros de uma raça, de uma etnia, de um grupo, de uma religião ou mesmo de indivíduos constroem em relação ao outro. Esse julgamento prévio apresenta como característica principal a inflexibilidade, pois tende a ser mantido a qualquer custo, sem levar em conta os fatos que o contestem. Trata-se do conceito ou opinião formado antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos. O preconceito inclui a relação entre pessoas e grupos humanos e a concepção que o indivíduo tem de si mesmo e também do outro (MUNANGA; GOMES, 2016, p.182).

As atitudes preconceituosas têm contribuído para práticas, ações, posturas e visões de mundo que julgam grupos e pessoas sem ao menos se dar ao trabalho de conhecer aquilo que nos é diferente, que nos mostra diferentes formas de ser ao mundo. É muito comum ouvir pessoas dizendo que não tem preconceito, que não são preconceituosas, mas acabam desrespeitando e rejeitando pessoas e práticas simplesmente por enxergá-las como diferentes. Essas atitudes preconceituosas se mascaram por meio de uma negação de conflitos e divergências, pois:

O preconceito como atitude não é inato. Ele é aprendido socialmente. Nenhuma criança nasce preconceituosa. Ela aprende a sê-lo. Todos nós cumprimos uma longa trajetória de socialização que se inicia na família, vizinhança, escola, igreja, círculos de amizades e se prolonga até a inserção em instituições enquanto profissionais ou atuando em comunidades e movimentos sociais e políticos. Sendo assim, podemos considerar que os primeiros julgamentos raciais apresentados pelas crianças são frutos do seu contato com o mundo adulto. As atitudes racistas de caráter negativo podem, ainda, ganhar mais força na medida em que a criança vai convivendo em um mundo que a coloca constantemente diante do trato negativo dos negros, dos índios, das mulheres, dos homossexuais, dos idosos e das pessoas de baixa renda (GOMES, 2005, p. 54-55).

Retomamos nossa preocupação em educar as relações étnico-raciais, pois se podemos aprender em nossos primeiros espaços de convivência a sermos preconceituosos, é possível que ao enxergar o/a nosso/a semelhante com respeito às suas diferenças, possamos ensinar e aprender outras formas de ver e de ser, construindo relações pautadas no reconhecimento das contribuições de diferentes culturas para nossa constituição como brasileiros/as.

Sobre a discriminação, compreendemos que “a palavra ‘discriminar’ significa distinguir, diferenciar, discernir. A discriminação racial pode ser considerada como a prática do racismo e a efetivação do preconceito” (MUNANGA; GOMES, 2016, p.184). Ao discriminar os/as negros/as pratica-se o racismo e efetiva-se o preconceito, sendo necessária a adoção de posturas e práticas pautadas no respeito à diferença como exigência para a construção de relações justas e equânimes; para que possamos ouvir uns aos outros sobre as experiências de ser ao mundo a partir de diferentes pontos de vista, pois:

Aceitar e respeitar a diferença é uma dessas virtudes sem o que a escuta não pode se dar. Se discrimino o menino ou a menina pobre, a menina ou o menino negro, o menino indígena, a menina rica; se discrimino a mulher, a camponesa, a operária, não posso evidentemente escutá-las, e se não os escuto, não posso falar com elas, mas a elas, de cima para baixo. Sobretudo, me proíbo de entendê-las. Se me sinto superior ao diferente, não importa quem seja, recuso escutá-lo ou escutá-la. O diferente não é o outro a merecer respeito, é um isto ou aquilo, destratável ou desprezível. (FREIRE, 2011, p. 118)

O diferente está representado por outrem, que merece respeito, que é aquele/a que me instiga a conhecer novas formas de ser no mundo, a reconhecer que há diferentes formas de ser no mundo, contribuindo para que as relações étnico-raciais possam ser (re)educadas.

A educação das relações étnico-raciais é vista, neste trabalho, como prática a favor do reconhecimento do papel dos/as negros/as na construção de nosso país, a favor da valorização da cultura africana e afro-brasileira, a favor da construção de práticas pedagógicas e educativas que fortaleçam e respeitem as identidades e contribuam para a compreensão de outrem, a favor da formação de cidadãos e cidadãs conscientes de sua responsabilidade de combate ao racismo, a favor da valorização e do respeito às diferenças. Nos posicionamos, ao educar as relações étnico-raciais, contra o racismo, contra as discriminações, contra os preconceitos, contra o mito da democracia racial, contra a desigualdade e a injustiça.