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Categorias de análise em relação às perspectivas de abordagem da leitura

CAPÍTULO 2: LEITURA

3. Categorias de análise em relação às perspectivas de abordagem da leitura

Além dos critérios já definidos no Capítulo 1, apresentaremos, a seguir, com base em Rojo (2004, 2009)29, uma descrição de procedimentos, estratégias

e capacidades de leitura que podem ser aferidas a partir de atividades de compreensão de leitura. A observação desses elementos pode nos levar a inferir se há viabilidade no desenvolvimento/ampliação de práticas que levem aos letramentos críticos, ou seja, a uma perspectiva reflexiva e crítica de leitura.

Rojo (2004) considera que a escola, hoje, não forma leitores proficientes e eficazes e, muitas vezes, dificulta até mesmo a sua formação. Isso ocorre segundo sua perspectiva, principalmente, em função das práticas de leitura no letramento escolar não propiciarem o desenvolvimento mais amplo de capacidades leitoras necessárias e exigidas na sociedade contemporânea.

Conforme observa a autora, a leitura escolar prende-se ao desenvolvimento de um currículo escolar e restringe-se a um processo de revozeamento dos textos e dos autores que circulam nesse espaço. As práticas de leitura desenvolvidas são lineares e literais e as atividades propostas prendem-se à localização de informações em textos e respectiva transcrição em respostas aos exercícios de compreensão. Entretanto, a autora reitera que as práticas de leitura na escola devem aproximar-se das práticas de leitura para a vida.

Acredita, dessa forma, que as práticas de letramentos e de leitura na escola devem ser amplas e diversificadas para permitir o desenvolvimento de

29 A autora registra que “o conhecimento sobre o conjunto de capacidades de todas as ordens que são requeridas nas diversas práticas de leitura vem crescendo acentuadamente com o desenvolvimento das pesquisas e teorias sobre leitura que tiveram lugar da segunda metade do século passado até hoje” (ROJO, 2009, p. 75).

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capacidades leitoras igualmente mais complexas, as quais podem e devem ser ensinadas/desenvolvidas na escola.

A autora ainda enfatiza que “diferentes tipos de letramentos, diferentes práticas de leitura, em diversas situações, vão exigir diferentes combinações de capacidades de várias ordens” (ROJO, 2004, s. p.): codificação, compreensão, de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto (interpretação e interação).

Ainda, na concepção da autora, a escola, e em nosso entender consequentemente o LDP que nela circula, pode contribuir no processo de formação do leitor cidadão, ou seja, aquele que acredita nas suas possibilidades e nas suas capacidades leitoras necessárias ao processo integral de compreensão de textos diversos.

Dessa forma, a autora sugere que a escola deve propiciar práticas de leitura que orientem o leitor na busca da palavra internamente persuasiva, ou seja, aquela que o leva a “penetrar plasticamente, flexivelmente as palavras do autor” (ROJO, 2004, s. p.), que leve o leitor a transformar as palavras do autor em palavras próprias, “para adotá-las, contrariá-las, em permanente revisão e réplica” (ROJO, 2004, s. p.).

A autora, como sugestão, recomenda que a escola deve, portanto, para levar a termo tal desenvolvimento de capacidades leitoras, possibilitar a participação do leitor em “várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática” (ROJO, 2009, p.107).

Consideramos, pois, que o LDP deva fazer parte dessas práticas de letramentos plurais.

