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4.4.1 Descrição

Nesta última categoria, buscou-se descrever as principais patologias, ou doenças e sintomas, que o trabalho em condições análogas à escravidão gerou nos sujeitos da pesquisa.

Vários problemas de saúde que ocorriam com certa frequência foram relatados, tais como: torções, fraturas nos pés e nas mãos, dores de dente, dores de cabeça devido à exposição direta ao sol, problemas respiratórios como pneumonia, problemas de pele, entre outros, que não souberam especificar.

E.1. Lá a gente adoece direto né.

E.3. Eu batia no dedo aqui a mão chegava inchava assim, isso aqui ó tudo calejado de lá, se ver que eu posso meter a marreta no meu dedo que eu não sinto mais nada, calejou. De tanto trabaiar lá.

E.2. Eu destronquei o pé lá carregando o caminhão e ele não deu assistência. Não deu assistência ninhuma, nem deu remédio pra comprar, que tava aqui na cidade e não comprou!

E.1. Lá a gente adoece direto né. Às vez machuca, às vezes dá uma dor de dente e não tem ninguém pra ajuda, meu marido deu uma dor, pneumonia mesmo, nóis teve de arrumar um amigo nosso que tava lá na beira do rio foi que buscou meu marido e trouxe.

Nos relatos, evidencia-se que os trabalhadores eram privados de qualquer assistência por parte dos aliciadores. As situações geradoras de doenças físicas ou psicológicas, assim como os acidentes de trabalho, eram atribuídas aos próprios indivíduos, e não se responsabilizava a organização pela ausência de equipamentos de proteção e das condições mínimas de segurança exigidas.

E.4. E a proteção que tinha de equipamentos, de EPIs, era só a butina e uma caneleira que eles dão. Não tinha luva, num tinha óculo, num tinha nada.

E.5. Proteção solar também não, se alguém comprasse um chapéu, tinha. Se não comprasse a usina não dava.

A ausência de reconhecimento pode levar a diversas formas de adoecimentos. O isolamento social, por sua vez, é descrito na literatura da Psicodinâmica do Trabalho como patologia da solidão, na qual observa-se o boicote às estratégias de mobilização coletiva e a exacerbação das estratégias defensivas.

Esse isolamento também é denominado por patologia do silêncio, decorrente da impossibilidade de utilização da palavra como meio de expressão do sofrimento e dos sentimentos de indignação. Tal patologia representa um expressivo risco laboral e de desgaste psicossocial, podendo ser encontrada nos discursos transcritos nesta pesquisa.

E.3. Eu fiquei uma vez lá, eu fiquei nove meses sozinhu lá uma vez (momento de choro).

E.5. Tinha que ficar calado diante da humilhação, senão podia apanhar pra aprender.

Pelos depoimentos, constata-se o que a literatura denominou como patologia da violência (MENDES, 2007, pp. 39 e 56), que se caracteriza por diversas práticas agressivas contra o trabalhador, demonstrando a radicalização dos modos de exploração e submissão, consentidos e legitimados pela banalização do sofrimento, das injustiças e do mal, como meio de garantir a produtividade da organização do trabalho.

A violência, por sua vez, tem nas suas bases a solidão afetiva, o abandono, a desolação, a insensibilidade ao sofrimento alheio e a desestabilização das relações de solidariedade, relacionados ao trabalho.

A patologia da sobrecarga presente em pesquisas da Psicodinâmica do Trabalho e também observada na referida investigação, caracteriza-se pela imposição de metas de produtividade desumanas aos trabalhadores, desconsiderando os limites físicos e psicossociais desencadeadores de adoecimento.

E.4. Ficava enfadado. Tinha vez que a gente trabaiava direto. A gente trabaiava mermo suado de verdade.

E.5. Num contasse quatro tunelada num dia inteiro num tinha pagamento, às vez nem pagava. Num tinha hora pra parar, era o dia inteiro.

O trabalho por produção tem constituído uma das principais formas geradoras de sofrimento, à medida que coloca sobre o trabalhador toda a responsabilidade da produção e, consequentemente, de sua própria remuneração. Quanto mais se produz mais se ganha dinheiro. Essa situação impõe ao sujeito ritmo acelerado de trabalho, esgotamento, somatizações, crises de ansiedade e drogadições, levando-o a ultrapassar os próprios limites, podendo, inclusive, chegar a comprometer sua saúde e integridade.

