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categoria de cronotopo pode ser utilizada para o estudo das múltiplas manifestações culturais”

(FERRARA, 2008, p. 102), estendendo-se a outras dimensões desligadas do romance literário. Dessa forma, a autora propõe três ponderações básicas sobre o conceito relacionadas às possíveis formas de inferências possibilitadas pelo cronotopo:

1. o cronotopo é um conceito que tem sua pragmática científica voltada para a necessidade de controlar ou sintetizar a multiplicidade de manifestações dos enunciados, encontrando entre eles pontos de contato e semelhança que permitem criar um substrato comum reconhecível; 2. o cronotopo aponta as construções do tempo e do espaço, e elas constituem modelizações da cultura; 3. estas modelizações permitem reconhecer a múltipla identidade das manifestações culturais e correspondem a uma operação eminentemente científica, tendo em vista a legibilidade daquelas manifestações. (FERRARA, 2008, p. 103).

A autora caminha, nesse sentido, para o entendimento de como manifestações individuais compõem uma unidade espaço-temporal, não na busca de uma modelização que

proporcione uma padronização das manifestações, mas no sentido de decifra-las e compreende- las em seu contexto, pois ainda segundo a autora:

[...] a questão não está em saber como tempo e espaço se manifestam individualmente, mas como aquelas manifestações individuais se tecem e como suas relações geram uma unidade cultural que se comunica como fusão e unidade do espaço-tempo. (FERRARA, 2008, p. 103).

Caminhando no mesmo sentido das formulações de Ferrara (2008), Machado, ao descrever os diferentes cronotopos descritos por Bakhtin, traz elementos que nos conduzem a pensar o cronotopo fora da estrutura do romance literário, pois segundo a autora:

Ainda que o objeto de estudo seja o romance, do mundo grego a Rabelais, aquilo que Bakhtin conceitua como cronotopo da aventura, da praça pública, da estrada, do corpo, do encontro, torna-se um modelo para se pensar as formas arquitetônicas em sua formulação espácio-temporal fora do mundo da narrativa da semiose verbal. Pode-se afirmar sem risco de generalização que onde houver projeção do tempo no espaço (em jogos? filmes? rituais? pintura? grafismos? cidades? música? dança? canção?) haverá a possibilidade de compreender o tempo como quarta dimensão do espaço gerador, portanto, de manifestações cronotópicas. (MACHADO, 2010, p. 11)

O cronotopo, enquanto forma de compreensão da experiência (MACHADO, 2010) estendida às demais dimensões de análises, como enfatizada pela autora no trecho citado acima, nos possibilita mais uma vez aproximações quanto à obra de Bakhtin e o tema da pesquisa desenvolvida. Tal proximidade se dá através da projeção realizada pelo maracatu por meio da dança, da música e dos rituais, que compõem as manifestações culturais em geral, e que projetam através destas a inscrição do tempo no espaço. Dessa forma, como podemos perceber pelas explicitações realizadas por Ferrara (2008), Machado (2010) e Barros (1994) anteriormente, é possível realizar diálogos e traçar paralelos entre conceitos como cronotopo e dialogismo para a cultura, contribuindo para a compreensão de aspectos variados.

A obra de Bakhtin dedicada a François Rabelais e a influência da cultura popular na idade média e no renascimento, apesar de ser uma análise sobre a produção literária de Rabelais a respeito do carnaval, nos traz uma série de elementos que nos ajudam a compreender os rituais e as festas populares, importantes para o desenvolvimento da pesquisa.

As festividades (qualquer que seja o seu tipo) são uma forma primordial marcante da civilização humana. Não é preciso considerá-las como um produto das condições e finalidades práticas do trabalho coletivo nem, interpretação mais vulgar ainda, da necessidade biológica (fisiológica) de descanso periódico. As festividades tiveram sempre um conteúdo essencial, um sentido profundo, exprimiram sempre uma concepção de mundo. (BAKHTIN, 2008, p. 07).

Tal concepção expressada pelo autor relaciona-se com as formas cômicas utilizadas no carnaval, e o próprio papel do riso presente nos atos nas praças públicas, nas procissões, ritos e espetáculos, todos apresentados como releituras numa versão

“as avessas”

dos cultos e cerimônias religiosas, ou cerimônias oficiais do estado feudal (BAKHTIN, 2008). Dessa forma,

tais espetáculos “ofereciam uma visão do mundo, do homem, das relações humanas totalmente

diferentes, deliberadamente não oficial, exterior a igreja ou ao estado” (BAKHTIN, 2008, p.

04).

A transgressão proposta só poderia realizar-se no carnaval, devido seu caráter universal e peculiar onde as ordens do cotidiano, as condutas e ações dos sujeitos podem se inverter:

O carnaval era o triunfo de uma espécie de libertação temporária da verdade dominante e do regime vigente, de abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus. Era a autentica festa do tempo, a do futuro, das alternâncias e renovação. Opunha-se a toda perpetuação, a todo aperfeiçoamento e regulamentação, apontava para um futuro ainda incompleto. (BAKHTIN, 2008, p. 09).

Nesse contexto o tempo é o triunfo do carnaval, tempo este que é coletivo e permite que a as experiências, vivencias e as próprias festas populares aconteçam e se movimentem em uma espacialidade, e estabeleçam sua temporalidade. É necessário considerar que por mais que a pesquisa desenvolvida não tenha seu ponto central no carnaval, e sim nas temporalidades fora do período momino, é impossível não pensar na relação do maracatu com o carnaval. Os maracatus são grupos que surgem eminentemente no carnaval, e possuem nessa temporalidade a liberdade de se expressarem, remodelarem suas práticas, e principalmente trazer a cena principal os elementos culturais e religiosos da cultura africana, que por vezes encontram determinados estereótipos e preconceitos. Dessa forma, o carnaval é o espaço privilegiado onde as diferentes práticas ocorrem sem o peso dos enfrentamentos do cotidiano, pois assim como alerta Amorim (2012), na cultura popular e no carnaval, o tempo é coletivo.

Para Bakhtin (1997), as festividades sempre têm uma relação marcada com o tempo. Em

Estética da criação verbal

, ao abordar tempo e espaço nas obras de Goethe, o mesmo mostra como o autor tem nas suas obras a preocupação com o tempo histórico que esteja vinculado necessariamente com as reminiscências do presente, buscando sempre os vínculos que fazem a intermediação entre passad

o e presente, “procurando compreender o lugar