Para observarmos as atividades de compreensão de leitura propostas para os textos verbais trazidas pelos livros didáticos, consideramos os seguintes critérios:

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Compreensão Estratégias de Compreensão

Decodificação  Localização e/ou retomada (cópia) de informações

Compreensão

 Ativação de conhecimento de mundo

 Antecipação ou predição de conteúdos ou de propriedades dos textos

 Checagem de hipóteses

 Localização e/ou retomada (cópia) de informações, acompanhadas de:

 Comparação de informações

 Generalização (conclusões gerais sobre fato, fenômeno, situação- problema, etc., após análise de informações pertinentes

 Produção de inferências locais4

 Produção de inferências globais30

Apreciação e Réplica

 Recuperação do contexto de produção31

 Definição de finalidades e metas de leitura

 Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático)32

 Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo)33

 Percepção de outras linguagens (imagens, som, imagens em movimento, diagramas, gráficos, mapas, etc.)34

 Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas35

 Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos36

Quadro 2 - Capacidades de leitura que podem ser exigidas pelas atividades dos livros didáticos [Fonte: Rojo (2004)]

30 No registro de Rojo (2009, p. 79), esta estratégia é colocada em prática quando “o leitor lança mão, ao mesmo tempo, de certas pistas que o autor deixa no texto, do conjunto da significação já construída e de seus conhecimentos de mundo, inclusive lógicos”.

31 “Para interpretar um texto discursivamente é preciso situá-lo” (ROJO, 2004, s. p.).

32 “Ler um texto é colocá-lo em relação com outros textos já conhecidos, outros textos que estão tramados a este texto, outros textos que poderão dele resultar como réplicas ou respostas” (ROJO, 2004, s. p.).

33 “Perceber um discurso é colocá-lo em relação com outros discursos já conhecidos, que estão tramados a este discurso” (ROJO, 2004, s. p.).

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Esta capacidade só irá nos interessar se utilizada para a compreensão dos sentidos do texto verbal.

35Na leitura, segundo Rojo (2004, s. p.), “replicamos ou reagimos ao texto constantemente: sentimos prazer, deixamo-nos enlevar e apreciamos o belo na forma da linguagem, ou odiamos e achamos feio o resultado da construção do autor ou não gostamos pelas mais variadas razões”.

36 No processo de leitura, “avaliamos os valores colocados em circulação pelo texto e destes, são especialmente importantes para a cidadania, os valores éticos e políticos. Esta capacidade é que leva a uma réplica crítica a posições assumidas pelo autor no texto” (ROJO, 2004, s. p.).

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Ainda, para uma análise dos tipos de perguntas que os livros didáticos costumam trazer nas atividades de compreensão de leitura, apresentamos, com base em Marcuschi (2001), conforme Quadro 3 a seguir:

Tipos de Perguntas Explicitação

Evidentes

Não muito frequentes e de perspicácia mínima, auto- respondidas pela própria formulação. Assemelham-se às indagações do tipo “Qual a cor do cavalo branco de Napoleão?

Cópias

Sugerem atividades mecânicas de transcrição de frases ou palavras. Verbos frequentes aqui são copie, retire,aponte,

indique, transcreva, complete, assinale, identifique etc.

Objetivas

Indagam sobre conteúdos objetivamente inscritos no texto (O

quê, quem, quando, como, onde) numa atividade de pura

decodificação. A resposta acha-se centrada exclusivamente no texto.

Inferenciais As mais complexas; exigem conhecimentos textuais e outros, sejam pessoais, contextuais, enciclopédicos, bem como regras

inferenciais e análise crítica para busca de respostas. Globais Levam em conta o texto como um todo e aspectos extra-

textuais, envolvendo processos inferenciais complexos.37

Subjetivas

Em geral, têm a ver com o texto de maneira apenas superficial. A resposta fica por conta do aluno e não há como testá-la em

sua validade.38

37 “Qual a moral dessa história?”, “Que outro título você daria/”, “Levando-se em conta o sentido global do texto, pode-se concluir que...” (MARCUSCHI, 2001, p. 55).

38 “Qual a sua opinião sobre...?”, “O que você acha do...?”, Do seu ponto de vista...?” (MARCUSCHI, 2001, p. 55). Esclarecemos que apesar de o autor considerar este tipo de pergunta superficial, devemos levar em conta que o fato de a resposta do aluno ficar por conta dele, pode levá-lo a posicionar-se criticamente frente ao texto, demonstrando, portanto, suas apreciações de valor sobre o mesmo e sobre o autor do texto lido, ainda que não haja condições de testar a validade de sua resposta como afirma Marcuschi (2001).