A servidão voluntária, em conjunto com as demais patologias, é incluída por Mendes (2007) no grupo de patologias sociais que surgem no embate continuado do trabalhador contra a sua organização. Os sofrimentos provenientes do trabalho podem ser mascarados por meio da obediência (subserviência) às ordens

superiores. Para resistir às condições degradantes e humilhações, o trabalhador recorre à submissão, negando o sofrimento alheio e calando o próprio.

E.5. Não pudia debate muito com ele (gato), que eu era sozinho e eles eram muitos. Como eu era minoria tinha que faze o que eles queria senão apanhava.

E.5. Sei que sofri muito, mas a vida a gente tem que sofrer. Se num sofrer num presta.

4.4.2 Discussão

A maneira como se configura o trabalho em condições análogas à escravidão - na maioria das vezes marcado por vulnerabilidade, violência nas relações, exploração do custo humano, condições degradantes, precarização dos laços de solidariedade, cultura do individualismo e isolamento, alienação dos trabalhadores, entre outros - gera situações desfavoráveis à construção da subjetividade e à promoção da saúde no trabalho.

As patologias são agravadas nesse contexto em função da intensidade e precariedade do trabalho, regidas, muitas vezes, pela ideologia da exclusão e do medo, que destrói o coletivo e altera os valores do ambiente laboral. O trabalho escravo é, em princípio, um evento traumático graças à violência e à privação da liberdade. A depender da situação concreta vivenciada, as patologias sociais da solidão, da sobrecarga, da violência e da servidão voluntária poderão fazer-se presentes.

O trabalho, segundo a abordagem psicodinâmica de Dejours, constitui um campo de atuação que envolve o trabalhador em toda a sua subjetividade e complexidade. As exigências da atividade e suas relações são vistas como uma ameaça ao próprio empregado, e frequentemente apropriam-se de sua subjetividade, excluindo-o e tornando-o vítima de seu próprio labor.

A falta de assistência e de alternativas, perante as dificuldades vivenciadas nesses contextos, conduz a práticas de exclusão que destroem a subjetividade e a autonomia desses trabalhadores, que são vistos ou tratados como objeto, como uma mercadoria, e relegados à própria sorte.

Tânia Franco e outros (2010, p. 239), citando diversos estudos, afirmam que é possível identificar um conjunto de transtornos mentais ligados à violência na

precarização social e do trabalho, seja em suas novas configurações - como na terceirização - ou em formas antigas - como na escravidão -, entre os quais estão os quadros depressivos, o esgotamento profissional (Burnout), o transtorno de estresse pós-traumático e a dependência de bebidas alcoólicas e outras substâncias.

As lesões de hipersolicitação, entre elas as lesões por esforço repetitivo, os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (LER/DORT) e os problemas psicossomáticos como o Burnout e a Karoshi, podem ser consideradas, para Dejours (2000), como patologias da sobrecarga.

O Burnout, também conhecido como síndrome do esgotamento profissional, pode ser entendido como um estresse laboral crônico com perda do interesse, distanciamento, rejeição ao trabalho e falta de energia para o desempenho das atividades. Entre os fatores que podem predispor a síndrome, destacam-se o ritmo de trabalho penoso, o papel conflitante, a perda da autonomia e a escassez de suporte social (MONTEIRO; JACOBY, 2013, p. 407).

De acordo com o modelo desenvolvido por Cristina Maslach, há três componentes principais no Burnout: o cognitivo, decorrente da baixa realização profissional; o emocional, oriundo do esgotamento emocional; e o de atitudes, caracterizado pela despersonalização e da postura insensível e excessivamente distanciada de questões que envolvem o trabalho (VIEIRA; JARDIM, 2010, p. 404). Embora não haja pesquisas específicas nesse sentido, o trabalho escravo contemporâneo apresenta esses três componentes e, por isso, pode ser uma fonte para o surgimento da síndrome de Burnout.