58 Amplas

Admitem qualquer resposta não havendo possibilidade de se equivocar. A ligação com o texto é apenas um pretexto sem

base alguma para a resposta.39

Impraticáveis

Exigem conhecimentos externos ao texto e só podem ser respondidas com base em conhecimentos enciclopédicos. São

questões antípodas às de cópia e às objetivas.40

Metalinguísticas Indagam sobre questões formais, geralmente da estrutura do texto ou do léxico, bem como de partes textuais.41 Quadro 3 - Tipos de questões utilizadas pelos livros didáticos nas atividades de leitura

[Fonte: Marcuschi (2001)]

Utilizaremos, ainda, para o estabelecimento de critérios analíticos, os “enunciados declarativos” (MARTINS, 2008)42, ou seja, os enunciados

introdutórios das perguntas de compreensão que trazem as solicitações, os comentários e as conduções que são inseridas pelo autor do livro didático nos enunciados de compreensão sobre os textos43.

Dionísio (2000, p. 122) afirma que

39 “De que passagem do texto você mais gostou?”, “Você concorda com o autor?” (MARCUSCHI, 2001, p. 55). Idem

40 “Dê um exemplo de pleonasmo vicioso (Não havia pleonasmo vicioso no texto e isso não fora explicado na lição” (MARCUSCHI, 2001, p. 55).

41 “Quantos parágrafos tem o texto?”, “Quantos versos tem o poema?”, “Numere os parágrafos do texto.” (MARCUSCHI, 2001, p. 55).

O autor classifica, ainda, como questões híbridas ou ‘mistas’, aquelas que envolvem questões

de dois tipos, como pelo seu exemplo dado: “Copie a frase que em sua opinião está certa”. Em casos como este, segundo Marcuschi (2001), pode-se optar por aquela que tem maior peso na indagação em relação ao texto lido.

42Também denominados “enquadradores discursivos” (DIONÍSIO, 2000, p. 122), representam os enunciados que “de várias formas, acompanham ou mesmo integram os questionários sobre os textos (...) que podemos entender como resultantes de operações de seleção, exclusão, ênfase ou como „ampliadores‟ do que o autor reconhece como relevante e digno de ser compreendido e integrado como conhecimento ou não”.

43Como por exemplo: “Você, caro leitor, sabe que a educação no Brasil sempre foi um tema complexo...”.

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„enquadradores‟ de um discurso, sobre o texto, o leitor ou o próprio processo de leitura, estes actos de natureza primordialmente informativa, e por isso preferencialmente realizados por asserções, constituem um lugar privilegiado para a análise não só dos significados construídos, mas também da forma como se relacionam os sujeitos locutores com os saberes e, consequentemente, como se fazem relacionar os alunos com o texto, isto é, como se cria a „posição do leitor‟.

Podemos perceber então que o livro didático apresenta-se como um discurso regulador das práticas escolares de leitura, estabelecendo posicionamentos ideológicos já na formulação das perguntas de compreensão do texto. Este controle assumido pelo autor do livro didático poderá, segundo a autora, ser mais ou menos forte e, na nossa perspectiva, de acordo com o projeto didático-autoral, incluir a própria seleção de textos/gêneros.

Ainda, como bem registra Martins (2008, p. 45),

se a seleção textual já denota certas concepções de linguagem, mais ainda denotam as atividades de exploração de leitura para os alunos. Elas são um modo explícito de propor que os alunos produzam seu discurso, realizando, com seu conhecimento prévio, com as características de seu pertencimento sócio- econômico-cultural, determinadas articulações entre os diversos textos e suas modalidades.

Antes de passarmos a nossas análises e, consequentemente, estabelecermos uma relação entre as concepções e perspectivas de leitura trazidas à discussão neste capítulo, faremos, no Capítulo 3, a explicitação de nosso percurso metodológico.

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