Já a Karoshi é caracterizada pela morte súbita causada pela sobrecarga de trabalho, sendo a causa mortis frequentemente associada a acidentes vasculares cerebrais, ataques cardíacos, tromboses e infartos agudos do miocárdio. Atinge, sobretudo, homens que morrem subitamente por excesso de trabalho até a exaustão. Atinge pessoas que trabalham mais de setenta horas por semana. No Brasil há relatos de, pelo menos, duas dezenas de casos de morte súbita de trabalhadores do corte de cana-de-açúcar (CHEHAB, 2013, pp. 155 e 160-161), apesar dos entrevistados nesta pesquisa que laboravam nesse contexto não mencionarem nenhum caso.

Patrícia Costa (2010, p.118-119), em sua pesquisa e entrevistas sobre a escravidão no Brasil, encontrou indícios que podem indicar a presença da Síndrome de Estocolmo entre trabalhadores escravizados. Segundo a pesquisadora, há um

sentimento de ambiguidade, em relação aos fazendeiros e os “gatos”, que ora são vistos como amigos e protetores pelos trabalhadores escravizados, ora como seus algozes.

Pode aparecer “uma relação paternalista entre subordinados e senhores nas fazendas de hoje, em que os excessos são dissimulados na promessa de proteção. Embora exista uma exploração econômica, os vínculos de dependência podem ser acrescidos de gratidão” (COSTA, 2010, p. 119).

A Síndrome de Estocolmo foi descrita por Nils Bejerot, em agosto de 1973, e ocorre “quando uma pessoa passa por uma situação extremamente crítica em que sua existência fica completamente à mercê de outra, que detém o poder de vida ou de morte sobre ela, pode-se estabelecer um tipo de relação dependente em que a vítima adere psicologicamente ao agressor” (TRINDADE, 2009, p. 337).

Em síntese, a investigação notabiliza a existência das patologias sociais da solidão, da sobrecarga, da violência e da servidão voluntária, presentes desde o aliciamento e ao decorrer de todo o ciclo do trabalho escravo. De acordo com o entendimento legal, o crime de trabalho em condições análogas à de escravo prevê, em seu âmbito, a presença de condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado e cerceamento da liberdade. Esses fatores por si só constituem uma grave violação aos direitos humanos, além de contribuírem para o desencadeamento de diversas patologias.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste estudo, fundamentado e analisado sob a ótica da Psicodinâmica do Trabalho e de pesquisas empíricas na área realizadas nas últimas décadas, possibilitou investigar a mediação do sofrimento em trabalhadores resgatados do trabalho em condições análogas à escravidão.

Buscou, também, caracterizar a organização do trabalho nos dois contextos em que essa prática era exercida, sob vários elementos que, ao longo dos resultados, puderam ser demonstrados e discutidos.

O conjunto de dados levantados tornou possível examinar as vivências de sofrimento dos trabalhadores entrevistados e as patologias provindas desse flagelo, além de desvendar as estratégias defensivas utilizadas para o enfrentamento das adversidades e constrangimentos desencadeados pela organização do trabalho. Nesse sentido, acredita-se haver alcançado o objetivo, em razão de os resultados evidenciarem uma forte correlação entre os fatores descritos e analisados.

Os resultados obtidos na investigação realizada junto à categoria de trabalhadores pesquisada sugerem as seguintes conclusões gerais:

 A precariedade das condições de trabalho análogas à escravidão anula qualquer possibilidade de reconhecimento no trabalho, sendo o fato manifestado pela insatisfação e o descontentamento dos trabalhadores, além de favorecer a vivência de sofrimento patogênico;

 Os contextos investigados são ambientes desestruturantes e desestabilizadores da saúde física e psíquica daqueles que ali atuaram;  Vivências de sofrimento foram geradas à medida que restringiram ou até mesmo anularam a liberdade de expressão da individualidade e a tomada de decisão, com base na desvalorização do trabalho;

 O valor atribuído ao trabalho como alternativa de sobrevivência exerce um papel preponderante na dinâmica de enfrentamento, que se utiliza de estratégias defensivas, principalmente, da compensação, do conformismo e de passividade, com a finalidade de propiciar a manutenção do aparelho psíquico;

 De alguma forma os trabalhadores da pesquisa, diversamente do esperado, desenvolveram algum tipo de identificação subjetiva com o

trabalho, a tal ponto de preferirem o trabalho escravo ao não trabalho, ou, na visão deles, o desemprego. Isso demonstra a centralidade do trabalho para os sujeitos, ainda que na condição análoga à escravidão;

 A investigação aponta que, diversamente do esperado, essa centralidade no trabalho, contribui de algum modo na constituição da identidade e da subjetividade desses trabalhadores;

 A inexistência de um coletivo de trabalho, que propicie a expressão da fala e da cooperação entre os trabalhadores, intensifica a vivência de sofrimento, desencadeando situações geradoras de patologias sociais;

 Todavia, apesar das vivências de sofrimento e das estratégias de defesa por eles utilizadas, nenhum dos sujeitos entrevistados, sequer o trabalhador submetido à escravidão por 12 anos, desenvolveu transtornos psicóticos graves. Isso sugere uma limitação do referencial teórico em abarcar trabalhadores nas circunstâncias de extrema precariedade do trabalho, podendo haver outros fatores além dos descritos pela teoria de Dejours;  Não se observou no presente estudo, o uso de mobilização subjetiva, seja individual ou coletiva, que oferecesse possibilidades de mudança, restando aos trabalhadores à utilização de estratégias defensivas e a alienação e, consequentemente, o adoecimento.

Uma vez que as características da atividade constituem crime tipificado na lei penal brasileira, vislumbra-se que a presente investigação contempla um tipo de trabalho peculiar, sendo sua escolha justificada por alguns trabalhadores por acreditarem ser uma alternativa ao desemprego, ou seja, “pra não ficar parado”, como costumam dizer. Outros, porém, não conseguiam sequer identificar que encontravam-se em situação análoga à de escravo, como mostra o relato de um deles, que só soube da irregularidade da prática ao ser resgatado.

As práticas ilegais exercidas, como a jornada exaustiva, a restrição da locomoção, o trabalho forçado, as condições degradantes, a violência física e psicológica, e a ausência de garantias e direitos trabalhistas, constituem ingredientes que fazem emergir o sofrimento e o adoecimento nos sujeitos que vivenciaram o trabalho nessas condições.

Submeter trabalhadores a condições de trabalho análogas à escravidão, tais como alojamentos precários, comida de péssima qualidade e insuficiente, falta de saneamento e de condições mínimas de higiene, água não potável e suja, são

algumas características do trabalho degradante e constitui uma grave violação de Direitos Humanos e, como tal, representa uma afronta ao Estado Democrático de Direito.

As condições de trabalho degradantes relatadas pelos entrevistados são elementos que corroboram para a caracterização de trabalho escravo, uma vez que retiram do trabalhador os direitos mais fundamentais e sua própria dignidade. São tratados como algo ou como objeto de propriedade de seus aliciadores.

O Estado brasileiro, diante da ocorrência de tais fatos, assumiu a erradicação e a repressão à prática do trabalho escravo como uma de suas prioridades, conforme Plano atualizado e ampliado em 2008. Adotou-se como ação nº 1, dirigida aos três poderes do Estado e ao Ministério Público, “manter a erradicação do trabalho escravo contemporâneo como prioridade do Estado brasileiro” (BRASIL, 2008, p. 12).

Acredita-se que as contribuições da presente pesquisa, com o aporte teórico metodológico da Psicodinâmica do Trabalho permitiram investigar a organização do trabalho em condições de escravidão, apesar de suas especificidades. Possibilitou- se a visibilidade do sofrimento psíquico desses trabalhadores subsidiando, assim, a reflexão sobre o modelo perverso dos contextos pesquisados, a fim de promover sua erradicação.

Pretende-se, ainda, auxiliar no processo de sensibilização para a criação de políticas públicas direcionadas à valorização e reconhecimento desse público, tal como a prevenção de outros trabalhadores que se encontram em zonas vulneráveis ao aliciamento.

O estudo colabora, igualmente, para o enriquecimento e o questionamento da abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, em contextos precarizados, abrindo, assim, novas perspectivas para futuras investigações, a fim de contribuir para o avanço e o fortalecimento do conhecimento nas áreas de saúde mental e do trabalho sob a ótica da teoria dejouriana.

No entanto, a pesquisa apresenta algumas limitações que devem ser consideradas, como o prazo cronológico que impossibilitou a realização da clínica do trabalho conforme o modelo preconizado por Dejours.

Outro aspecto limitante refere-se à impossibilidade de visitar a organização de trabalho na qual os trabalhadores estavam inseridos, sendo a coleta de dados sobre as condições de trabalho baseadas unicamente nos relatos dos entrevistados.

Ademais, foram estudados apenas dois contextos, sabendo-se que o trabalho análogo à escravidão também ocorre no âmbito da construção civil e das indústrias têxteis, principalmente.

Finalmente, houve também a limitação trazida pela dificuldade de compreensão e verbalização dos entrevistados, talvez pelo nível de instrução da maioria. Segundo a Psicodinâmica do Trabalho, a constituição do sujeito se dá pelo espaço da palavra e, em ambos os contextos, a maioria dos trabalhadores tinha suas falas e desejos constantemente reprimidos e silenciados.

Futuros estudos ainda precisam ser desenvolvidos para avançar-se na análise das patologias sociais, que vêm crescendo assustadoramente nos ambientes de trabalho, principalmente naqueles em que a precariedade das condições são bastante marcantes.

Para confirmar e/ou ampliar os resultados aqui apresentados, sugere-se uma investigação mais aprofundada baseada no método da Clínica do Trabalho, conforme o modelo teórico-metodológico de Dejours, para que se viabilize a criação de um espaço público que contribua para o enfrentamento do sofrimento e a mobilização subjetiva dos trabalhadores escravizados.

A proposta deste trabalho constitui um ponto de partida para dar visibilidade a outras e novas possibilidades de construção do conhecimento científico por meio da Psicodinâmica do Trabalho. A Clínica do Trabalho com os trabalhadores em situação de escravidão pode contribuir para a construção de sua saúde psíquica, resgatando, enfim, sua dignidade e sua própria identidade.

O combate a essa chaga social não pode ficar adstrito às questões jurídicas e trabalhistas. É nesse sentido que a Psicodinâmica do Trabalho pode contribuir com pesquisas e ações que possibilitem a criação de espaços de reflexão como modos de resistir, de lutar pela saúde mental e de encontrar, na construção do coletivo, os caminhos para a emancipação dos trabalhadores e para as ações políticas.

Algumas iniciativas já estão sendo tomadas para a construção de espaços públicos de discussão do tema em alguns lugares do país. Uma delas é o Movimento Ação Integrada, em Cuiabá, que busca criar condições para promover iniciativas que possibilitem a reinserção social, educacional e econômica dos trabalhadores resgatados e vulneráveis a condições análogas à escravidão.

A oferta de programas de alfabetização, de educação complementar e de qualificação profissional adequada aos trabalhadores é essencial para torná-los menos vulneráveis ao aliciamento para o trabalho escravo.

Para a prevenção do trabalho escravo, tem-se difundido no país Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e instalado Centros de Referência em Direitos Humanos que têm, entre outros objetivos, o de prestar atendimento psicossocial às vítimas de trabalho escravo. Tem-se promovido também o incentivo à inclusão dos trabalhadores em sindicatos e grupos associativos, cuja participação social mais expressiva ocorre em grupos religiosos como, por exemplo, a Pastoral da Terra da Igreja Católica.

O clínico do trabalho também pode contribuir para a consolidação dos Direitos Humanos integrando-se à rede de proteção social, em busca de cooperação para as relações entre os pares no ambiente laboral e no combate e prevenção ao trabalho em condições análogas à de escravo.

O conhecimento da mediação do sofrimento que atinge o trabalhador escravizado, a partir dos resultados do presente estudo, poderá auxiliar na construção de diretrizes e caminhos para atuação do clínico do trabalho, como profissional também comprometido com a prática dos Direitos Humanos.

Eis o desafio: o resgate da pessoa humana em toda a sua complexidade e a valorização de seus direitos com o auxílio da Psicodinâmica do Trabalho, objetivando o comprometimento de todos com a prevenção e a erradicação do trabalho escravo na contemporaneidade.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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